Adultização: como o vídeo de Felca expôs a exploração infantil nas redes e pressionou por mudanças na lei
A adultização voltou ao centro do debate público no Brasil após o influenciador Felca, nome artístico de Felipe Bressanim Pereira, publicar um vídeo de 50 minutos no YouTube denunciando práticas de exploração e sexualização precoce de crianças e adolescentes nas redes sociais. Com quase 34 milhões de visualizações em apenas cinco dias, a produção não apenas quebrou barreiras ideológicas, unindo políticos de campos opostos como Érika Hilton e Nikolas Ferreira, mas também provocou repercussões jurídicas e legislativas que podem mudar a forma como o país regula plataformas digitais.
O conteúdo expõe a maneira como algoritmos podem potencializar comportamentos nocivos, permitindo que criminosos tenham acesso facilitado a imagens de menores. Mais do que isso, o trabalho de Felca acendeu um alerta sobre a falta de responsabilização das plataformas e a necessidade urgente de regulamentação para proteger o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes.
O experimento que revelou o problema
No vídeo, Felca realiza um experimento controlado: cria um perfil do zero e começa a curtir fotos de crianças em contextos sugestivos. O resultado é alarmante — em pouco tempo, o algoritmo do Instagram começa a sugerir cada vez mais conteúdo sexualizado de menores, evidenciando um mecanismo que pode replicar padrões de pedófilos e criar um ambiente propício para redes criminosas.
Entre os casos denunciados, destaca-se o de Hytalo Santos, influenciador com mais de 20 milhões de seguidores, acusado de exibir adolescentes realizando danças sensuais e participando de vídeos com conotação sexual. Após a repercussão, seus perfis no Instagram e no TikTok foram derrubados.
O que é adultização?
Segundo especialistas, adultização é impor padrões e comportamentos adultos a crianças e adolescentes, desrespeitando seu ritmo natural de desenvolvimento. Essa prática pode se manifestar de várias formas:
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Trabalho infantil precoce
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Sexualização de crianças em conteúdos midiáticos
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Gravidez na adolescência
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Participação em conteúdos digitais com conotação adulta
Embora o fenômeno não seja novo, o alcance das redes sociais amplifica seu impacto, fazendo com que conteúdos abusivos se espalhem em velocidade e escala sem precedentes. Uma vez publicada, a imagem ou vídeo pode permanecer disponível indefinidamente, perpetuando a exposição e o trauma.
Efeitos psicológicos e sociais
A adultização causa danos profundos e duradouros às vítimas. A exposição sexual precoce está associada a:
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Distorção da percepção sobre relacionamentos e sexualidade
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Risco aumentado de abuso e exploração
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Prejuízos à autoestima e ao desenvolvimento emocional
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Estigmatização social e bullying
No ambiente virtual, o problema se agrava, pois a revitimização pode ocorrer repetidamente à medida que o conteúdo é replicado e compartilhado.
Felca e o impacto nas redes sociais
A força do vídeo de Felca está na combinação de narrativa bem estruturada, dados concretos e exemplos visuais que revelam a gravidade da situação. Diferente de campanhas anteriores, que dependiam do alcance de organizações e órgãos públicos, a abordagem viral permitiu que a discussão chegasse a públicos diversos e gerasse consenso político raro.
O resultado foi imediato: perfis derrubados, investigações aceleradas e apresentação de novas propostas legislativas.
Reações políticas e legislativas
Após a viralização do vídeo, o debate sobre adultização ultrapassou fronteiras partidárias. Na Câmara dos Deputados, o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) se comprometeu a pautar projetos que tratam da exploração de menores na internet.
No Senado, senadores como Jaime Bagatolli (PL-RO) e Damares Alves (Republicanos-DF) protocolaram um pedido de CPI das redes sociais, com foco na responsabilização de influenciadores e plataformas digitais. Há também a proposta da “Lei Felca”, que prevê:
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Retirada imediata de conteúdos abusivos
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Aumento de penas para exploração de menores
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Obrigações de moderação mais rigorosas para as plataformas
O papel do Projeto de Lei 2.628/2020
A advogada Luciana Temer, presidente do Instituto Liberta, lembra que já existe uma proposta tramitando no Congresso que poderia servir de base para ações imediatas: o PL 2.628/2020. Entre seus pontos estão:
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Retirada de conteúdos de abuso sexual infantil sem necessidade de ordem judicial
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Verificação real de idade para acesso a plataformas
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Proibição de monetização de vídeos com crianças
Segundo Temer, essas medidas já são aplicadas em países como França, Austrália e Reino Unido e não representam censura, mas proteção ao desenvolvimento infantil.
Responsabilidade das plataformas
Especialistas apontam que parte do problema está na ausência de obrigação legal para que empresas de tecnologia invistam em moderação ativa. A lógica comercial incentiva o lucro por visualizações, mesmo quando o conteúdo é nocivo.
A adultização digital, portanto, não é apenas resultado de criminosos isolados, mas também de um sistema que falha em impedir a circulação de conteúdo prejudicial e, em alguns casos, lucra com ele.
Cenário internacional
Fora do Brasil, medidas mais duras já estão em vigor. A França implementou uma lei que exige verificação rigorosa de idade para acesso a conteúdo adulto, levando plataformas como o Pornhub a encerrar operações no país. Nos Estados Unidos, vários estados já exigem identificação oficial ou reconhecimento facial para entrada em sites de conteúdo sexual.
Esses modelos mostram que soluções técnicas e legais são possíveis, desde que haja vontade política e pressão social.
O momento de agir
A comoção causada pelo vídeo de Felca representa uma oportunidade única para aprovar leis e regulamentações eficazes contra a adultização e a exploração de menores. O consenso político e a mobilização social criados em torno do tema raramente se repetem no cenário brasileiro.
Proteger crianças e adolescentes no ambiente digital exige não apenas punição para quem pratica abusos, mas também responsabilização de plataformas, investimento em tecnologias de moderação e educação digital para famílias e escolas.
O vídeo de Felca não apenas denunciou a adultização no Brasil, mas também escancarou como algoritmos, interesses comerciais e ausência de regulação criam um ambiente inseguro para menores. Agora, cabe ao poder público transformar essa comoção em ação efetiva, garantindo que a internet seja um espaço seguro para o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes.






