A isenção do IR e o temor fiscal reacendem o debate sobre a inflação no Brasil
A inflação no Brasil voltou a ocupar o centro das atenções do mercado e dos formuladores de política econômica nesta semana. A aprovação, pela Câmara dos Deputados, da isenção do Imposto de Renda (IR) para quem recebe até R$ 5 mil mensais é vista como um dos maiores movimentos do governo Luiz Inácio Lula da Silva em sua tentativa de recuperar popularidade e preparar terreno para a disputa eleitoral de 2026.
Contudo, a medida acende alertas entre investidores e economistas sobre o possível impacto fiscal e as pressões inflacionárias que podem surgir a partir de 2026. O projeto, aprovado por unanimidade, segue agora para o Senado, onde o presidente Davi Alcolumbre deverá decidir se o texto vai direto ao plenário ou passará por comissões temáticas. A definição do relator será outro ponto sensível no processo.
A proposta de isenção do IR representa uma renúncia fiscal significativa. Analistas calculam que a medida pode reduzir a arrecadação federal em mais de R$ 20 bilhões por ano, o que exigirá compensações para manter o equilíbrio das contas públicas. Esse movimento, segundo o mercado, pode dificultar o esforço do governo em cumprir a meta fiscal zero, especialmente diante do crescimento das despesas obrigatórias e das pressões por novos gastos sociais.
Mercado financeiro reage com cautela e mira o Banco Central
A inflação é o grande ponto de interrogação nas projeções econômicas desta semana. O Boletim Focus do Banco Central (BC), divulgado nesta segunda-feira (6), deve indicar se os analistas esperam revisões nas metas de inflação para 2026 e 2027.
Parte dos economistas prevê alta nas projeções inflacionárias, considerando a combinação de estímulos fiscais e pressões sobre o BC para reduzir juros de forma mais agressiva. A leitura é que o governo, ao priorizar medidas populares em detrimento da austeridade fiscal, pode enfraquecer a credibilidade do arcabouço fiscal e elevar as expectativas de inflação no médio prazo.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, enfrenta uma situação delicada: de um lado, o governo pressiona por cortes adicionais na taxa Selic, hoje em 10,25%; de outro, o mercado cobra prudência diante do risco de aquecimento da demanda interna e deterioração das expectativas inflacionárias.
Para analistas, o comportamento do BC nas próximas reuniões do Copom será determinante para definir se o Brasil conseguirá manter a inflação sob controle sem comprometer o crescimento econômico.
IPCA de setembro deve mostrar aceleração da inflação
Outro indicador que promete movimentar o debate é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de setembro, que será divulgado na próxima quinta-feira (9). Após a queda de 0,11% em agosto, influenciada pelo bônus de Itaipu na conta de energia elétrica, o consenso do mercado é de uma aceleração da inflação oficial.
Itens como alimentos, combustíveis e serviços devem contribuir para essa alta, refletindo uma combinação de reajustes sazonais, pressões cambiais e aumento da demanda doméstica. Caso a expectativa se confirme, o IPCA acumulado em 12 meses pode voltar a se aproximar do centro da meta de 3%, mas com tendência de alta nos meses seguintes.
Ibovespa tenta recuperação após semana de queda
O ambiente de incerteza fiscal e inflacionária também impacta o mercado financeiro. Na sexta-feira (3), o Ibovespa acumulou queda de 0,86%, encerrando a semana em 144.201 pontos.
Nesta segunda-feira (6), o índice futuro sinaliza uma tentativa de recuperação, impulsionado pelo interesse de investidores estrangeiros. O EWZ, fundo que reúne as principais ações brasileiras e é negociado na Bolsa de Nova York, registrava leve alta de 0,03% no pré-market, indicando que há espaço para um movimento de correção técnica, apesar da cautela com o cenário macroeconômico.
A pressão política sobre o Banco Central aumenta
Nos bastidores de Brasília, cresce a pressão do governo Lula sobre o Banco Central. A estratégia política é clara: vincular a recuperação do poder de compra da população à queda mais rápida dos juros, reforçando a narrativa de que o BC estaria “segurando o crescimento”.
Economistas, no entanto, argumentam que a política monetária não deve responder a pressões eleitorais, e alertam que o foco deve permanecer em ancorar as expectativas de inflação. Caso contrário, o Brasil pode reviver o ciclo de descontrole de preços que marcou períodos anteriores.
A nomeação do próximo presidente do Banco Central, prevista para o primeiro semestre de 2026, é outro fator que gera expectativa. O governo busca emplacar um nome mais alinhado ao Planalto, o que levanta dúvidas sobre a independência institucional da autoridade monetária.
Inflação, política e eleições: uma equação complexa
Com a isenção do Imposto de Renda, o governo tenta equilibrar popularidade política e responsabilidade fiscal, uma equação historicamente difícil no Brasil. O efeito imediato é positivo para milhões de trabalhadores, mas o impacto macroeconômico pode ser sentido nos próximos trimestres, caso o aumento do consumo se traduza em maior pressão sobre os preços.
A relação entre inflação, juros e política fiscal tende a dominar o debate econômico até o fim do ano. O desafio do governo será demonstrar que é possível estimular o crescimento e proteger o poder de compra sem abrir mão da disciplina orçamentária.
A reação do mercado nos próximos dias — especialmente após o IPCA de setembro e a divulgação do Boletim Focus — será um teste importante para medir o grau de confiança dos investidores na condução da política econômica.






