Adam Selipsky, CEO da Amazon Web Services, sorriu amarelo quando Steven Levy, editor-geral da revista americana Wired, o questionou sobre qual seria o futuro da Alexa, assistente de voz da Amazon, depois que o ChatGPT a fez parecer meio burra.
Selipsky saiu pela tangente e disse que a Amazon tinha um “roteiro agressivo” para cumprir sua visão de tornar a Alexa uma “verdadeira” assistente pessoal com profundo conhecimento das preferências de seus usuários e acrescentou que a AWS não estava adotando uma abordagem urgente para a IA generativa (tecnologia usada pelo ChatGPT), mas sim se concentrando em entender o que seus clientes precisarão da empresa no futuro.
“A IA generativa acontecerá em grande parte na nuvem como parte de uma estratégia de dados mais ampla [e] muitas empresas já têm seus dados na AWS”, afirmou Selipsky. Ele disse ainda que é impossível apontar potenciais empresas vencedoras neste momento e comparou a IA generativa no contexto atual com o início da internet nos anos 1990. “Estamos a três passos de uma corrida de 10 km.”
IA generativa é grande estrela
Discussões sobre IA generativa e seus impactos, como a descrita acima entre Selipsky e Levy, dominaram os palcos da Collision. O evento, que aconteceu semana passada em Toronto, no Canadá, reuniu alguns dos principais executivos, políticos e especialistas de tecnologia do mundo.
A inteligência artificial generativa foi a protagonista inescapável. Dos painéis de finanças, passando por startups e discussões sobre inovação, a IA era um tema recorrente. Mas após o encanto e surpresa dos últimos meses, agora os especialistas começam a adotar uma postura mais cautelosa em torno do tema.
Geoffrey Hinton, um dos pais da inteligência artificial, afirmou diante de uma plateia lotada que os governos deveriam intervir para garantir que as máquinas não assumam o controle da sociedade.
Em maio, Hinton foi notícia ao anunciar que havia deixado o Google após uma década de trabalho. O cientista pediu demissão para ter mais liberdade para falar sobre os perigos da IA.
“Antes que a IA seja mais inteligente do que nós, acho que as pessoas que a desenvolvem devem ser encorajadas a trabalhar muito para entender como ela pode tentar tirar o controle”, disse Hinton. Ele lembrou que “atualmente, existem 99 pessoas muito inteligentes tentando melhorar a IA e uma pessoa muito inteligente tentando descobrir como impedir que ela assuma o controle. E talvez precisemos ter mais equilíbrio nisto”, disse ele.
Máquinas no controle e Google em apuros
Os riscos da IA foram discutidos não apenas por Hinton. Falou-se do desenvolvimento de armas capazes de estimular governos ricos a entrarem em mais guerras, já que não há mortes de humanos das nações ricas no campo de batalha.
Especulou-se ainda sobre o aprofundamento da desigualdade social com o enorme ganho de produtividade da implantação das IAs indo para o benefício dos ricos, e não dos trabalhadores.
No espaço The Fourth State (O Quarto Poder), dedicado à discussão dos desafios da mídia, a aceleração da produção de fake news foi um tema constante e ficou claro que, por enquanto, nenhum veículo ou jornalista sabe como lidar com a ameaça das fake news criadas por IAs.
Certamente teremos IAs combatendo as fake news criadas por outras IAs”, disse Nicholas Thompson, CEO da The Athlantic.
A imprensa insegura sobre seu futuro talvez não seja uma novidade. Mas fiquei surpreso ao ouvir um funcionário do Google a pergunta se eu usava o Bard ou o ChatGPT. Meses atrás, dificilmente qualquer pessoa do Google estaria preocupada com que tecnologia eu ou você estaríamos usando. Provavelmente, a Alexa não é a única potencial vítima do ChatGPT; até o Google parece ter ficado mais “burro” perto do ChatGPT.
Discussões inúteis sobre IA?
Não foi apenas o ChatGPT que ofuscou o Google durante a Collision, no Canadá. Enquanto o evento acontecia, a gigante de buscas anunciou que iria tirar os links de notícias de suas plataformas. A medida é uma resposta à lei aprovada mês passado pelo Canadá e que forçará o Google e a Meta a pagarem por jornalismo.
