“Discord é o lugar para conversar online, seja com apenas uma pessoa, em pequenos grupos ou em comunidades maiores e organizadas que compartilham dos mesmos interesses”. Embora essa seja a definição que consta no site da própria plataforma, uma movimentação diferente de apenas conversas online foi exposta novamente em reportagem divulgada pelo “Fantástico“, da “TV Globo“, no último domingo.
Na matéria, o programa expôs transmissões de vídeos em que meninas, em sua maioria menores de idade, são chantageadas, manipuladas e até mesmo torturadas por homens adultos. Desafios propostos por eles, como automutilação, são cumpridos sob o temor de ter fotos, vídeos ou informações pessoais vazados para os amigos e familiares.
Segundo a reportagem, há denúncia de 10 vítimas contra Izaquiel Tomé de Souza, conhecido na plataforma como “Dexter”. Preso desde abril, Izaquiel tinha, entre seus arquivos, “fotos de meninas nuas, mutiladas com uma dolorosa assinatura, o nome Dexter escrito na pele”, conforme a reportagem.
O programa já havia denunciado, em abril, como o anonimato, “a falta de monitoramento e a dificuldade de fiscalização” promovem um ambiente em que a violência é cultuada. Em transmissões em vídeo, por exemplo, jovens promoviam a automutilação e a violência até mesmo contra animais.
Na reportagem, o “Fantástico” mostra um caso de setembro de 2022, em que uma menina de 13 anos, em São Paulo, tentou sufocar e enfiar uma faca em um gato, além de atear fogo nele e na própria casa, enquanto 16 mil pessoas a acompanhavam em transmissão no Discord.
Procurado pelo Valor, o chefe de Política e Segurança, Clint Smith, afirmou que “no Brasil, 99% das comunidades do Discord nunca violaram nossas políticas. Temos uma política de tolerância zero para atividades em nossa plataforma que sejam potencialmente prejudiciais à sociedade e estamos comprometidos em garantir que seja um lugar positivo e seguro para todos”.
Além disso, ele disse que “por meio de nossos esforços em combater as ameaças à segurança infantil, nós proativamente removemos 98% das comunidades que identificamos nos últimos seis meses por mostrar material com abuso de crianças no Brasil”.
Ainda em abril, o “The Washington Post” expôs outra polêmica com o Discord, quando a rede foi o meio pelo qual um usuário, chamado pelo codinome de “OG”, compartilhou com outros usuários durante meses dados confidenciais do governo dos Estados Unidos.
O grupo de cerca de 12 pessoas, a maioria homens, “unidos pelo seu amor mútuo por armas, equipamento militar e Deus”, foi formado ainda na pandemia.
“OG”, reconhecido como o líder do grupo, compartilhava desde o final de 2022 textos e informações do governo dos EUA, como o paradeiro e movimentos de líderes políticos de alto escalão, atualização sobre movimentações militares, gráficos detalhados das condições do campo de batalha na Ucrânia e fotografias do balão espião chinês que flutuou pelos Estados Unidos em fevereiro.
Afinal, o que é o Discord e quem criou essa rede social?
Criada em 2015 por James Citron, o Discord é uma rede social de transmissão de vídeos, áudios e textos, que possibilita que os usuários criem ligações em grupo ou individuais, públicas ou apenas com convidados selecionados, como consta no próprio site da empresa.
Citron, segundo o podcast “How I Build This”, com Guy Raz, começou a fazer videogames aos 13 anos e, antes de criar o Discord, já havia fundado uma plataforma de videogames, a OpenFeint, em 2009. Depois de vendê-la, ele criou outra empresa de desenvolvimento de jogos, a Hammer & Chisel, que viria a se tornar o Discord, da forma que é conhecido hoje, em 2015.
Esse processo aconteceu à medida que os negócios da Hammer & Chisel começaram a decair, levando Citron a transformar a empresa, em uma plataforma digital para jogos e também para reuniões e conversas entre os usuários.
Hoje, o Discord possui 150 milhões de usuários no mundo todo, segundo a plataforma, e mais de 9 milhões de servidores ativos.
Em resposta ao Valor, o Discord afirmou que a empresa lucra somente em cima de assinaturas premium, chamada Nitro, que os usuários podem querer, de forma opcional. Ela possibilita, por US$ 10, ou R$ 47,72 mensais, a personalização dos usuários, o download de arquivos maiores, emojis melhores e ferramentas diferenciadas.
“O Discord é diferente porque não vendemos anúncios e não vendemos dados dos usuários”, afirma a empresa que tem como público alvo, de acordo com seu porta-voz, todas as pessoas que se interessarem pela plataforma. “O Discord é utilizado e está aberto para todos, desde grupos locais de caminhada, de comunidades de artistas a grupos de estudo. É onde o mundo fala, se reúne, constrói relações e encontra o pertencimento”.
No início de junho, a plataforma publicou uma atualização dos espaços de servidores para lidar com a segurança e a privacidade do Discord, que “facilita a identificação, a navegação e o gerenciamento desses espaços”. Essa atualização divide os servidores em Servidores de Amigos, Servidor da Comunidade e Servidores do Descobrir.
Nos Servidores de Amigos, os espaços são acessados apenas por meio de um convite e o Discord garante que “responde e investiga denúncias de usuários sobre violações das nossas diretrizes universais de comunidades”, além de escanear os arquivos compartilhados e expostos nas transmissões em busca de material de abuso sexual infantil.
Esses tópicos de segurança são mantidos também nos Servidores da Comunidade e de Descobrir, mas, no da Comunidades, é mantida a necessidade de convite para ingressar a transmissão e, quando o servidor possui mais de 200 membros, eles asseguram que adotam “um método de segurança mais proativo e automatizado”, utilizando meios automatizados para detectar violações das políticas de segurança da plataforma.
Por outro lado, para habilitar um servidor para ele se do Descobrir, ou seja, aberto ao público, o servidor precisa cumprir requisitos de segurança da plataforma, ter ao menos mil membros e estar ativo há no mínimo 8 meses.
Em nota oficial, a plataforma ainda afirma que “o Discord é amplamente utilizado pelas pessoas para ter interações positivas e encontrar pertencimento online. Temos cuidado especial com os usuários brasileiros e estamos ativamente buscando parcerias no Brasil com pessoas e entidades especializadas em temas de segurança infantil.”
*Estagiária sob supervisão de Diogo Max