Rompimento do contrato da Enel em São Paulo entra no radar após apagões e pressão política
O rompimento do contrato da Enel em São Paulo passou a ser tratado oficialmente como possibilidade concreta após uma articulação inédita entre governo federal, governo estadual e Prefeitura da capital paulista. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, o governador Tarcísio de Freitas e o prefeito Ricardo Nunes anunciaram que irão acionar a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para iniciar o processo de caducidade da concessão da distribuidora de energia elétrica responsável pelo atendimento da Grande São Paulo.
A decisão ocorre após mais um episódio de apagão de grandes proporções, que deixou cerca de 2,3 milhões de imóveis sem energia elétrica depois de uma ventania recorde. O evento reacendeu críticas antigas à atuação da concessionária e acelerou o debate sobre a viabilidade da continuidade do contrato, válido até 2028, em um contexto de repetição de falhas no fornecimento e forte impacto econômico e social.
Apagões recorrentes e desgaste da concessão
O rompimento do contrato da Enel em São Paulo ganhou força após a repetição de blecautes em um intervalo curto de tempo. Episódios semelhantes já haviam sido registrados em 2023 e 2024, criando um histórico de interrupções prolongadas no fornecimento de energia em uma das maiores regiões metropolitanas do mundo.
A ventania mais recente, com rajadas que se aproximaram de 100 km/h, provocou a queda de centenas de árvores, afetando a rede elétrica. Embora a concessionária tenha informado que os serviços impactados pelo evento climático já teriam sido normalizados, moradores, comerciantes e empresários continuam relatando falta de energia em diferentes bairros, dias após o ocorrido.
Esse cenário reforçou a percepção de fragilidade operacional da empresa e ampliou a pressão política para que a Aneel avalie medidas mais severas, incluindo a caducidade da concessão.
União inédita entre União, Estado e Município
Um dos pontos centrais que tornam o rompimento do contrato da Enel em São Paulo um tema de alta relevância institucional é a convergência de posições entre diferentes esferas de poder. Após uma reunião de quase três horas, realizada a portas fechadas, Alexandre Silveira, Tarcísio de Freitas e Ricardo Nunes afirmaram publicamente que estão alinhados na defesa da abertura de um processo regulatório rigoroso.
Segundo o ministro de Minas e Energia, a expectativa é que a Aneel dê uma resposta rápida à população paulista. Para Silveira, a união entre governo federal, estadual e municipal confere legitimidade política e institucional à iniciativa, afastando a ideia de que se trata apenas de disputa partidária.
O governador Tarcísio de Freitas foi ainda mais direto ao afirmar que, diante do histórico recente, “não há outra alternativa” que não seja a abertura do processo de caducidade.
O que significa a caducidade da concessão
O rompimento do contrato da Enel em São Paulo, tecnicamente chamado de caducidade, é um mecanismo previsto na legislação brasileira para casos em que a concessionária deixa de cumprir obrigações contratuais de forma reiterada. A caducidade implica a extinção antecipada do contrato e a transferência da operação para outro operador, que pode ser temporário ou definitivo, conforme decisão do poder concedente.
Trata-se de uma medida extrema, rara no setor elétrico, justamente por envolver riscos operacionais, jurídicos e financeiros. Por isso, a abertura de um processo dessa natureza exige um conjunto robusto de evidências técnicas, regulatórias e administrativas.
Defesa da Enel e investimentos anunciados
Diante da escalada das críticas, a concessionária tem reforçado sua defesa pública. A empresa afirma que os eventos climáticos recentes foram extremos e que mobilizou até 1.800 equipes para atuar na recomposição da rede elétrica. Também destaca investimentos recordes desde que assumiu a concessão, em 2018.
Segundo a companhia, o plano de investimentos prevê R$ 10,4 bilhões entre este ano e 2027, com foco na modernização da rede, manutenção preventiva e ampliação das podas de árvores próximas à fiação elétrica. A Enel sustenta que duplicou o número de podas e intensificou ações de prevenção justamente para reduzir impactos de eventos climáticos severos.
Esses argumentos, no entanto, têm sido contestados por autoridades locais, que afirmam não ter observado, na prática, o volume de equipes informado pela empresa durante a crise mais recente.
Contestação dos números e fiscalização municipal
O prefeito Ricardo Nunes questionou publicamente os dados apresentados pela concessionária, afirmando que o sistema municipal de câmeras registrou um número significativamente menor de veículos da Enel circulando pelas ruas durante o período crítico.
