Guilherme Boulos quer priorizar diálogo com motoristas e entregadores de aplicativo e propõe nova agenda trabalhista
O novo ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Guilherme Boulos (PSOL-SP), afirmou que a prioridade de sua gestão será o diálogo com motoristas e entregadores de aplicativo em todo o país. O anúncio reforça o compromisso do governo em ouvir as novas formas de trabalho e ajustar políticas públicas às demandas dessa categoria, que representa milhões de brasileiros.
Segundo Boulos, o plano é viajar por todos os estados e dialogar diretamente com a população, especialmente com os trabalhadores de plataformas digitais como Uber, 99, iFood e Rappi. A iniciativa marca um novo momento político para o governo federal, que busca se reconectar com a nova classe trabalhadora, mais autônoma e descentralizada que a tradicional base sindical dos últimos anos.
A agenda de Boulos com motoristas e entregadores de aplicativo
O ministro enfatizou que pretende criar canais permanentes de escuta e negociação com os profissionais que atuam em aplicativos. Para ele, o trabalho digital é um fenômeno social irreversível, que exige soluções modernas e flexíveis, sem perder de vista a proteção social e a dignidade laboral.
A proposta de Boulos surge após críticas de categorias de entregadores e motoristas à minuta de projeto de lei elaborada pelo Ministério do Trabalho, que previa vínculos formais rígidos e recolhimento compulsório de encargos. Segundo o novo ministro, o governo precisa “ajustar o discurso e a prática”, garantindo que os próprios trabalhadores participem da construção das novas regras.
As três propostas prioritárias de Boulos
Durante sua fala, Guilherme Boulos destacou três pontos centrais que devem nortear a elaboração de políticas públicas voltadas aos trabalhadores de aplicativo: remuneração mínima, seguro ou vínculo previdenciário e transparência dos algoritmos.
1. Remuneração mínima por corrida ou entrega
O ministro defende a criação de uma remuneração mínima garantida para cada viagem ou entrega realizada. O objetivo é corrigir as distorções de lucro nas plataformas, onde o ganho dos trabalhadores não acompanha o valor final pago pelos clientes.
Segundo Boulos, o modelo atual deixa a renda dos motoristas e entregadores vulnerável à lógica dos aplicativos, que retêm uma parcela significativa das receitas, enquanto os custos operacionais — combustível, manutenção e riscos — recaem sobre o trabalhador.
A proposta busca um equilíbrio entre liberdade e segurança financeira, assegurando uma base justa de remuneração, mas sem interferir na autonomia desses profissionais.
2. Seguro ou vínculo previdenciário flexível
Outra prioridade será garantir um sistema de proteção social que ofereça segurança e amparo em caso de acidentes ou incapacidade. A ideia é criar um modelo de contribuição previdenciária adaptado à realidade dos aplicativos, permitindo que motoristas e entregadores tenham acesso a benefícios sem abrir mão da flexibilidade que valorizam.
O ministro argumenta que o atual modelo trabalhista não acompanha as transformações do mundo digital e que é preciso modernizar o sistema de seguridade, com foco em previdência, saúde e cobertura por acidentes.
3. Transparência dos algoritmos
Um dos temas mais sensíveis é o funcionamento dos algoritmos que controlam a distribuição de corridas, entregas e pagamentos nas plataformas. Boulos destacou a necessidade de regulamentar a transparência algorítmica, garantindo que os trabalhadores saibam como são avaliados e remunerados.
Essa medida visa combater práticas abusivas e discriminatórias, já que muitos profissionais reclamam de punições automáticas, bloqueios injustos e critérios opacos de pontuação. Para o ministro, o Brasil precisa avançar em governança digital e proteção de dados laborais, assegurando que a tecnologia seja usada de forma ética.
O desafio político e o simbolismo do cargo
A nomeação de Guilherme Boulos como ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência tem forte peso político dentro do governo. Deputado federal mais votado de São Paulo em 2022, Boulos é um dos principais nomes da esquerda contemporânea, com forte presença entre jovens e movimentos sociais.
