Observar e ouvir os pássaros estimula muito mais o bem-estar mental do que se imagina, como indica um estudo divulgado na publicação científica global “Scientific Reports”. O trabalho sugere que uma maior interação com as aves e a natureza pode agenciar o alívio de problemas ligados à saúde do cérebro.
A pesquisa de Ryan Hammoud, candidato a PhD no Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência do King’s College, em Londres, no Reino Unido, indica que “encontros” com os passarinhos contribuem para amenizar emoções negativas ligadas à depressão.
O pesquisador pediu que 1.292 voluntários registrassem, em um aplicativo, as vezes que se deparavam com pássaros em parques e bosques. A maioria dos indivíduos analisados mora no Reino Unido (46%), Europa (16%), Estados Unidos (8%), China (4%) e Austrália (2%), sendo 71% de mulheres, com idade média de 34,5 anos. Foram coletadas 26.856 avaliações, entre abril de 2018 e outubro de 2021.
Ao mesmo tempo, os voluntários teriam de coletar informações sobre bem-estar e o ambiente em que viviam, três vezes ao dia – ninguém foi informado que o interesse era averiguar especialmente o contato com os pássaros. O app também estava registrando dados sobre sinais vitais, a qualidade do sono e a localização dos grupos.
“Os contatos diários com os pássaros foram associados a melhorias duradouras no bem-estar”, diz Hammoud, na apresentação do estudo. “Esses avanços ficaram evidentes não apenas em pessoas saudáveis, mas entre aquelas com diagnósticos de depressão.”
Para chegar a essa conclusão, o índice de bem-estar mental dos participantes foi medido por meio de questionários com dez afirmações, como “estou me sentindo confiante/relaxado/feliz/cheio de energia” ou “estou ansioso/estressado/para baixo/solitário/cansado.”
O estudo ganhou atenção no Reino Unido por uma característica peculiar do país: o fascínio dos britânicos pelas aves. Hoje, mais de 1,3 milhão de pessoas são filiadas à agência Royal Society for the Protection of Birds (Sociedade Real Para a Proteção dos Pássaros, do inglês) – número, segundo Hammoud, maior do que o de integrantes de todos os partidos políticos ingleses juntos.
Ao analisarem os resultados obtidos, os estudiosos encontraram uma associação positiva “significativa” entre ver ou ouvir pássaros e melhorias no bem-estar mental.
“Os benefícios persistiram muito além da hora do encontro com um pássaro”, explica. “Se um participante relatou ter visto ou ouvido passarinhos em um local, o bem-estar mental parecia maior, em média, ainda horas depois, mesmo que outras aves não fossem mais encontradas naquele dia.”
Para quem não tem a possibilidade de explorar a natureza e ouvir os pássaros ao vivo, uma outra pesquisa, de Emil Stobbe, aluno de pós-graduação em neurociência ambiental no Instituto Max Planck para o Desenvolvimento Humano, em Berlim, na Alemanha, aponta uma saída. Ouvir áudios curtos, do canto das aves, por apenas seis minutos, pode reduzir sentimentos de ansiedade, depressão e paranóia em pessoas consideradas saudáveis.
Na pesquisa, o objetivo foi investigar como o efeito de situações sonoras urbanas, como o barulho do trânsito; e de sons “naturais”, como os gorjeios que vêm das árvores, afetam o humor e a ansiedade.
O experimento de Stobbe usou 295 indivíduos expostos a quatro condições sonoras, por seis minutos: ruído de tráfego baixo, de trânsito intenso, canto suave de pássaros e alta diversidade de trinados.
Antes e depois da exposição, os participantes realizaram tarefas de trabalho simples e preencheram tabelas com questões sobre sensações de depressão e ansiedade.
Os ruídos dos congestionamentos foram associados a um aumento significativo de sensações ligadas à depressão, enquanto quem ouviu os pássaros anotou que o sentimento de tristeza diminuiu.
“O canto das aves, os sons de água e do vento demonstram ser percebidos como agradáveis e têm efeitos benéficos sobre o humor, os níveis de excitação e o desempenho cognitivo”, diz Stobbe, na divulgação do estudo.
“É importante ressaltar que várias pesquisas já relataram os benefícios da interação com as aves no bem-estar humano mas, dessa vez, a maior diversidade de espécies envolvidas na experiência, em um mesmo áudio, apareceu como um fator relevante, talvez por ‘transmitir’ a vitalidade da natureza.”
O documento sustenta que a presença dos sons da natureza na memória auditiva beneficia tanto pessoas saudáveis quanto as identificadas com depressão. Caminhar para ver os passarinhos também tende a estimular mais horas de atividade física, ação comprovada na preservação da saúde mental, dizem os estudiosos.
Na avaliação de Jackie de Botton, diretora criativa da The School of Life no Brasil, organização global que se dedica ao ensino da inteligência emocional em empresas e para o público em geral, todos devem passar mais tempo em meio à natureza. “A flora, a fauna e nossos rios servem como o melhor terapeuta”, resume.
De acordo com o estudo nacional “Inteligência emocional e saúde mental no ambiente de trabalho”, realizado pela Robert Half, em parceria com a agência The School Of Life, buscar novas alternativas de descanso é fundamental para líderes e funcionários.
A análise indica que, de janeiro de 2020 a julho de 2022, 6% dos 620 líderes e 3% dos 180 liderados ouvidos tiveram burnout. “Um número aparentemente baixo, mas que pode ser reflexo do medo ou do desconhecimento de quem é acometido por algum sintoma [ligado ao problema]”, diz o relatório.
Entre os que não sofreram com burnout, 19% dos auxiliares e 18% das chefias souberam de algum colega de trabalho que apresentou o distúrbio.
A pesquisa aponta que, entre as principais iniciativas adotadas pelas organizações para prevenir ou tratar o burnout estão o respeito à pausa para o almoço e a “desconexão” (com férias e folgas); e a oferta da possibilidade de consulta com um profissional de saúde mental.
“Garantir o bem-estar emocional das equipes se mostrou primordial [para as empresas]”, diz Maria Sartori, diretora associada da Robert Half. “Trabalhadores mentalmente saudáveis são mais engajados, produtivos e leais. E líderes psicologicamente equilibrados tendem a ser mais empáticos, acolhedores e transparentes.”