Em uma reunião de cúpula dos países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu com ênfase o avanço na criação de meios de pagamento alternativos entre as nações emergentes. A proposta, segundo Lula, visa reduzir a dependência do dólar nas transações entre os países do bloco, promovendo uma maior autonomia financeira para essas economias. A declaração foi feita durante um discurso por videoconferência, em virtude de um acidente doméstico que impediu o presidente de comparecer ao evento presencialmente na Rússia.
Proposta de Pagamentos Alternativos para o BRICS
Lula destacou a importância de enfrentar o tema com seriedade e urgência. Segundo o presidente, o objetivo não é substituir as moedas nacionais, mas desenvolver um mecanismo que permita a realização de transações comerciais sem a intermediação do dólar, um passo que poderia fortalecer o bloco no cenário financeiro global. “Agora é chegada a hora de avançar na criação de meios de pagamento alternativos para transações entre nossos países. Essa discussão precisa ser enfrentada com seriedade, cautela e solidez técnica, mas não pode ser mais adiada”, declarou.
O discurso de Lula reflete uma preocupação crescente com a multipolaridade no sistema financeiro internacional. Para o Brasil, que assume a presidência rotativa do BRICS, a criação de um sistema de compensação de pagamentos em moedas locais é uma prioridade. Esse mecanismo permitiria que as transações internas do bloco fossem menos dependentes do dólar, um movimento estratégico para reduzir os riscos associados à volatilidade cambial e às sanções internacionais que, em várias ocasiões, afetam os países emergentes.
Papel do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB)
Outro ponto de destaque no discurso de Lula foi a defesa do fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), instituição financeira do BRICS presidida atualmente pela ex-presidente Dilma Rousseff. O NDB, segundo Lula, tem como missão romper com a lógica das tradicionais instituições financeiras globais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), e oferecer uma alternativa mais alinhada aos interesses dos países emergentes.
“O NDB rompe com a lógica das instituições financeiras tradicionais. O Brics foi responsável por parcela significativa do crescimento econômico mundial nas últimas décadas. Juntos, somos mais de 3,6 bilhões de pessoas, que integram mercados dinâmicos com elevada mobilidade social. Representamos 36% do PIB global por paridade de poder de compra”, afirmou o presidente.
Além de propor a expansão do papel do NDB, Lula sugeriu que o banco focasse em linhas de crédito em moedas locais para pequenas e médias empresas, uma ação que poderia incentivar o desenvolvimento econômico interno dos países membros do bloco e fortalecer a cooperação interbancária entre essas nações.
BRICS e a Mobilização Global por Reformas
Ao assumir a presidência do BRICS, o Brasil se compromete a adotar como lema “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”. Essa diretriz está alinhada com a defesa da reforma das instituições globais, tema amplamente discutido durante a presidência brasileira do G20 neste ano. O Brasil tem defendido que as organizações internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, sejam mais representativas e inclusivas, especialmente em relação aos países em desenvolvimento.
Esse movimento de reforma também visa redistribuir o poder econômico global. Lula criticou o fluxo financeiro que continua a favorecer as nações ricas, em detrimento dos países emergentes. Segundo o presidente, há uma espécie de “Plano Marshall às avessas”, onde as economias em desenvolvimento financiam o mundo desenvolvido. “As iniciativas e instituições do Brics rompem com essa lógica”, reiterou.
Críticas às Guerras e Apelos por Paz
O presidente brasileiro aproveitou seu discurso para condenar as guerras em andamento, reforçando a necessidade de uma mobilização global pela paz. Lula mencionou o conflito entre Israel e o Hamas, citando o discurso do presidente turco, Tayyip Erdogan, na Assembleia Geral da ONU, onde Gaza foi descrita como “o maior cemitério de crianças e mulheres do mundo”. Lula também alertou para o risco de escalada do conflito na Cisjordânia e no Líbano, além de destacar a importância de uma resolução pacífica para a guerra entre Rússia e Ucrânia.
“No momento em que enfrentamos duas guerras com potencial de se tornarem globais, é fundamental resgatar nossa capacidade de trabalhar juntos em prol de objetivos comuns”, disse o presidente.
Desafios e Perspectivas para o Futuro do BRICS
A proposta de Lula de criar mecanismos de pagamento alternativos entre os países do BRICS reflete o desejo do bloco de se consolidar como um ator independente no cenário econômico global. No entanto, essa estratégia enfrenta desafios consideráveis. A dependência histórica do dólar nas transações internacionais, a resistência de outros atores globais e as diferenças econômicas entre os próprios membros do BRICS são obstáculos que precisarão ser superados.
O papel do Brasil, à frente da presidência do bloco, será crucial para impulsionar essas mudanças. O foco em fortalecer a cooperação sul-sul, reformar as instituições globais e expandir o papel do NDB são passos importantes para alcançar uma maior autonomia financeira e política para os países emergentes. Contudo, o sucesso dessas iniciativas dependerá da habilidade dos membros do BRICS em trabalharem de forma coordenada e estratégica.
A busca por uma multipolaridade no sistema financeiro global, proposta por Lula, é uma meta ambiciosa, mas que, se concretizada, pode alterar significativamente a dinâmica das relações internacionais nas próximas décadas.
O discurso de Lula na cúpula do BRICS em Kazan marca um momento importante para o futuro do bloco. Ao defender a criação de meios de pagamento alternativos, o fortalecimento do NDB e a reforma das instituições globais, o presidente brasileiro sinaliza uma agenda ousada para os países emergentes. Com a presidência do BRICS nas mãos do Brasil, os próximos meses serão decisivos para ver como essas propostas serão implementadas e se o bloco conseguirá reduzir sua dependência do dólar e aumentar sua influência no cenário econômico global.