Risco de queda do dólar acende alerta global e reacende temores de uma bolha como a dos anos 2000
Análise do RBC Capital Markets sugere que a moeda americana pode repetir o ciclo de valorização e colapso da bolha da internet
O mercado financeiro internacional está em alerta. De acordo com uma análise recente do RBC Capital Markets, a queda do dólar pode ser mais acentuada e duradoura do que muitos investidores esperam, com potencial de repetir o colapso ocorrido após a bolha da internet no início dos anos 2000.
A instituição financeira destaca que o mesmo conjunto de fatores que impulsionou o fortalecimento do dólar nos últimos anos — como a atratividade dos ativos americanos e a confiança em fundos de investimento passivos — pode agora se transformar em um gatilho de reversão. Se esse movimento se confirmar, a desvalorização da moeda dos Estados Unidos pode chegar a níveis semelhantes aos observados entre 2001 e 2008, quando a divisa acumulou queda de 40%.
Como o dólar chegou a este ponto
O dólar teve um 2025 marcado pela volatilidade e pelas incertezas em torno da política econômica do presidente Donald Trump, especialmente após medidas intervencionistas no comércio e declarações que aumentaram o risco político global.
Mesmo sob pressão, a moeda encontrou suporte temporário em um cenário de bolsas americanas aquecidas e na forte alocação de recursos internacionais em ativos dos Estados Unidos. Os investidores globais, atraídos por empresas de tecnologia e pelo desempenho da economia americana, concentraram seus portfólios em ativos denominados em dólar — movimento que sustentou a valorização da moeda e consolidou seu papel como refúgio financeiro.
Mas, segundo o RBC, esse ciclo de concentração está chegando ao limite. Com os preços dos ativos americanos em patamares historicamente elevados, qualquer sinal de mudança de fluxo de capital pode desencadear um movimento de correção global, com impacto direto sobre o valor do dólar.
O alerta do RBC: o fantasma da bolha da internet
O estrategista de câmbio Richard Cochinos, do RBC Capital Markets, faz um paralelo direto com o início dos anos 2000. Naquele período, o capital estrangeiro migrou em massa para os Estados Unidos durante a bolha da internet, inflando o valor das ações e, consequentemente, do dólar.
Quando o mercado entrou em colapso, os investidores buscaram diversificação, vendendo ativos americanos e comprando moedas de outras regiões. O resultado foi uma forte desvalorização do dólar, que caiu cerca de 40% do pico ao vale entre 2001 e 2008.
Cochinos alerta que um processo semelhante pode estar em andamento. “A concentração funcionou bem nos últimos 15 anos, mas apresenta riscos no ambiente atual”, afirma o relatório do RBC. “Uma mudança mensurável na demanda e no desempenho relativo pode ter implicações profundas no mercado de câmbio.”
Mudanças estruturais no mercado de câmbio
O RBC identifica uma combinação de fatores que pode sustentar uma queda prolongada do dólar. Entre eles estão:
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Avaliações elevadas de ativos americanos, que reduzem a atratividade de novos aportes;
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Mudanças nas cadeias globais de comércio, com a crescente regionalização da produção e o avanço de moedas locais;
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Alteração dos refúgios seguros, com o ouro, o franco suíço e o iene japonês voltando a ganhar protagonismo;
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E uma reconfiguração do sistema financeiro, marcada pelo crescimento de ativos ilíquidos e investimentos privados, que aumentam a volatilidade dos mercados em períodos de estresse.
Essas transformações tornam o ambiente de câmbio mais imprevisível e desafiam a ideia de que o dólar continuará sendo, indefinidamente, o principal pilar do sistema financeiro global.
Estratégias para enfrentar uma possível desvalorização
Diante da possibilidade de uma queda acentuada do dólar, o RBC recomenda que investidores e gestores de fundos adotem estratégias de proteção diversificadas.
Entre as opções sugeridas pela instituição estão:
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Opções sintéticas de compra no índice ICE US Dollar Index, que permitem proteger posições longas;
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Apostas binárias otimistas sobre o euro e o iene, que podem se valorizar em caso de enfraquecimento do dólar;
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Estruturas de opções de longo prazo, como uma call de dois anos no par EUR/USD com preço de exercício em 1,30, o que representaria uma queda de cerca de 12% do dólar;
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E uma put de dois anos no par USD/JPY, com preço de exercício em 130, sinalizando possível desvalorização de 15% da moeda americana.