Ao assumir um cargo próximo ao presidente da República, ele passa a ter papel estratégico na articulação social e no diálogo com categorias que se afastaram da esquerda tradicional, como os trabalhadores autônomos e informais.
Sua missão é reconstruir pontes com a base popular que, nas últimas décadas, foi impactada pela uberização da economia e pela digitalização das relações de trabalho.
A nova classe trabalhadora e o papel da tecnologia
Boulos vem defendendo a ideia de que o Brasil vive o surgimento de uma “nova classe trabalhadora”, formada por profissionais autônomos, conectados e sem vínculo empregatício formal. Essa mudança estrutural desafia os paradigmas clássicos da relação entre capital e trabalho e exige políticas públicas inovadoras.
Para ele, os entregadores e motoristas representam o símbolo da transição tecnológica do mundo do trabalho, combinando autonomia, empreendedorismo e vulnerabilidade. O desafio do governo é proteger sem engessar, regulamentar sem burocratizar e ouvir antes de propor.
Reação dos trabalhadores de aplicativo
As categorias que atuam nas plataformas de transporte e entrega receberam com cautela a nova postura do governo. Muitos profissionais esperam que o diálogo proposto por Boulos traga resultados concretos, especialmente em questões de renda, jornada e segurança.
Sindicatos e associações de entregadores destacam que as políticas anteriores foram elaboradas sem consulta direta aos trabalhadores, resultando em resistência generalizada. Agora, com a proposta de escuta ativa e diálogo nacional, há expectativa de um novo pacto social entre o Estado, as plataformas e os profissionais.
Perspectivas e impacto econômico
De acordo com estudos recentes, o Brasil possui mais de 2 milhões de trabalhadores de aplicativos, número que cresce anualmente. Esse contingente já representa uma das principais forças produtivas do mercado informal e é essencial para o funcionamento de grandes cidades.
Ao propor políticas específicas para o setor, o governo busca equilibrar o dinamismo econômico com justiça social, evitando que a precarização avance. A expectativa é que as medidas tragam impactos positivos na arrecadação previdenciária, no consumo e na formalização parcial da categoria.
O caminho do diálogo nacional
Guilherme Boulos pretende percorrer todos os estados para ouvir trabalhadores, movimentos sociais e representantes das plataformas. Esse formato descentralizado será a base para construir um projeto de lei mais equilibrado e legítimo, com foco em proteção, flexibilidade e transparência.
O ministro também planeja criar um Conselho Nacional de Trabalhadores de Aplicativo, com representantes regionais e temáticos, que participem ativamente da formulação das propostas.
Essa aproximação direta, segundo interlocutores do governo, faz parte de uma estratégia de reconexão da esquerda com o povo trabalhador, especialmente com segmentos que não se sentem representados pelas estruturas sindicais tradicionais.
O papel da Secretaria-Geral e os próximos passos
A Secretaria-Geral da Presidência da República será o principal eixo de articulação entre o governo e a sociedade civil. Sob comando de Boulos, o órgão vai coordenar projetos de participação popular, consultas públicas e iniciativas de inclusão social.
Entre as primeiras ações previstas estão:
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Abertura de mesas de negociação com representantes de aplicativos;
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Criação de um cadastro nacional de trabalhadores de plataforma;
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Estudos para implementar um sistema de contribuição previdenciária simplificado;
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Propostas de parcerias com estados e municípios para ampliar a segurança desses profissionais.
O objetivo é que o diálogo resulte em um marco legal moderno para o trabalho digital, que una direitos trabalhistas básicos à autonomia da categoria.
O significado político e social da proposta
A prioridade dada aos motoristas e entregadores de aplicativo representa uma mudança de paradigma na forma como o Estado enxerga o trabalho. Em vez de impor regras de cima para baixo, o governo busca ouvir primeiro, legislar depois.
A proposta também tem caráter simbólico: reaproximar a esquerda da base popular que migrou para o trabalho autônomo, desconectado das estruturas sindicais e partidárias.
Boulos, ao assumir esse papel, se consolida como um dos principais articuladores políticos de um novo pacto social entre governo e trabalhadores informais — um movimento que pode redefinir o cenário político brasileiro nos próximos anos.






