Mais da metade dos autônomos e empreendedores querem voltar à CLT, revela pesquisa da Vox Populi
Uma pesquisa inédita do Instituto Vox Populi, encomendada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e outras centrais sindicais, revelou que 56% dos trabalhadores autônomos e empreendedores brasileiros gostariam de ter carteira assinada novamente, com todos os direitos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O levantamento mostra um cenário de insatisfação crescente com a precarização do trabalho informal e uma percepção realista sobre a instabilidade financeira enfrentada por quem atua fora do regime celetista.
O estudo, intitulado “O Trabalho no Brasil”, entrevistou 3.850 pessoas em todas as regiões do país entre maio e junho de 2025. Os dados revelam que, embora o discurso do empreendedorismo ainda seja forte, grande parte dos profissionais que se identificam como autônomos e empreendedores enxerga o trabalho formal como sinônimo de segurança, benefícios e estabilidade — algo que a informalidade não tem conseguido oferecer.
Realidade dos autônomos e empreendedores no Brasil
Segundo o levantamento, mais da metade dos entrevistados (56%) que hoje se consideram autônomos e já tiveram vínculo formal afirmaram que voltariam à CLT, caso tivessem a oportunidade. Esse percentual reflete o contraste entre o discurso do “empreendedorismo de sucesso” e a prática cotidiana da sobrevivência em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo e desprotegido.
Entre os trabalhadores do setor privado sem carteira assinada, a situação é ainda mais emblemática: 59,1% afirmaram que voltariam com certeza ao regime celetista, enquanto 30,9% disseram que poderiam retornar, dependendo das condições oferecidas.
Já entre os empreendedores por conta própria, 58,9% afirmaram que não voltariam a ter carteira assinada, mas 32,7% admitiram que poderiam reconsiderar, especialmente diante da falta de estabilidade e da ausência de benefícios previdenciários.
O impacto da precarização e a “saudade da CLT”
Para a CUT, os resultados da pesquisa indicam que o aumento do número de pessoas autônomas e microempreendedoras não está relacionado a uma opção consciente por independência, mas sim a um movimento de empurrão forçado para fora do mercado formal.
A avaliação é de que a precarização do trabalho, marcada por baixos salários, exigências excessivas de qualificação e longas jornadas, tem levado muitos profissionais a buscarem alternativas na informalidade — mesmo sem a proteção trabalhista garantida pela CLT.
A ausência de benefícios como férias remuneradas, 13º salário, FGTS e seguro-desemprego faz com que parte significativa desses trabalhadores veja o empreendedorismo como uma necessidade, e não como uma escolha.
Os autônomos e empreendedores também apontaram como principais problemas a falta de estabilidade financeira (64,7%), a ausência de benefícios (10%) e o excesso de trabalho sem descanso (9,4%).
A expressão “saudade da CLT” se tornou recorrente entre os entrevistados que, após anos atuando por conta própria, reconhecem o valor da formalização.
O mito do empreendedorismo e a percepção da sociedade
A pesquisa identificou uma contradição interessante: 53,4% dos entrevistados acreditam que os brasileiros preferem ser empreendedores, enquanto 40,1% entendem que a maioria gostaria de ter carteira assinada.
Essa diferença entre percepção e realidade reflete o impacto de discursos recentes que valorizam o empreendedorismo como símbolo de liberdade e sucesso pessoal, enquanto o trabalho com carteira assinada é muitas vezes visto como dependência ou falta de ambição.
No entanto, os dados revelam uma realidade mais dura: para milhões de brasileiros, empreender é uma forma de sobrevivência em meio à escassez de empregos formais.