Para Nunes, a divergência entre o discurso da empresa e a realidade observada reforça a necessidade de revisão profunda do contrato. O prefeito também destacou os prejuízos econômicos enfrentados por comerciantes, prestadores de serviços e moradores, além dos impactos indiretos, como a interrupção no abastecimento de água em algumas regiões.
Esses elementos alimentam o argumento de que o rompimento do contrato da Enel em São Paulo deixou de ser apenas uma possibilidade teórica e passou a ser uma demanda social concreta.
Impactos econômicos e sociais do blecaute
Os efeitos dos apagões vão além do desconforto doméstico. Pequenos e médios empresários relatam perdas expressivas, especialmente em setores como alimentação, comércio e serviços. Restaurantes, padarias e mercados sofreram com a perda de estoques refrigerados, queda nas vendas e custos adicionais com geradores.
Um exemplo emblemático é o de um restaurante localizado em Pinheiros, que acumulou prejuízos estimados em R$ 40 mil após permanecer vários dias sem energia. Além da perda de produtos e faturamento, o empresário precisou arcar com o aluguel de um gerador para manter parte das atividades, evidenciando como a instabilidade no fornecimento afeta diretamente a sobrevivência de negócios locais.
Esse tipo de relato tem sido usado por gestores públicos para reforçar a urgência de uma resposta estrutural à crise.
Pressão judicial e atuação do Ministério Público
O rompimento do contrato da Enel em São Paulo também ganhou novos contornos com a atuação do Judiciário. O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou o restabelecimento imediato do fornecimento de energia a hospitais, serviços de saúde, eletrodependentes e outras atividades essenciais, sob pena de multa de R$ 200 mil por hora em caso de descumprimento.
Além disso, a Defensoria Pública e o Ministério Público Estadual anunciaram que irão requisitar informações detalhadas sobre a quantidade de imóveis ainda sem energia, com o objetivo de apurar eventual descumprimento da decisão judicial e calcular possíveis penalidades adicionais.
Essas ações ampliam o cerco institucional à concessionária e reforçam a gravidade da situação.
Papel da Aneel e recomendação do TCU
Antes mesmo do apagão mais recente, a área técnica do Tribunal de Contas da União já havia recomendado que a Aneel avaliasse a possibilidade de intervenção federal na concessionária. A auditoria apontou que a empresa não teria cumprido sete dos onze Planos de Resultados firmados com o órgão regulador.
Outro ponto destacado foi a baixa efetividade das penalizações aplicadas, uma vez que grande parte das multas, que somam mais de R$ 260 milhões, acabou sendo judicializada. Esse contexto fragiliza o poder sancionador do regulador e alimenta o debate sobre medidas mais drásticas, como a caducidade.
A Aneel, portanto, passa a ocupar posição central na discussão sobre o rompimento do contrato da Enel em São Paulo, sendo responsável por conduzir a análise técnica e garantir segurança jurídica ao processo.
Renovação antecipada e resistência política
A crise ocorre em um momento sensível, já que a renovação antecipada da concessão chegou a ser analisada pelo governo federal. Para autoridades paulistas, empurrar a renovação “goela abaixo”, sem enfrentar os problemas recorrentes, seria um erro estratégico e político.
O governador Tarcísio de Freitas deixou claro que a União não pode avançar com qualquer renovação sem considerar o histórico recente da concessionária. Esse posicionamento marca uma inflexão importante na relação entre poder concedente e concessionária.
O que está em jogo para São Paulo
O debate sobre o rompimento do contrato da Enel em São Paulo extrapola a relação entre governo e empresa. Está em jogo a confiabilidade do sistema elétrico em uma região que concentra parcela significativa do PIB nacional, milhões de residências e atividades econômicas estratégicas.
A instabilidade no fornecimento de energia compromete a competitividade da cidade, afeta a qualidade de vida da população e gera insegurança para investidores. Por isso, a discussão sobre caducidade não se limita a um embate político, mas envolve planejamento de longo prazo e segurança energética.
Próximos passos do processo
A formalização do pedido à Aneel deve dar início a um processo técnico que envolve análise de documentos, indicadores de desempenho, cumprimento contratual e direito de defesa da concessionária. Não se trata de uma decisão imediata, mas de um caminho regulatório complexo.
Ainda assim, o simples anúncio de que o rompimento do contrato da Enel em São Paulo será analisado já representa uma mudança significativa no cenário, sinalizando que a tolerância institucional com falhas recorrentes chegou ao limite.






