Em uma semana marcada pela tensão política e pelo esvaziamento da Câmara dos Deputados devido às eleições municipais, os parlamentares bolsonaristas se preparam para uma ofensiva na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta terça-feira, a CCJ discute quatro propostas que visam limitar os poderes da mais alta corte do país, em um movimento que promete testar a força de acordos e a influência dos líderes partidários em Brasília.
A Pauta da CCJ e o Contexto Político
Com a determinação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), dispensando a presença física dos deputados em Brasília e autorizando o voto remoto devido às condições adversas de voo causadas pelas queimadas no Sul e Sudeste do país, a maioria das comissões optou por cancelar suas sessões. No entanto, a presidente da CCJ, deputada Caroline De Toni (PL-SC), decidiu manter a pauta inalterada, alegando a necessidade de um “esforço concentrado” para dar conta da extensa agenda de matérias acumuladas.
A decisão de manter a sessão reflete a importância das propostas em discussão, que incluem uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que permite ao Congresso sustar a eficácia de julgamentos do STF sobre a constitucionalidade de leis e normas. Outras pautas incluem uma PEC que restringe as decisões monocráticas dos ministros do STF e de outros tribunais superiores, além de dois projetos de lei que ampliam os critérios para impeachment de ministros do Supremo, incluindo a alegação de “usurpar” as competências do Legislativo.
O Avanço das Propostas e a Resistência da Oposição
A pauta em questão estava engavetada, mas ganhou força após o STF bloquear a execução das emendas parlamentares ao Orçamento, exigindo maior transparência na distribuição desses recursos. Essa decisão irritou boa parte dos deputados, especialmente os ligados ao Centrão, que agora veem na CCJ uma oportunidade de retaliar o Supremo e reequilibrar o poder entre os três poderes da República.
Segundo o deputado Reinhold Stephanes Junior (PSD-PR), autor da PEC que permite ao Congresso suspender julgamentos do STF, há um amplo apoio entre os partidos do Centrão e até da oposição. “Apenas a esquerda, PT e PSOL, deve ficar contra. Conversei com deputados do Republicanos, MDB, PP, Solidariedade, PSD e PL, e todos disseram que vão votar a favor dessa PEC”, afirmou o parlamentar, sinalizando a força que a proposta pode ter na comissão.
Apesar da resistência esperada por parte da oposição, representada principalmente pelo PT e PSOL, a aprovação das PECs na CCJ parece estar encaminhada. O deputado Bacelar (PV-BA), crítico das propostas, admite que a oposição terá dificuldade em obstruir a sessão, especialmente com o esvaziamento da Câmara e a permissão para votação remota. “O único instrumento que temos é a obstrução, mas com a dispensa de presença e pouca gente em Brasília, não tem como obstruir a sessão”, lamentou Bacelar.
Impactos do Acordo com o STF e o Governo
Os projetos discutidos na CCJ também refletem as divisões internas dentro do Congresso e as tensões com o Poder Judiciário. Recentemente, um acordo foi selado entre o presidente da Câmara, Arthur Lira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), os ministros do STF e o governo federal, estabelecendo novas regras para o uso das emendas coletivas ao Orçamento e para o crescimento dessas verbas. No entanto, parte dos deputados e senadores, que não participou diretamente das negociações, expressou descontentamento e defende mudanças no acordo, o que pode adicionar mais combustível ao já inflamado cenário político.
Nos bastidores, deputados afirmam que a PEC que restringe as decisões monocráticas dos ministros do STF tem chances de avançar rapidamente, com a instalação de uma comissão especial para debater o texto. Essa proposta, já aprovada pelo Senado, depende apenas da aprovação dos deputados para ser promulgada. Por outro lado, a PEC que permite ao Congresso sustar a eficácia de julgamentos do STF pode enfrentar maior resistência após passar pela CCJ, e a sua comissão especial pode não ser instalada imediatamente por Lira, dependendo do contexto político e das negociações em curso.
Caroline De Toni e a Condução da CCJ
Caroline De Toni, deputada federal pelo PL de Santa Catarina e presidente da CCJ, desempenha um papel central na condução dessas discussões. Fiel ao bolsonarismo e defensora de pautas conservadoras, De Toni tem utilizado sua posição para avançar propostas que alinham o Legislativo ao Executivo, em detrimento do Judiciário, visto como um “freio” para as ambições de setores mais radicais do Congresso.
Sua decisão de manter a pauta anti-STF mesmo em uma semana esvaziada pela ausência de muitos deputados em Brasília mostra sua determinação em fazer avançar essas propostas. De Toni argumenta que a CCJ é a comissão mais sobrecarregada da Câmara e que não pode perder mais uma semana de trabalho. “Vamos manter porque estamos em esforço concentrado. Ficamos e ainda ficaremos muitas semanas sem votação. A CCJ é a comissão que mais tem matérias para apreciar. Não podemos perder mais uma semana de trabalho”, justificou a deputada.
A Reação do Supremo e do Governo
As discussões na CCJ serão acompanhadas de perto pelo STF e pelo governo federal, que têm interesse direto nos desdobramentos dessas propostas. O Supremo, alvo direto das PECs e dos projetos de lei, pode adotar uma postura mais defensiva e buscar interlocutores no Congresso para barrar o avanço dessas medidas. Já o governo, que recentemente fechou o acordo sobre as emendas parlamentares, pode ver seu pacto com o Judiciário ameaçado se as propostas avançarem no Legislativo.
Cenário Político e Perspectivas Futuras
O cenário político em Brasília é de incerteza e tensão, com as eleições municipais adicionando um fator de imprevisibilidade ao comportamento dos parlamentares. Muitos deputados estão focados em apoiar aliados em suas bases eleitorais e podem não estar dispostos a embarcar em uma cruzada contra o STF, especialmente se isso significar um confronto direto com o Judiciário em ano eleitoral.
Por outro lado, o esvaziamento da Câmara e a permissão para votação remota podem jogar a favor dos bolsonaristas na CCJ, que têm uma oportunidade de ouro para avançar suas pautas sem a presença massiva da oposição. A maneira como Arthur Lira gerenciará essa situação também será crucial, pois ele precisa equilibrar os interesses de seus aliados no Centrão com a necessidade de manter a estabilidade institucional entre os três poderes.
As propostas anti-STF na CCJ representam um teste de força não apenas para os parlamentares bolsonaristas, mas para todo o sistema político brasileiro. Com a Câmara esvaziada e a tensão entre os poderes em alta, o avanço dessas medidas pode sinalizar uma nova fase de confrontação institucional, cujas consequências são difíceis de prever. Enquanto Caroline De Toni mantém a pauta na CCJ, todos os olhos estarão voltados para o que pode ser um dos momentos mais decisivos do atual período legislativo.