Quem são os autônomos e empreendedores no Brasil
A pesquisa Vox Populi traçou um retrato detalhado do perfil desses trabalhadores. As principais ocupações entre os autônomos e empreendedores incluem:
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Ambulantes e sacoleiros
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Trabalhadores da construção civil (pedreiros, pintores, encanadores, reformistas)
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Cabeleireiros e barbeiros
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Comerciantes e pequenos varejistas
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Cozinheiros e produtores de alimentos (marmitas, doces, salgados e bolos)
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Artesãos
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Técnicos em TI (manutenção e conserto de computadores)
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Manicures, pedicures e depiladoras
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Mecânicos de carros e motos
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Profissionais faz-tudo, também conhecidos como “maridos de aluguel”
Essas categorias representam a espinha dorsal do trabalho informal brasileiro, com forte presença em centros urbanos e regiões metropolitanas.
Entre os entrevistados, 35,7% já tiveram carteira assinada anteriormente, 21,7% estavam desempregados antes de se tornarem autônomos, e 19,9% sempre trabalharam por conta própria.
Razões para o trabalho autônomo
As principais motivações para a escolha do trabalho autônomo ou empreendedor foram:
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Necessidade de ajudar financeiramente a família ou complementar a renda;
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Busca por melhor remuneração, diante dos salários baixos no mercado formal;
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Desejo de flexibilidade de horário;
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Falta de oportunidades de emprego na área de formação;
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Insatisfação com chefes e hierarquias empresariais.
Esses fatores reforçam o caráter mais forçado que voluntário do empreendedorismo no Brasil, especialmente entre as camadas mais vulneráveis da população.
As mulheres e o retorno ao mercado formal
O estudo também destacou a situação das mulheres fora do mercado de trabalho, que realizam atividades de cuidado não remunerado — como o cuidado com filhos e familiares. Entre elas, 52,2% afirmaram que preferem voltar ao mercado com carteira assinada, e 57,1% das estudantes expressaram o mesmo desejo.
Esses números revelam que a formalização ainda é vista como um caminho de dignidade e segurança social, especialmente entre as mulheres, que enfrentam maior instabilidade econômica.
Autonomia x segurança: o dilema moderno do trabalho
A valorização da autonomia e da flexibilidade é um dos principais argumentos usados para defender o trabalho autônomo. Entretanto, para muitos profissionais, essa liberdade tem se mostrado limitada e frágil diante da ausência de direitos trabalhistas e da instabilidade da renda.
Na prática, o que se observa é um desequilíbrio entre liberdade e segurança: o trabalhador autônomo ganha autonomia, mas perde proteção.
Esse dilema torna-se ainda mais evidente com a expansão de plataformas digitais e aplicativos de entrega e transporte, que ampliam o número de pessoas atuando sem vínculo formal.
O desafio das políticas públicas para o trabalho informal
Os resultados da pesquisa reforçam a urgência de políticas públicas que ofereçam proteção social aos autônomos e empreendedores, sem eliminar a flexibilidade que caracteriza essas atividades.
Especialistas em mercado de trabalho apontam que o Brasil precisa modernizar sua legislação trabalhista para contemplar novas formas de ocupação, sem reduzir os direitos conquistados.
Propostas como contribuições simplificadas à Previdência Social, seguro-desemprego para autônomos e planos de aposentadoria flexíveis estão entre as medidas sugeridas por entidades sindicais.
Além disso, o fortalecimento do Microempreendedor Individual (MEI) e a ampliação do acesso ao crédito são considerados fundamentais para sustentar quem escolhe empreender, mas deseja maior estabilidade.
O desejo por estabilidade em tempos de incerteza
A pesquisa “O Trabalho no Brasil” mostra que, por trás do discurso de liberdade e autonomia, existe uma realidade de vulnerabilidade e insegurança para a maioria dos autônomos e empreendedores.
O desejo de voltar à CLT revela que, mesmo em um cenário de transformação tecnológica e flexibilização das relações de trabalho, a estabilidade, os benefícios e a proteção social continuam sendo valores centrais para o trabalhador brasileiro.
Mais do que um dado estatístico, o levantamento traz um retrato social: o sonho do “negócio próprio” muitas vezes é substituído pela saudade da carteira assinada, símbolo de direitos e dignidade.