Essas estratégias refletem uma visão de médio e longo prazo na qual o dólar enfrenta um cenário de ajuste estrutural, semelhante ao que ocorreu após o estouro da bolha das empresas de tecnologia.
As diferenças entre 2000 e 2025
Embora o RBC trace paralelos com o início do milênio, o cenário atual apresenta nuances distintas. Na virada dos anos 2000, o mercado era dominado por empresas de tecnologia emergentes e pela expansão da internet. Hoje, a economia global convive com tensões geopolíticas, transformações tecnológicas aceleradas e políticas monetárias experimentais — uma combinação que torna os movimentos de capital mais sensíveis e menos previsíveis.
Além disso, os fundos de investimento passivos — como ETFs — têm hoje um papel dominante nos fluxos internacionais, o que pode amplificar as oscilações em momentos de correção. Isso significa que uma venda em larga escala de ações americanas, por exemplo, pode gerar um efeito cascata, pressionando simultaneamente os preços dos ativos e o valor do dólar.
A importância do gerenciamento de riscos
Para o RBC, a lição mais importante do passado é que a gestão de riscos de cauda — ou seja, de eventos extremos e pouco prováveis — deve estar no centro da atenção dos investidores.
O banco alerta que, com o avanço das incertezas políticas e o aumento das tensões comerciais, o dólar pode deixar de ser o porto seguro tradicional e passar a refletir os próprios riscos internos dos Estados Unidos.
Essa mudança estrutural pode alterar o equilíbrio entre moedas e levar investidores a buscar alternativas em moedas emergentes, metais preciosos e ativos digitais, como o bitcoin, que vem sendo cada vez mais usado como instrumento de diversificação cambial.
O impacto global de uma queda do dólar
Uma forte desvalorização do dólar teria efeitos profundos em toda a economia global. Países com dívidas denominadas na moeda americana, como diversas economias emergentes, poderiam se beneficiar de um alívio cambial. Por outro lado, o movimento poderia gerar fuga de capitais de mercados desenvolvidos e aumento da volatilidade em ativos de risco.
Empresas multinacionais também seriam diretamente impactadas. Exportadores dos EUA ganhariam competitividade, enquanto importadores sofreriam com custos mais altos. Já os bancos centrais, incluindo o Federal Reserve, teriam de lidar com os efeitos da desvalorização sobre a inflação e os fluxos de comércio.
Se a tendência se confirmar, o mundo poderá assistir a uma reconfiguração do sistema financeiro internacional, com maior diversidade de moedas de reserva e um papel reduzido do dólar como padrão global.
O cenário até 2026: entre riscos e oportunidades
O relatório do RBC projeta que o dólar poderá iniciar um ciclo de queda gradual até 2026, conforme os investidores ajustam suas carteiras e buscam novas fontes de retorno fora dos Estados Unidos.
Esse movimento pode beneficiar o euro, o iene japonês e até algumas moedas emergentes, especialmente de países com estabilidade fiscal e superávit comercial.
No entanto, o banco ressalta que a transição deve ser volátil e assimétrica, com períodos de recuperação pontual do dólar intercalados por quedas acentuadas. Em meio a essa instabilidade, o papel do investidor será o de adotar estratégias mais dinâmicas, capazes de responder rapidamente às mudanças nos fluxos de capital global.
Um novo ciclo à vista
A história mostra que o dólar é cíclico — alterna períodos de valorização intensa com fases de queda prolongada. O que o RBC sinaliza agora é que estamos nos aproximando do fim de um ciclo de alta e do início de uma fase de reprecificação global.
A combinação de ativos caros, mudanças geopolíticas e novos paradigmas de investimento cria as condições ideais para um ajuste que pode redefinir o valor da moeda americana no cenário internacional.
Se a previsão se confirmar, os próximos anos poderão marcar o início de uma era em que a queda do dólar deixará de ser exceção e passará a ser a regra — um movimento que afetará governos, corporações e investidores em escala mundial.






