Lula acelera acordo Mercosul–União Europeia apesar de barreiras ao agro
A pressa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para concluir o acordo Mercosul União Europeia tem origem menos econômica e mais política. Mesmo diante do endurecimento de salvaguardas aprovadas pelo Parlamento Europeu, que podem impor dificuldades futuras ao agronegócio brasileiro, o governo decidiu avançar com a assinatura do tratado ainda neste momento. A avaliação predominante em Brasília é de que a janela de oportunidade aberta ao longo do último ano pode se fechar rapidamente, caso o entendimento não seja formalizado agora.
O acordo de livre comércio entre os dois blocos é negociado há mais de duas décadas e se arrasta como um dos processos diplomáticos mais longos e complexos da história recente do comércio internacional. Desde o anúncio do encerramento das negociações técnicas, feito na cúpula do Mercosul em Montevidéu, em dezembro de 2024, o Planalto passou a tratar a assinatura como prioridade estratégica. A leitura interna é clara: se o texto não for chancelado neste momento, dificilmente será retomado em condições semelhantes no curto ou médio prazo.
Lógica política supera riscos econômicos imediatos
No centro da decisão está um cálculo político direto. Para o governo brasileiro, o acordo Mercosul União Europeia representa uma conquista diplomática de grande peso simbólico e estratégico. Lula investiu capital político pessoal no processo, envolvendo-se diretamente em negociações sensíveis com líderes europeus, em especial o presidente francês Emmanuel Macron, historicamente um dos principais opositores do acordo por pressões internas do setor agrícola francês.
Na avaliação de interlocutores do Itamaraty e da assessoria internacional da Presidência, as salvaguardas aprovadas pelo Parlamento Europeu representam um problema potencial, mas não imediato. Esses mecanismos permitem à Comissão Europeia intervir caso produtos do Mercosul cheguem ao mercado europeu com preços pelo menos 5% inferiores aos praticados internamente ou caso o volume de importações isentas de tarifa cresça mais de 5%. Para o governo brasileiro, trata-se de um risco administrável, que pode ser enfrentado no futuro, dentro das regras já conhecidas do comércio internacional.
O entendimento predominante é que as salvaguardas não fazem parte do texto central do acordo Mercosul União Europeia, mas de uma negociação paralela realizada dentro da própria União Europeia para viabilizar sua aprovação política. Por isso, o Planalto optou por não travar a assinatura com base em obstáculos que ainda dependerão de regulamentação e aplicação prática.
Janela de oportunidade e risco de adiamento indefinido
Outro fator decisivo para a pressa é o timing político internacional. O governo brasileiro avalia que a atual composição da Comissão Europeia e o contexto geopolítico global criaram uma rara convergência favorável ao acordo. Mudanças no cenário europeu, como eleições nacionais, avanço de forças protecionistas e pressões internas de setores agrícolas, podem inviabilizar novas tentativas de ratificação no futuro.
Se o acordo Mercosul União Europeia não for assinado agora, a percepção em Brasília é de que ele “sobe no telhado” por tempo indeterminado. A avaliação é compartilhada por diplomatas brasileiros e argentinos, que veem o momento atual como o mais favorável desde o início das negociações. Adiar a assinatura significaria, na prática, reabrir discussões já dadas como encerradas e enfrentar resistências políticas ainda maiores.
A importância do acordo para a estratégia de Lula
Para Lula, o acordo tem múltiplas dimensões. No plano externo, representa um gesto claro de defesa do multilateralismo em um mundo cada vez mais fragmentado por disputas comerciais e geopolíticas. Ao fortalecer laços com a União Europeia, o Brasil envia um sinal de autonomia estratégica e de compromisso com regras internacionais, em contraste com políticas mais protecionistas defendidas por potências como os Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump.
