Nos últimos dias, mais de 500 mil pessoas em São Paulo e outras cidades do estado enfrentam uma realidade dura: ficar sem luz por quase 72 horas. Bairros inteiros permanecem às escuras, e a responsabilidade recai sobre a Enel, empresa responsável pelo fornecimento de energia elétrica na região. O recente apagão, causado por fortes chuvas, reacende o debate sobre a eficiência da companhia e sua capacidade de enfrentar adversidades climáticas, principalmente porque eventos semelhantes já aconteceram em outras ocasiões, como em novembro de 2023.
Com críticas severas vindas tanto da população quanto do governo em diferentes esferas — federal, estadual e municipal —, a Enel está no centro de uma tempestade de insatisfação. O recente incidente lembra o histórico de sua antecessora, a Eletropaulo, empresa que geria a distribuição de energia na capital paulista antes de sua privatização em 1999. No entanto, o problema atual parece ser uma combinação de infraestrutura sobrecarregada e falta de medidas adequadas para emergências climáticas.
Histórico de Privatização da Eletropaulo e Surgimento da Enel
A Eletropaulo foi uma das maiores empresas de energia do Brasil e passou por um processo de privatização em 1999, durante o governo de Mário Covas (PSDB), no âmbito estadual. Ao contrário da crença popular de que essa privatização foi parte do Programa Nacional de Desestatização (PND) do governo de Fernando Henrique Cardoso, ela ocorreu dentro do Programa Estadual de Desestatização (PED), sob responsabilidade do governo de São Paulo.
Para que a privatização ocorresse, a Eletropaulo foi dividida em quatro empresas: Eletropaulo Metropolitana, Empresa Bandeirante de Energia (EDP Bandeirante), Empresa Paulista de Transmissão de Energia e Empresa Metropolitana de Águas e Energia (EMAE). A parte mais rentável, a Eletropaulo Metropolitana, foi adquirida pelo consórcio Lightgás, liderado pela AES Corporation, em um negócio de R$ 2,026 bilhões.
Ao longo dos anos, a AES Corporation passou a controlar totalmente a Eletropaulo, até que, em 2018, a empresa foi adquirida pela multinacional italiana Enel, que comprou 73,38% da companhia em um leilão realizado na B3 por R$ 5,55 bilhões. A partir desse momento, a Eletropaulo foi renomeada para Enel Distribuição São Paulo, e a companhia italiana passou a ser a principal responsável pela energia distribuída na capital paulista e municípios adjacentes.
A Enel e a Crise Atual
Com 7,5 milhões de unidades consumidoras sob sua responsabilidade em 24 municípios da região metropolitana de São Paulo, a Enel responde por 70% da energia distribuída no estado. No entanto, sua atuação tem sido alvo de críticas recorrentes devido à sua aparente incapacidade de lidar com condições climáticas severas. O apagão de 2023, que durou até cinco dias em algumas regiões, ainda está fresco na memória dos paulistanos, e a repetição do problema apenas intensifica o descontentamento.
O recente apagão, provocado por fortes chuvas, deixou a população sem acesso a serviços básicos, como iluminação, refrigeração de alimentos e comunicação. A falta de previsibilidade e a lentidão na resposta da Enel geraram reações intensas, com órgãos como o Procon notificando a empresa para que explique o ocorrido e proponha soluções para evitar futuros transtornos.
Desafios Operacionais da Enel
Desde que assumiu o controle da distribuição de energia em São Paulo, a Enel tem enfrentado desafios operacionais significativos. Embora a empresa tenha se comprometido a melhorar a infraestrutura e os serviços, os apagões e interrupções frequentes indicam uma possível falha em se adequar às demandas de uma cidade tão populosa e dinâmica como São Paulo.
A empresa argumenta que as chuvas severas e as quedas de árvores são fatores difíceis de prever e que afetam diretamente o fornecimento de energia. No entanto, os críticos apontam para uma falta de investimento adequado em manutenção preventiva e na modernização da rede elétrica como possíveis causas para a recorrência desses problemas. Além disso, o tempo de resposta para restaurar o serviço é considerado excessivamente longo, prejudicando ainda mais a imagem da companhia.
O Papel da Enel no Brasil e no Mundo
Fundada em 1962 na Itália como uma empresa estatal, a Enel passou por um processo de privatização nas décadas de 1990 e 2000. Hoje, é uma das maiores empresas de energia do mundo, com operações em diversos países. No Brasil, além de São Paulo, a Enel também é responsável pela distribuição de energia no Rio de Janeiro e no Ceará.
Mesmo com sua grande presença no setor, a companhia italiana enfrenta pressões constantes para melhorar sua eficiência, especialmente em situações de emergência. O governo brasileiro, em várias esferas, já sinalizou a necessidade de discutir os modelos de atuação da Enel e as consequências da privatização de um serviço essencial como a energia elétrica.
Críticas e Futuro da Gestão Energética em São Paulo
A privatização da Eletropaulo foi vista, inicialmente, como uma oportunidade para modernizar o sistema de distribuição de energia no estado. No entanto, décadas após o processo, as falhas contínuas e os apagões recorrentes levantam dúvidas sobre a eficácia dessa decisão. Muitos se perguntam se a gestão privada realmente trouxe os benefícios esperados ou se o modelo atual de concessão deveria ser revisto.
Os moradores de São Paulo, que pagam algumas das tarifas mais altas do país, esperam que a Enel tome medidas concretas para evitar que novos apagões ocorram. As falhas de infraestrutura e a incapacidade de lidar com crises climáticas estão corroendo a confiança da população na empresa e gerando pressão para que o governo intervenha de maneira mais ativa.
Soluções e Perspectivas
Para enfrentar a crise de imagem e os desafios operacionais, a Enel precisará investir em melhorias significativas em sua rede de distribuição e em tecnologias que permitam uma resposta mais rápida a incidentes. A implementação de sistemas de monitoramento avançado e a manutenção preventiva são essenciais para garantir que situações como o apagão atual não se repitam.
Além disso, a empresa precisa intensificar o diálogo com a população e com o governo, demonstrando comprometimento com a resolução dos problemas e apresentando planos concretos para evitar futuros transtornos. A comunicação transparente e a prestação de contas serão cruciais para restaurar a confiança dos consumidores e garantir que a Enel continue sendo a principal fornecedora de energia da região.