O setor de serviços tem demonstrado grande preocupação com o texto da proposta de reforma tributária que foi apresentado na Câmara dos Deputados, especialmente o setor das sociedades uniprofissionais.
Já tratei do tema aqui há mais de 3 anos. É fato que as sociedades uniprofissionais de advogados, assim como uma grande gama de prestadores de serviços de profissões regulamentadas, possuem pouquíssimos custos aptos a gerar créditos de CBS/IBS, notadamente porque o seu maior insumo é a mão de obra dos profissionais associados. Na mesma situação estão as sociedades de médicos, contadores, economistas, engenheiros, arquitetos e outros.
As sociedades uniprofissionais optantes pelo lucro presumido submetem-se, atualmente, à carga tributária de PIS/Cofins na ordem de 3,65% sobre a sua receita. As optantes pelo lucro real submetem-se à carga de 9,25% destas mesmas contribuições sob o regime não-cumulativo. A reforma tributária deve majorar referidas alíquotas para algo próximo a 25% de CBS/IBS. Há também o ISS em regime diferenciado, que deixarei de fora da análise para facilitar a compreensão do raciocínio desenvolvido.
É fato de que o PIS e Cofins atuais são custos para os tomadores de serviços advocatícios, estejam no meio da cadeia ou no consumo final.
Na relação contratual na qual o prestador de serviços advocatícios atende tomadores de serviços pessoas jurídicas intermediárias da cadeia, pode-se afirmar que os 25% de CBS/IBS recuperáveis pelo tomador de serviços são menos onerosos do que os 3,65% e os 9,25% de PIS/Cofins, eis que não conferem qualquer direito a crédito ao tomador.
Neste caso e diante do mecanismo pretendido pela reforma tributária, este PIS/COFINS que onera a relação ficaria “na mesa” para renegociação de preço entre prestador e tomador dos serviços.
Mas parece que a indignação tem outro viés e é sob ele que deve ser avaliada.
Os prestadores de serviços que estão no meio da cadeia têm justo receio de serem esmagados pelo poderio econômico de clientes que se aproveitarão da situação e dificilmente aceitarão que os 25% de CBS/IBS sejam efetivamente acrescidos aos preços contratados.
A resistência será significativa, especialmente por parte de grandes empresas exportadoras e geradoras de créditos acumulados que pouco se interessarão por mais créditos. Devem, sem sombra de dúvidas e diante da recusa de repasse destes 25% de CBS/IBS, migrar para prestadores sujeitos a regimes privilegiados, como aqueles optantes do Simples, mesmo que a “teoria” assegure-lhe o pronto ressarcimento dos créditos acumulados.
Haveria um efeito contrário à pretendida neutralidade, incentivando as sociedades de advogados (e de outras uniprofissionais) a desfazerem-se, fragmentando a atividade e realocando os seus associados em pequenas sociedades individuais – associadas ou não – sujeitas ao Simples, para atenderem este perfil de tomadores de serviços. É uma interferência inócua aos meios de organização empresarial. Os serviços são pessoais, inclusive com responsabilidade individual, e a forma de reunião associativa é completamente flexível. Haverá uma legítima multiplicação de sociedades no Simples, cooperando entre si sob a proteção de um contrato de associação regulamentado pela OAB.
Este “arrocho de preços” por parte de tomadores de serviços poderosos pode, noutro extremo, elitizar ainda mais a profissão, privilegiando os advogados mais renomados (minoria do mercado) para os quais o tomador não se importa com o preço de contratação, relegando os demais trabalhos, como mencionado, a pequenos prestadores optantes do Simples. Pode-se invocar os inúmeros estudos segundo os quais os “benefícios” tributários decorrentes desta nova não-cumulatividade do IBS/CBS não serão repassados nos preços finais, ficando no bolso dos intermediários mais poderosos economicamente, pouco beneficiando os consumidores finais de bens e serviços.
São aproximadamente 1.500.000 de advogados no país, sem contar de outros 3.000.000 de bacharéis tentando passar no exame da OAB, cuja renda média é de R$ 5.855,00 (Datafolha, 2021).
Para os advogados que atendem diretamente pessoas físicas, como advogados criminalistas, de família e sucessões, consumeristas, previdenciário e trabalhistas (categorias predominantes na profissão), grande parte está no regime do Simples, não havendo significativos efeitos no preço dos honorários profissionais ao cliente final.
Aos advogados que atendem pessoas físicas e atuam associados em sociedades médias e grandes, o aumento de custo ao tomador será certo, elevado e proibitivo, criando-se aqui um problema concorrencial a justificar a preocupação do setor.
Na perspectiva do aumento de custo jurídico, há direta afronta o dispositivo constitucional que posiciona o advogado como indispensável à administração da justiça (artigo 133, CF/88), bem como o que assegura pleno acesso ao Poder Judiciário para afastar lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV da CF/88). A advocacia, ao lado da saúde, educação e transporte é atividade essencial e sem direito a créditos, devendo, em um contexto com múltiplas alíquotas e regimes, submeter-se necessariamente ao menos oneroso (regime diferenciado ou específico) em respeito à Constituição Federal.
É certo que a redução da alíquota, seja por essencial ou por ser diferenciado com poucos créditos a compensar, em quase nada afetará a arrecadação pretendida. Primeiro porque, como já dito, grande parte destes profissionais estão atrelados ao regime do Simples. Segundo porque uma alíquota menor aos que prestam serviços aos intermediários da cadeia, a eles gerarão um crédito menor, impondo-lhes uma CBS/IBS maior a pagar na etapa seguinte.
Tem-se que deixar claro que isso protegerá os profissionais (pessoas físicas reunidas em sociedade) da pressão econômica dos seus clientes na negociação de preços e em relação aos quais são fragilizados, além de mitigar o desequilíbrio concorrencial entre os atuam sozinhos (Livro Caixa) ou reunidos em sociedades com 2 (Simples), 20 ou 200 profissionais associados, interferindo o menos possível na forma associativa eleita.
A oneração dos serviços jurídicos de forma desigual não pode restringir sobremaneira o acesso à justiça. E sabemos que, sem justiça, não há democracia. Não é atividade a ser mais onerada e tampouco submetida a qualquer cashback jurídico.