No plano interno, o acordo Mercosul União Europeia também tem peso eleitoral. Fontes próximas ao governo admitem que a assinatura poderá ser apresentada como uma das principais vitórias diplomáticas de Lula, com potencial impacto positivo na campanha presidencial de 2026. Em um cenário de disputas acirradas, a capacidade de demonstrar liderança internacional e resultados concretos na política externa é vista como ativo relevante.
Resistências europeias seguem no radar
Apesar do otimismo cauteloso, o governo brasileiro acompanha com atenção os movimentos dentro da União Europeia. O Conselho Europeu, que reúne os chefes de Estado e de governo do bloco, ainda precisa decidir se levará o texto à votação final. A França continua sendo o principal foco de resistência, apoiada por países como a Itália.
A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, emergiu como personagem central nesse processo. Seu peso político dentro da União Europeia aumentou significativamente, e seu posicionamento pode ser decisivo para destravar ou travar a ratificação. A aprovação das salvaguardas mais rígidas foi interpretada como uma concessão feita para acomodar preocupações francesas e italianas, reduzindo o percentual que aciona mecanismos de proteção de 10% para 5%.
Para diplomatas europeus, o clima melhorou nos últimos dias, embora o desfecho ainda seja incerto. Em Brasília, prevalece o entendimento de que, se o acordo não avançar agora, a responsabilidade recairá sobre os europeus, e não sobre o Mercosul.
Papel da Argentina e alinhamento regional
A Argentina, sob a presidência de Javier Milei, também tem papel relevante no processo. Assessores do governo argentino indicam disposição do presidente em participar da cúpula do Mercosul em Foz do Iguaçu e da eventual cerimônia de assinatura do acordo Mercosul União Europeia. A postura de Buenos Aires tem sido pragmática, reconhecendo que a aprovação das salvaguardas foi resultado de negociação política dentro da UE.
Para o Mercosul como bloco, a assinatura do acordo representa uma oportunidade de reposicionamento internacional, ampliando o acesso a um dos maiores mercados consumidores do mundo e fortalecendo a imagem do grupo como ator relevante no comércio global.
Agro brasileiro entre preocupação e pragmatismo
O setor agropecuário brasileiro observa o processo com cautela. As salvaguardas aprovadas pelo Parlamento Europeu geram apreensão, sobretudo pela facilidade com que podem ser acionadas. Na prática, basta uma variação relativamente pequena de preços ou volumes para que medidas de proteção sejam adotadas, o que pode afetar exportações de produtos estratégicos.
Ainda assim, parte do setor reconhece que o acordo Mercosul União Europeia abre oportunidades significativas de médio e longo prazo, especialmente em cadeias de valor mais sofisticadas. O acesso preferencial ao mercado europeu pode estimular investimentos, inovação e maior agregação de valor às exportações brasileiras.
Um recado geopolítico claro
Além dos aspectos comerciais, a assinatura do acordo tem forte dimensão geopolítica. Para Lula, trata-se de enviar um recado claro aos Estados Unidos e a outras potências: o Brasil aposta na diversificação de parcerias e na defesa de um sistema internacional baseado em regras e acordos multilaterais.
Nesse contexto, o acordo Mercosul União Europeia ganha contornos que vão além do comércio. Ele se insere em uma estratégia mais ampla de reposicionamento do Brasil no cenário global, reforçando sua imagem como ator diplomático relevante e confiável.
O futuro fica para depois
A frase que resume o espírito do governo brasileiro neste momento é simples: assinar agora e lidar com os desafios depois. As salvaguardas, os embates regulatórios e eventuais disputas comerciais futuras são vistos como problemas administráveis, que poderão ser enfrentados dentro dos mecanismos previstos no próprio acordo e nas instituições internacionais.
Para Lula, o custo político de não assinar o acordo Mercosul União Europeia agora seria maior do que os riscos associados às barreiras futuras. A aposta é que o tempo, aliado à diplomacia e à negociação contínua, permitirá ao Brasil defender seus interesses e minimizar impactos negativos, enquanto colhe os ganhos políticos e estratégicos imediatos da assinatura.