Segundo o Google, a lei passou mas é abrangente demais e não explica como a cobrança irá acontecer nem quais regras serão usadas para determinar o que é um veículo de mídia.
Mas, antes que se imagine uma crise generalizada do setor de tecnologia, vale lembrar que muitos palestrantes chamaram a atenção para um pessimismo exagerado sobre a IA e o futuro das big techs.
“Dizer que seu futuro está ameaçado e você está fragilizado por ser positivo para as big techs que estão muito pressionadas por órgãos reguladores”, comentou um funcionário de big tech nos bastidores e pedindo anonimato.
Sarah Guo, a investidora que reuniu diversos “fãs” no evento, afirmou que discutir desgraça e melancolia sobre a IA como uma ameaça existencial é prematuro. Ela comparou isso a “falar sobre superpopulação em Marte”, citando outro guru da IA, Andrew Ng.
Daqui a cinco anos, eu ainda imagino que se você quiser encontrar o melhor, mais preciso e mais avançado modelo geral provavelmente terá que recorrer a uma das poucas empresas que têm capital para fazê-lo”, disse Leigh Marie Braswell, da empresa de capital de risco Kleiner Perkins, em referência às big techs.
IA e potenciais ganhos exponenciais
Na Collision, Thomas Dohmke, CEO da GitHub, afirmou que o CoPilot, solução de IA desenvolvida por sua empresa tem ajudado desenvolvedores de software a melhorar em até 30% seus códigos. “Hoje, o GitHub Copilot foi ativado por mais de 1 milhão de desenvolvedores e adotado por mais de 20.000 organizações”. Segundo o executivo, o CoPilot gerou mais de três bilhões de linhas de código aceitas e é a ferramenta de desenvolvimento de IA mais amplamente adotada no mundo.
“Usando um aumento de produtividade de 30%, com um número projetado de 45 milhões de desenvolvedores profissionais em 2030, as ferramentas generativas de desenvolvimento de IA poderiam adicionar ganhos de produtividade de 15 milhões adicionais de ‘desenvolvedores efetivos’ à capacidade mundial até 2030”, disse Dohmke. Pelas contas da GitHub, isso poderia aumentar o PIB global em mais de US$ 1,5 trilhão. Um benefício para a atividade econômica gerada por esse grupo de trabalhadores”, disse o executivo.
A Booking.com, gigante das viagens online, durante o evento anunciou um novo produto usando o ChatGPT da OpenAI. A ideia é criar uma experiência de conversação para os usuários que planejam viagens.
“Isto é apenas o começo”, disse Rob Francis, diretor de tecnologia da Booking.com. Modelos como OpenAI ou Google “são ótimos para uso geral”, como um bate-papo sobre planos de férias, disse ele. Mas para usos mais sensíveis, as empresas “começarão a executar seus próprios modelos mais personalizados, em seu próprio ambiente”, completou.
O cenário mais provável é que a IA generativa mude pouco no curto prazo e decepcione muita gente, mas que promova uma imensa revolução em algumas décadas. “Como muitas coisas, acho que a IA é exagerada no curto prazo e subestimada no longo prazo”, disse Jordan Jacobs, da Radical Ventures, uma empresa de capital de risco que investiu pesadamente em IA.
“Mas a diferença com a IA é que, depois de implantada, ela fica cada vez melhor”, o que significa que há uma desvantagem real em ficar em segundo lugar. Ele destacou que não foi assim com o advento do computador pessoal ou do smartphone, quando quem esperava, como a Apple, eram as empresas que ganhavam.
Seremos superados pelas máquinas?
Para Neil Patel, nem o Google nem os humanos correm riscos com IA. “O Google está em uma ótima posição e quando a IA se popularizar em outras línguas além do inglês sua vantagem ficará mais clara”, disse. Já sobre os humanos, Patel diz que “iremos nos adaptar, porque sempre nos adaptamos e seguimos melhorando”.
Entre pessimistas e otimistas, minha torcida é para que Patel esteja certo.