Em mais um capítulo da complexa jornada da reforma tributária, a primeira fase obteve a aprovação no Senado nesta semana. O texto, agora, retorna à Câmara dos Deputados, onde poderá ser votado na íntegra ou de maneira fragmentada, permitindo a promulgação dos pontos inalterados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, e a votação posterior do restante.
Dentre os aspectos mais notáveis estão as exceções introduzidas após uma intensa pressão dos governadores das regiões Sul e Sudeste, bem como negociações de última hora. Tais exceções impactam setores que terão alíquota reduzida para 40% da alíquota-padrão ou serão incluídos em regimes especiais. Destaca-se a ampliação de um fundo destinado ao desenvolvimento da Amazônia para outros estados da Região Norte.
Na votação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na terça-feira (7), concessões já haviam sido feitas, beneficiando times de futebol, taxistas e governadores do Centro-Oeste.
No entanto, as mudanças fundamentais foram anunciadas pelo relator da reforma no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), no final de outubro. Ele estabeleceu uma trava para a carga tributária, aumentou o Fundo de Desenvolvimento Regional em R$ 20 bilhões e incluiu uma revisão de regimes especiais a cada cinco anos.
Principais alterações na reforma tributária no Senado em comparação com a Câmara dos Deputados:
Setores com alíquota reduzida:
- Novos segmentos terão alíquota reduzida para 40% da alíquota-padrão do futuro Imposto sobre Valor Adicionado (IVA).
- Comunicação institucional.
- Produtos de limpeza consumidos por famílias de baixa renda.
- Setor de eventos.
- Nutrição enteral ou parenteral (que previnem ou tratam complicações da desnutrição).
- Profissionais liberais com atividades regulamentadas pagarão 70% da alíquota do IVA.
- Na prática, a mudança beneficia principalmente empresas, escritórios e clínicas que faturem mais de R$ 4,8 milhões por ano.
Alíquota zero:
- Determinados setores passarão a não pagar IVA, incluindo serviços prestados por Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) sem fins lucrativos, compra de automóveis por taxistas, compra de medicamentos e dispositivos médicos pela Administração Pública e por entidades de assistência social sem fins lucrativos, reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística.
Regimes específicos:
- Inclusão de setores como agências de viagem, concessão de rodovias, missões diplomáticas, serviços de saneamento, telecomunicações, sociedades anônimas de futebol (que terão recolhimento unificado) e serviços de transporte coletivo intermunicipal e interestadual.
Revisão periódica:
- A cada cinco anos, exceções serão revisadas, com custo-benefício avaliado.
- Setores beneficiados deverão seguir metas de desempenho econômicas, sociais e ambientais.
- Dependendo da revisão, a lei determinará um regime de transição para a alíquota padrão.
Imposto seletivo:
- Cobrança sobre produtos que gerem danos à saúde ou ao meio ambiente.
- Alíquotas definidas por lei, com 60% da receita destinada a estados e municípios.
- Princípio da anualidade: a cobrança só poderá começar no ano seguinte à sanção da lei.
- Imposto regulatório: não tem o objetivo de arrecadar, mas regular o mercado e punir condutas prejudiciais.
- Produtos sujeitos à cobrança incluem combustíveis, extração de recursos naturais não renováveis (como minério e petróleo), armas e munições (exceto as usadas pela administração pública).
Cesta básica:
- Restrição do número de produtos com alíquota zero, com desmembramento em duas listas a pedido do Ministério da Fazenda.
- Cesta básica nacional, com alíquota zero, e caráter de enfrentamento à fome.
- Cesta básica estendida, com alíquota reduzida para 40% da alíquota padrão e mecanismo de cashback (devolução parcial de dinheiro).
- Cesta nacional poderá ser regionalizada, com itens definidos por lei complementar.
Cashback para energia e gás de cozinha:
- Devolução obrigatória de parte dos tributos da conta de luz e do botijão de gás para famílias de baixa renda.
- Ressarcimento ocorreria no momento da cobrança, entrando como desconto na conta de luz.
- Detalhes a serem regulamentados por lei complementar.
Trava:
- Teto para manter constante a carga tributária sobre o consumo.
- Atualmente, esse teto corresponderia a 12,5% do PIB.
- A cada 5 anos, seria aplicada uma fórmula que considera a média da receita dos tributos sobre consumo e serviços entre 2012 e 2021.
- A fórmula será calculada com base na relação entre a receita média e o Produto Interno Bruto (PIB, bens e serviços produzidos no país).
