Rita Lobato Velho: A Primeira Médica do Brasil que Mudou a História da Educação e da Medicina Feminina
Em uma época em que mulheres sequer podiam votar, Rita Lobato Velho tornou-se a primeira médica do Brasil, desafiando convenções sociais, preconceitos institucionais e paradigmas científicos. Sua história é mais do que uma conquista acadêmica: é um símbolo de emancipação feminina, resistência e pioneirismo. Hoje, seu legado inspira milhares de mulheres a ocuparem espaços antes negados a elas.
Mergulhamos na trajetória de Rita Lobato Velho, desde sua infância no Rio Grande do Sul até a sua consagração como médica obstetra formada pela Universidade Federal da Bahia. Acompanhe a história desta mulher que marcou o Brasil e saiba por que o nome de Rita Lobato Velho precisa ser lembrado, celebrado e divulgado.
Infância e origem de Rita Lobato Velho
Nascida prematuramente em 9 de junho de 1866, em Rio Grande (RS), Rita Lobato Velho Lopes foi filha de Francisco Lobato Lopes, estancieiro abastado e comerciante de charque, e de Rita Carolina Velho Lopes. Criada em um ambiente rural com outros treze irmãos, passou seus primeiros anos na Estância de Santa Isabel, nos arredores de Pelotas, e depois mudou-se para a Estância do Areal, onde iniciou os estudos com apenas cinco anos de idade.
A jovem Rita Lobato Velho rapidamente se destacou pela inteligência e dedicação. Aos nove anos, concluiu o ensino primário — feito raro, especialmente para uma menina no século XIX. Essa base educacional sólida, apoiada por uma estrutura familiar estável e financeiramente privilegiada, seria fundamental para que Rita trilharia um caminho singular no Brasil.
A educação como propósito de vida
A escolha pela Medicina não foi fruto de um acaso. Ainda criança, Rita manifestou o desejo de ser médica após acompanhar o trabalho do Doutor Romano, médico italiano que atendia sua família. No entanto, foi a morte de sua mãe que reforçou o compromisso de evitar que outras mulheres passassem por complicações no parto — o que a levou a se especializar em obstetrícia.
O sonho, porém, exigiria uma longa jornada. A entrada de mulheres no ensino superior ainda era extremamente restrita, dificultada por barreiras legais, culturais e sociais. Mas em 1879, o Decreto Imperial nº 7247, assinado por D. Pedro II, proibiu oficialmente a exclusão de mulheres das instituições de ensino superior. Isso abriu a possibilidade legal para que mulheres como Rita pudessem se formar.
Primeiros passos na faculdade de Medicina
Em 1884, com o apoio de seu pai, Rita mudou-se para o Rio de Janeiro com seu irmão Antônio. Ambos foram matriculados na Faculdade de Medicina, onde ela, Ermelinda Lopes de Vasconcelos e Antonieta César Dias eram as únicas mulheres em um ambiente quase exclusivamente masculino.
Apesar de bem acolhida por parte do corpo docente e por colegas, sua trajetória foi interrompida ainda no primeiro ano devido a um conflito entre seu irmão e a reitoria, durante a polêmica Reforma Felipe Franco de Sá. A situação forçou a família a se mudar mais uma vez — agora para Salvador.
A virada em Salvador
A cidade de Salvador foi o palco definitivo da transformação de Rita Lobato Velho. Em 14 de maio de 1885, ela e seus irmãos chegaram à capital baiana a bordo do Vapor Ceará. Lá, ela ingressou no segundo ano da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia.
Diferentemente do que esperava, foi calorosamente recebida por colegas e professores. Criou laços profundos com nomes como José Pedro de Souza, Manoel Joaquim Saraiva e Manuel Vitorino. Com dedicação ímpar, Rita aproveitou o decreto que permitia o adiantamento dos exames e concluiu o curso de seis anos em apenas três.
Uma jornada acadêmica sem precedentes
O desempenho acadêmico de Rita Lobato Velho impressiona até hoje. Em poucos meses, avançou para o terceiro, quarto e quinto anos de Medicina, enquanto colegas ainda estavam nos primeiros semestres. Tirou férias após um ciclo intenso e retornou ainda mais determinada a concluir seu objetivo.
Em 1887, aos 21 anos de idade, concluiu o sexto e último ano do curso. Tornava-se, oficialmente, a primeira médica formada e atuante no Brasil e a segunda na América do Sul.
Obstetrícia e a missão de salvar vidas femininas
A escolha pela obstetrícia não foi apenas uma decisão profissional, mas também um ato de redenção pessoal. A morte da mãe durante o parto causou profunda marca em Rita Lobato Velho, que usou sua carreira como ferramenta de transformação.
Com sua atuação médica, Rita não apenas salvou vidas, mas também ajudou a desconstruir estigmas sobre a presença feminina na área médica, especialmente em campos como a ginecologia e obstetrícia, que até então eram cercados de tabus e preconceitos.
Rita Lobato Velho e o papel político da mulher

Embora mais conhecida por sua atuação na Medicina, Rita Lobato também foi ativista e política, lutando pela ampliação dos direitos das mulheres no Brasil. Em um tempo onde o voto feminino sequer existia, ela debatia, escrevia e se posicionava em defesa do direito à educação, à autonomia profissional e ao reconhecimento da capacidade intelectual das mulheres.
Sua luta ajudou a preparar o terreno para que, décadas depois, o país visse surgir outras grandes mulheres nos campos da política, educação e ciência.
Um legado que ultrapassa os séculos
Rita Lobato Velho faleceu em 6 de janeiro de 1954, na cidade de Rio Pardo (RS), mas sua memória permanece viva. Em 1967, os Correios lançaram um selo em sua homenagem. Universidades, centros de saúde e movimentos feministas utilizam sua história como referência de superação e inovação.
Sua trajetória não é apenas uma curiosidade histórica, mas um estudo de caso sobre como políticas públicas — como o Decreto de 1879 — podem transformar vidas e abrir portas. É também um lembrete de que o investimento na educação feminina gera frutos de impacto duradouro.
A história de Rita Lobato Velho deve ser incluída em livros escolares, discutida em salas de aula e divulgada nas mídias. Em tempos de rediscussão sobre o papel da mulher na sociedade, conhecer trajetórias como a de Rita é fundamental para inspirar e orientar novas gerações.
Ela não foi apenas a primeira médica do Brasil. Ela foi uma pioneira na luta por igualdade de gênero, por acesso à educação e por protagonismo feminino.






