Disputa pela marca Charlie Brown Jr chega ao capítulo mais decisivo após derrota de filho e viúva de Chorão no INPI
A disputa judicial envolvendo a marca Charlie Brown Jr ganhou um desfecho significativo em 2025, marcando uma virada profunda no controle sobre o legado de uma das bandas mais influentes do rock brasileiro. Após anos de embates complexos entre herdeiros de Chorão, ex-integrantes do grupo e a empresa norte-americana Peanuts Worldwide — proprietária global do personagem que inspirou o nome da banda — o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) decidiu anular os registros concedidos ao filho do vocalista, Alexandre Abrão, e à viúva, Graziela Gonçalves. A partir dessa decisão, a titularidade exclusiva passou a ser novamente da Peanuts.
O caso reacende debates sobre direitos autorais, propriedade industrial, identidade artística, preservação do legado cultural e os limites de uso de um nome que, embora profundamente associado ao universo do rock nacional, pertence originalmente à cultura pop internacional.
A decisão do INPI não apenas reorganiza juridicamente o destino da marca Charlie Brown Jr, mas também repercute no cenário musical, já que músicos remanescentes da formação original continuam a circular pelo país com apresentações que fazem referência ao legado deixado por Chorão. O episódio representa mais um capítulo de uma história que atravessa luto, memória, conflitos familiares, disputas judiciais e questões empresariais que moldam os rumos da marca quase 30 anos após sua criação.
A origem da disputa: a tentativa frustrada de registro ainda nos anos 1990
Durante toda a trajetória da banda, Chorão buscou formalizar o registro da marca Charlie Brown Jr no Brasil. Desde o início da década de 1990, ele tentou assegurar proteção jurídica para o nome, entendendo que o uso comercial e artístico poderia, em algum momento, ser contestado. No entanto, o INPI negou sucessivamente as solicitações, alegando que não havia autorização expressa da Peanuts Worldwide, detentora do personagem Charlie Brown da turma de Snoopy.
No campo jurídico, essa negativa se sustentava no Artigo 124 da Lei de Propriedade Industrial (LPI), que impede o registro de marcas que possam gerar confusão com obras protegidas por direitos autorais, a menos que haja autorização explícita do titular. Sem o aval da empresa norte-americana, a marca não poderia ser formalizada.
Apesar disso, a ausência do registro nunca impediu a ascensão meteórica da banda. O Charlie Brown Jr rompeu barreiras, gerou hits marcantes e se tornou um dos pilares do rock nacional, alcançando diversas gerações. A falta de proteção jurídica, porém, se tornaria fonte de intensos conflitos anos depois.
A virada após a morte de Chorão: o registro obtido pelo filho em 2022
Após quase uma década da morte do vocalista, em 2013, a história tomou um rumo inesperado. Em 2022, Alexandre Abrão, único filho do cantor, conseguiu registrar a marca Charlie Brown Jr no INPI, dividindo a titularidade com a própria Peanuts. A decisão foi comemorada por fãs e vista como uma vitória jurídica notável, já que pela primeira vez o nome da banda recebia reconhecimento formal no país.
Contudo, o registro duraria pouco.
A denúncia de documento falso: ponto de ruptura em 2024
Em fevereiro de 2024, uma reportagem revelou um documento supostamente assinado por Alexandre e por uma representante da Peanuts, no qual haveria autorização para compartilhamento da marca. Dias mais tarde, a defesa do herdeiro reconheceu que o documento era falso, alegando que ele teria sido vítima de um golpe.
O episódio abalou profundamente a credibilidade das negociações e abriu caminho para uma disputa ainda mais intensa.
Guitarristas Marcão Britto e Thiago Castanho, dois dos integrantes mais emblemáticos da formação original, contestaram publicamente a versão apresentada pelo herdeiro e já moviam ações questionando sua legitimidade como titular da marca. Para eles, a falsa autorização evidenciava que o registro era irregular desde sua origem.
Graziela Gonçalves entra na disputa e muda o cenário jurídico
Enquanto a polêmica se ampliava, Graziela Gonçalves, viúva de Chorão, reivindicava reconhecimento sobre a herança da marca Charlie Brown Jr, incluindo direitos relacionados a produtos e atividades que utilizavam o nome da banda.
Em fevereiro de 2024, uma decisão do Tribunal de São Paulo homologou um acordo entre Graziela e Alexandre, estabelecendo a divisão da herança:
55% para o filho e 45% para a viúva.