- Caso o limite seja superado, a alíquota de referência terá de cair.
- A redução seria calculada pelo Tribunal de Contas da União, baseado em dados dos entes federativos e do futuro Comitê Gestor do IBS.
Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional:
- Fundo que ajudará o desenvolvimento de regiões de menor renda.
- Aumento da verba de R$ 40 bilhões para R$ 60 bilhões anuais.
- Transição para o aumento:
- Fundo começaria com aportes de R$ 8 bilhões em 2029 até chegar a R$ 40 bilhões no início de 2034.
- Em 2034, aportes subiriam R$ 2 bilhões por ano até atingir R$ 60 bilhões em 2043.
- Divisão dos recursos: 70% pelos critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE); 30% para estados mais populosos.
Fundo de Desenvolvimento Sustentável:
- Destinado a estados do Norte com áreas de livre-comércio.
- Inicialmente restrito ao Amazonas, foi ampliado para Acre, Rondônia, Roraima e Amapá.
- Mudou de nome para Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental.
Setor automotivo:
- Prorrogação até 31 de dezembro de 2032 de incentivos tributários concedidos a montadoras instaladas no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste.
- Benefício vale apenas para projetos aprovados até 31 de dezembro de 2024.
- Incentivo não poderá ser ampliado.
- Inclusão do biodiesel beneficia produtores rurais.
- Benefício a ser regulamentado por lei complementar.
- Ampliação gerou ofensiva de última hora de governadores do Sul e do Sudeste e críticas de montadoras tradicionais.
Bancos:
- Manutenção da carga tributária das operações financeiras em geral.
- Manutenção da carga tributária específica das operações do FGTS e dos demais fundos garantidores, como Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), Fundo Garantidor de Habitação Popular (FGHab), vinculados ao Minha Casa, Minha Vida, e Fundo de Desenvolvimento Social (FDS).
Zona Franca de Manaus:
- Câmara tinha incluído o imposto seletivo sobre produtos concorrentes de fora da região para manter competitividade da Zona Franca.
- Relator trocou o imposto seletivo por Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide).
Limites a Unidades da Federação:
- Mantido artigo incluído de última hora na Câmara que autoriza estados e Distrito Federal a criar contribuição sobre produtos primários e semielaborados para financiar infraestruturas locais.
- Acrescentadas restrições: permissão apenas a fundos estaduais em funcionamento em 30 de abril de 2023; com a regra, apenas Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Pará poderão manter contribuição; contribuição só poderá ser cobrada até 2032, para evitar nova guerra fiscal.
Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais:
- Seguro-receita para compensação da perda de arrecadação dos entes federativos com o fim de incentivos fiscais sobe de 3% para 5% do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
- Mudança atende a pedido dos estados.
- Critérios de repartição: estados e municípios com maior perda relativa (em termos percentuais) de arrecadação; receita per capita (por habitante) do fundo não pode exceder três vezes a média nacional, no caso dos estados, e três vezes a média dos municípios de todo o país, no caso das prefeituras.
Comitê Gestor:
- Encarregado de gerir a cobrança e a arrecadação do IBS, Conselho Federativo foi rebatizado de Comitê Gestor.
- Órgão passará a ter caráter exclusivamente técnico, assegurando a divisão correta dos recursos, sem capacidade de propor regulações ao Legislativo.
- Presidente do Comitê Gestor terá de ser sabatinado pelo Senado.
- Congresso poderá convocar o presidente do Comitê Gestor e pedir informações, como ocorre com os ministros.
- Representação do órgão será feita por integrantes das carreiras da Administração Tributária e das Procuradorias dos estados, do Distrito Federal e municípios.
- Emenda sobre representantes do órgão acatada a pedido dos Fiscos para impedir criação de carreiras e cargos dentro do Comitê Gestor.
Incentivo a estados e municípios:
- Estados e municípios que aumentarem arrecadação ao longo do tempo acima da média dos demais entes receberão maior parcela do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência dos estados e dos municípios.
- Medida cria estímulos para gestores locais melhorarem eficiência da arrecadação.
- Incentivo quer evitar “caroneiros”, governadores e prefeitos que peguem carona na divisão do IBS durante a transição sem se esforçarem para aumentar arrecadação própria, porque a parcela de cada um estará estabelecida após 2028.
Essas são as principais alterações propostas no Senado em relação à reforma tributária, um processo que continua a evoluir com a dinâmica do cenário político e econômico brasileiro. O caminho para a implementação completa da reforma ainda é desafiador, com debates e ajustes esperados nas próximas etapas legislativas.