Nubank desiste de comprar banco de Edir Macedo e recua em negociação com o Digimais
A fintech Nubank desiste de comprar banco de Edir Macedo e interrompe as negociações para aquisição do Digimais, instituição financeira controlada pelo fundador da Igreja Universal e dono da TV Record. O movimento, confirmado por fontes próximas ao setor financeiro, ocorre em um momento em que a empresa reforça sua estratégia de solidez reputacional e expansão orgânica, priorizando aquisições de menor risco.
A decisão representa uma guinada importante na estratégia do banco digital mais valioso do Brasil, avaliado em mais de US$ 50 bilhões, e sinaliza um novo momento de seletividade em um mercado pressionado por incertezas regulatórias e pela vigilância crescente de investidores internacionais.
O que motivou a desistência da compra
Segundo informações obtidas junto a fontes do mercado, o principal atrativo para o Nubank era a licença bancária do Digimais — um ativo que permitiria à fintech ampliar sua atuação com menos entraves burocráticos — e o crédito tributário acumulado pela instituição.
No entanto, o risco de imagem e as dúvidas operacionais pesaram na decisão final. O histórico do Digimais, ligado a Edir Macedo e ao grupo Record, foi avaliado internamente como um possível ponto de vulnerabilidade para a marca do Nubank, que construiu sua reputação baseada em transparência, diversidade e engajamento social.
De acordo com interlocutores próximos à negociação, o risco reputacional — especialmente diante de potenciais repercussões midiáticas e políticas — tornou-se incompatível com a política de governança da fintech. O Nubank decidiu encerrar as tratativas ainda na fase preliminar, antes da due diligence final.
Quem é o Digimais, banco ligado a Edir Macedo
O Digimais, também conhecido como Digi+, é um banco digital pertencente ao grupo econômico de Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus e proprietário da Record TV. O banco nasceu a partir da reestruturação do Banco Renner, em 2019, e oferece serviços de crédito, conta digital e cartões.
Nos últimos anos, a instituição buscava compradores estratégicos para expandir seu capital e modernizar sua estrutura digital, mas enfrentava dificuldades em atrair investidores devido ao tamanho reduzido e ao histórico de performance financeira limitado.
Apesar de negar oficialmente estar à venda, o Digimais teria sido sondado por diferentes grupos — entre eles, empresários ligados ao setor financeiro e ambiental, como Tércio Borlenghi, da Ambipar, antes da crise da companhia.
Nubank: o gigante que escolheu cautela
Ao decidir não seguir com o negócio, o Nubank reafirma sua postura de prudência corporativa. A fintech vem adotando uma estratégia de expansão baseada em crescimento orgânico e aquisições seletivas de empresas que tragam tecnologia, base de clientes ou sinergias regulatórias.
Nos últimos anos, o Nubank passou a priorizar a consolidação de sua estrutura bancária própria, fortalecendo produtos como conta PJ, crédito pessoal, investimentos e seguros. A empresa também busca ampliar sua participação na América Latina, principalmente no México e na Colômbia, onde já opera com licenças locais.
O recuo diante do Digimais demonstra que, mesmo com alto poder de investimento, o Nubank evita movimentos que possam comprometer sua imagem diante do público, dos acionistas e dos reguladores.
Reputação como ativo estratégico
O Nubank se tornou um símbolo de inovação no sistema financeiro latino-americano. Sua imagem está associada à inclusão digital, ao empoderamento do consumidor e à ruptura de práticas bancárias tradicionais.
Qualquer associação com empresas ou personalidades controversas poderia representar uma ameaça à reputação conquistada ao longo de uma década. Essa preocupação explica, segundo analistas, o cuidado em evitar vínculos com grupos ligados a figuras públicas polarizadoras, como Edir Macedo — cuja atuação combina religião, mídia e política.
Além disso, o momento global exige atenção. Em um ambiente de alta volatilidade nos mercados e de maior rigor regulatório, a reputação empresarial tornou-se um ativo financeiro. Grandes fundos de investimento e gestoras internacionais que aplicam em companhias latino-americanas priorizam empresas com forte governança e baixo risco de imagem.
Por que o Nubank queria uma licença bancária
Embora já opere como instituição financeira plena, o Nubank tem interesse contínuo em otimizar seu modelo de licenciamento. O acesso a licenças bancárias adicionais pode permitir operações de crédito e investimento mais complexas, reduzir custos de captação e ampliar o escopo de produtos.
O Digimais, por sua vez, possuía uma licença bancária tradicional emitida pelo Banco Central, que poderia acelerar determinados processos operacionais e tributários. Além disso, o banco detinha créditos tributários acumulados, que poderiam ser aproveitados para compensações fiscais futuras.
Esses dois fatores foram inicialmente considerados atrativos — mas acabaram superados pelas preocupações com governança e exposição reputacional.
O impacto no setor financeiro
A decisão do Nubank de desistir de comprar o banco de Edir Macedo foi interpretada no mercado como um sinal de maturidade institucional. Analistas avaliam que a fintech demonstra consciência de seu posicionamento e dos riscos que envolvem aquisições de ativos financeiros vinculados a figuras de alta exposição política e religiosa.
O episódio também reacende o debate sobre o apetite de risco das big techs financeiras. Com a recente crise de liquidez enfrentada por algumas startups do setor e o aumento da vigilância regulatória, o mercado vive uma fase de reavaliação estratégica — em que a solidez da marca pesa tanto quanto o potencial econômico da transação.
Para especialistas, a decisão de não avançar no negócio reforça o papel do Nubank como referência em governança corporativa e gestão de imagem no sistema bancário digital brasileiro.
Concorrência e próximos movimentos
A desistência do Nubank abre espaço para outras fintechs e instituições de médio porte que possam ter interesse em adquirir bancos com licenças plenas. Embora o Digimais negue estar à venda, a movimentação expôs o apetite do mercado por ativos regulatórios capazes de encurtar a distância até operações de maior escala.
Ao mesmo tempo, o Nubank segue ampliando seus investimentos em tecnologia, crédito e expansão internacional. A fintech continua sendo a empresa mais valiosa do Brasil, à frente de grandes bancos tradicionais, e segue focada em fortalecer produtos próprios sem comprometer sua independência operacional.
Análise: um recuo calculado
A decisão do Nubank de desistir da compra do Digimais é um exemplo de como o crescimento sustentável depende tanto de prudência quanto de ambição. Em vez de correr riscos reputacionais desnecessários, a fintech optou por preservar a confiança do mercado e manter sua estratégia voltada à inovação e ao controle de riscos.
Para investidores e reguladores, a mensagem é clara: o Nubank está disposto a abrir mão de oportunidades de curto prazo para garantir estabilidade e previsibilidade de longo prazo. Essa postura, embora conservadora, fortalece sua imagem perante o mercado internacional e reforça a cultura de compliance e responsabilidade que o banco tem cultivado desde sua fundação.
O que fica para o mercado
O caso Nubank e Digimais se torna um marco no debate sobre riscos de imagem no sistema financeiro digital. Ao priorizar a reputação em detrimento da expansão acelerada, o Nubank sinaliza uma nova fase para as fintechs brasileiras: a da maturidade institucional.
Em um cenário de integração crescente entre tecnologia, finanças e regulação, as próximas grandes oportunidades virão para as empresas que conseguirem equilibrar governança, inovação e prudência.






