O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo (2ª Região) tem dispensado a contratação de conferentes de carga no Porto de Santos. A mais recente decisão foi obtida por um terminal de grãos. A 8ª Turma levou em consideração que a função tornou-se desnecessária diante da evolução tecnológica.
Trata-se, segundo advogados, de um dos primeiros precedentes sobre o assunto que, conforme a própria Justiça do Trabalho reconhece, possui um forte viés social pela perda de postos de trabalho.
Pelo menos 230 profissionais na ativa seriam impactados, segundo o advogado Elias do Amaral, que representa na ação o Sindicato dos Conferentes de Carga do Porto de Santos e Região. “Vamos recorrer porque é uma decisão equivocada”, adianta.
Por outro lado, dizem especialistas, trata-se de uma consequência natural diante da modernização do sistema portuário, que corre a passos lentos no Brasil. “Estamos uns 30 anos atrasados em comparação com países da Europa e da Ásia”, afirma Ricardo Abbruzzini Filho, consultor na área de tecnologia portuária.
Existem outros trabalhos que os conferentes estão aptos a fazer”
— Wilk A. de Santa Cruz
No caso específico, a ordem judicial vai gerar uma economia de cerca de R$ 1 milhão por ano, de acordo com o advogado Lucas Rênio, sócio do escritório Advocacia Ruy de Mello Miller, que assessora o operador portuário. “Os recrutamentos sem necessidade operacional geravam uma despesa alta para a empresa, que se refletia no Custo Brasil”, diz.
O terminal é responsável pelo embarque de commodities agrícolas, como açúcar, soja e milho. Até os anos 2000, explica Rênio, essas mercadorias eram ensacadas e embarcadas no navio manualmente por trabalhadores. O conferente, nesse contexto, tinha a função de contar o número de sacas e verificar o estado delas.
A operação mudou com a automação dos embarques. Atualmente, ocorrem por meio de esteiras e shiploaders – guindastes que jogam, em alta velocidade, a carga diretamente no porão do navio. Um sistema operacional composto por válvulas, sensores, registros e balança de fluxo conectado à internet transmite os dados em tempo real, inclusive para fins de fiscalização pela Receita Federal.
“Foi uma mudança para agilizar o embarque e desembarque, além de diminuir a perda de mercadoria”, afirma Rênio.
Ainda que sem necessidade operacional, a requisição de pelo menos um conferente para cada um dos quatro turnos de trabalho foi negociada, inicialmente, pela empresa e pelo sindicato em acordo coletivo que durou entre 2002 e 2006. Naquele ano, com o vencimento do pacto, a empresa definiu que deixaria de recrutar os trabalhadores.
O sindicato, então, judicializou a questão. Obteve decisão que transitou em julgando (sem mais possibilidade de recurso) obrigando o terminal ao recrutamento simbólico de pelo menos um trabalhador por turno.
No ano de 2020, o operador portuário ingressou com uma ação para revisar a sentença proferida anteriormente. E teve o pedido aceito pela Justiça do Trabalho. Pesou, agora, o fato de a reforma trabalhista de 2017 ter proibido a chamada “ultratividade” – ou seja, a manutenção das normas coletivas vencidas até a edição de novas.
Além disso, a relatora da ação na 8ª Turma do TRT-SP, desembargadora Maria Cristina Xavier Ramos Di Lascio, apontou que laudo técnico elaborado por perito constatou que a função de conferente, de fato, tornou-se obsoleta e não haveria mais motivo econômico para a requisição compulsória de uma equipe mínima. A decisão foi unânime (processo nº 1000369-35.2020.5.02.0441).
Os desembargadores mantiveram parcialmente a sentença proferida pela 1ª Vara do Trabalho de Santos. Derrubaram apenas a parte em que a juíza Renata Simões Loureiro Ferreira concedia de ofício, sem pedido do sindicato, indenização de R$ 10 mil para cada conferente na ativa. Seria uma forma, conforme a magistrada, de permitir o aprimoramento técnico da categoria.
Segundo a juíza, a garantia de convocação de um número simbólico de conferentes para manter a renda deles, sem que exista de fato trabalho como contraprestação, em nada muda a situação do trabalhador portuário diante das novas tecnologias.
“O grupo segue sem qualquer aprimoramento educacional que permita o acompanhamento da evolução da tecnologia, sem novas possibilidades de trabalho, e portanto sem melhoria de sua qualidade de vida”, afirma ela, na sentença.
Em São Paulo, há outros dois precedentes favoráveis a terminais portuários para dispensa dos conferentes diante da automação das operações – da 13ª Turma (processo nº 0001006-73.2015.5.02.0442) e da 6ª Turma do TRT-SP (processo nº 1000821-42.2018.5.02.0303).
Wilk Aparecido de Santa Cruz, presidente do Sindicato dos Conferentes de Carga do Porto de Santos e Região, diz que a entidade não quer indenização, mas a manutenção do emprego. “O trabalho ainda existe. O que há é uma grande conspiração”, afirma.
Segundo ele, as decisões judiciais partem do pressuposto de que a única função da categoria é conferir a carga. “Existem outros trabalhos que os conferentes estão aptos a fazer”, diz ele, citando norma coletiva firmada neste ano com um terminal que prevê a realização de serviços correlatos. Com base no acordo, afirma Cruz, 11 conferentes estão empregados com vínculo permanente com esse operador portuário.
O consultor Ricardo Abbruzzini Filho, que foi diretor de inovação e TI da Santos Brasil durante mais de 20 anos, diz que a modernização dos portos é uma realidade, mas caminha a passos lentos no Brasil em comparação com outros países.
Na Europa, na Ásia e nos Estados Unidos, ele conta, já existem os chamados “portos fantasmas”, onde a quase a totalidade das movimentações é feita por programas de computador e as operações manuais controladas remotamente.
“Por aqui, isso ainda é um sonho porque o custo é muito alto. E a mão de obra ainda é barata”, afirma. “Estamos fazendo o que custa menos”, acrescenta.
Hoje, segundo Abbruzzini Filho, a principal automação em terminais está acontecendo em Itapoá (SC), onde recentemente chegaram cinco máquinas que vão possibilitar a movimentação remota de contêineres. Cada um dos equipamentos custou US$ 2,8 milhões.
Até agora, a retirada dos contêineres do caminhão para o pátio do porto é feita por guindaste, operado por um motorista no local. “Que fica curvado olhando para baixo e com risco de queda. Com as mudanças, os motoristas vão operar as máquinas do escritório, onde há mesa operacional e um conjunto de telas”, diz.
Haverá, afirma o consultor, ganhos de ergonomia e também na agilidade das movimentações. “Com a operação manual perde-se duas horas para a troca de turno. No modelo semi-automatizado, a troca será imediata.”