Com esse entendimento, a defesa de Graziela solicitou ao INPI a inclusão de seu nome como cotitular da marca, o que foi atendido logo depois.
A presença de três titulares — Alexandre, Graziela e Peanuts — criou um cenário complexo que dificultou ainda mais a gestão da marca no país.
A reação da Peanuts Worldwide: pedido de nulidade e retomada da exclusividade
Inconformada com a decisão que colocou Alexandre e Graziela como cotitulares, a Peanuts Worldwide apresentou ao INPI um pedido de nulidade, alegando que:
• nunca autorizou o compartilhamento da marca;
• o documento apresentado por Alexandre era inválido;
• qualquer registro concedido violava a legislação de propriedade intelectual.
O processo se arrastou até novembro de 2025, quando o INPI emitiu decisão definitiva.
2025: a decisão que muda tudo — exclusividade devolvida à Peanuts
Em 25 de novembro de 2025, o INPI anulou as titularidades de Alexandre Abrão e Graziela Gonçalves. A partir dessa data, a marca Charlie Brown Jr voltou a ser propriedade exclusiva da Peanuts Worldwide.
A decisão citou expressamente o Artigo 124 da LPI, reafirmando que não há possibilidade de coexistência entre marca registrada no Brasil e personagem protegido internacionalmente sem autorização formal.
O parecer reconhece que, ainda que a banda tenha construído trajetória sólida e independente, o nome utilizado sempre foi protegido por direitos autorais internacionais — e isso prevalece sobre a dimensão artística.
Impacto imediato para a banda e para ex-integrantes que seguem em turnê
A decisão do INPI interfere diretamente na disputa entre Alexandre e os ex-guitarristas Marcão Britto e Thiago Castanho, que alegavam que ele tentava impedir apresentações e o uso de siglas associadas à banda.
A Justiça assegurou, em decisões de 1ª e 2ª instâncias, o direito de os músicos utilizarem:
“CBJR – Marcão Britto e Thiago Castanho”
Essa autorização abrange divulgação em redes sociais, vendas de ingressos e apresentações ao vivo. Mesmo após o veredicto do INPI, esses direitos continuam válidos, pois se referem à trajetória dos músicos, e não à exploração comercial da marca Charlie Brown Jr em produtos ou licenciamentos.
A dupla, assim, segue com agenda ativa. Shows continuam sendo realizados pelo país, celebrando o repertório da banda e mantendo vivo o legado musical que marcou uma geração.
O que esperar daqui para frente: possíveis desdobramentos
A disputa, embora tenha tido desfecho importante, pode não ter chegado ao fim. Três linhas de tensão permanecem abertas:
1. A Peanuts pode impor diretrizes rígidas para o uso do nome no Brasil
A empresa agora detém controle total. Pode flexibilizar, restringir ou até proibir usos específicos, dependendo de sua política global.
2. A família de Chorão pode tentar novo acordo
Tanto Alexandre quanto Graziela podem buscar diálogo com a empresa norte-americana para viabilizar uso autorizado da marca, especialmente em projetos culturais e memoriais.
3. A banda derivada pode enfrentar questionamentos futuros
Embora juridicamente autorizados a usar “CBJR”, qualquer uso comercial ligado ao nome completo da banda ou à marca registrada poderá ser objeto de nova fiscalização.
O caso revela o quanto a ausência de registro nos anos 1990 gerou uma cadeia de disputas que perdura até hoje.
A dimensão emocional e cultural da marca
A marca Charlie Brown Jr não é apenas um conjunto de letras. Para milhões de fãs, ela representa:
• rebeldia;
• juventude;
• crítica social;
• estilo de vida;
• identidade musical.
O legado de Chorão se confunde com a memória afetiva de gerações que cresceram ouvindo suas letras — marcadas por sinceridade, raiva, vulnerabilidade e poesia urbana.
Por isso, qualquer disputa jurídica envolve também aspectos emocionais raramente mensuráveis.
A batalha jurídica pode ter fim, mas a disputa simbólica continua
A decisão do INPI resolve a questão formal da titularidade, mas não encerra a enorme discussão sobre quem detém, de fato, o direito moral de representar a história do Charlie Brown Jr. O público continuará acompanhando atentamente.
A banda derivada segue se apresentando. A família busca preservar a memória. A Peanuts defende sua propriedade intelectual. O INPI cumpre a lei. E os fãs seguem sendo os verdadeiros guardiões do legado.
Se a marca agora tem um dono incontestável, a história, o afeto e a cultura permanecem coletivamente compartilhados.






