Os discursos em defesa da ampliação do acesso a armas de fogo pela população civil dominaram os debates no Congresso Nacional na última década. Desde 2015, o pró-armamentismo teve 2,4 vezes mais pronunciamentos nas tribunas do que as falas contrárias ao uso de armas pelas pessoas comuns. A constatação é de um levantamento realizado pelo Instituto Fogo Cruzado.
Levantamento do Instituto Fogo Cruzado
De acordo com o estudo, entre 2015 e 2023, foram registrados 376 discursos de parlamentares a favor do armamento civil, representando 69% do total de pronunciamentos sobre o tema. Em contraste, houve 157 discursos (29%) contrários à ampliação do acesso da população civil a armas e 11 neutros (2%).
A pesquisa, que analisou discursos de 1951 a 2023, mostra que o debate sobre armas no Congresso começou a se intensificar a partir de 1997, impulsionado pelas discussões sobre o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), o Estatuto do Desarmamento e o referendo sobre comercialização de armas. No entanto, foi apenas a partir de 2015 que os discursos pró-armas começaram a predominar sobre as posições contrárias.
Período de 2015 a 2018: A Virada Pró-Armamentismo
Entre 2015 e 2018, foram registrados 272 discursos sobre armamento, dos quais 198 foram a favor da ampliação do acesso a armas (73%), 65 contra (24%) e nove neutros (3%). Terine Coelho, coordenadora de Pesquisa do Instituto Fogo Cruzado, destaca que foi nessa legislatura que houve uma virada significativa em favor do armamentismo. “Isso é uma novidade na história republicana brasileira. Do outro lado, parece que há uma passividade dos parlamentares pró-controle”, observa.
Governo Bolsonaro e a Mudança na Legislação
Com a ascensão ao poder do presidente Jair Bolsonaro, que é pró-armamentista, as discussões sobre o tema no Congresso recuaram entre 2019 e 2022. Foram registrados 173 discursos, sendo 103 a favor da ampliação do acesso às armas (60%), 68 contrários (39%) e dois neutros (1%). Segundo Terine, Bolsonaro adotou decretos para ampliar o comércio de armas, deixando o Congresso em uma posição coadjuvante. “No momento mais importante em relação à regulação do armamento civil desde o Estatuto do Desarmamento, o Congresso se comportou como se fosse coadjuvante dessa pauta”, afirma.
Debate em 2023: Retomada das Discussões
Em 2023, a discussão sobre armas de fogo voltou à tona, com um total de 99 discursos em apenas um ano, sendo 75 a favor do acesso da população civil às armas e 24 contra. Terine ressalta que os congressistas pró-armamento estão mais mobilizados do que nunca, enquanto o campo pró-controle parece acreditar que o tema está pacificado.
Entre os armamentistas, os discursos frequentemente abordaram o direito à defesa, o descontrole da segurança pública, o impacto do desarmamento no aumento da violência, os aspectos legais do uso de armas e a divisão entre bandidos e cidadãos de bem.
Argumentos e Mobilização
A pesquisa conclui que o debate sobre armas de fogo não está pacificado e continua a organizar o debate político no Brasil. “Hoje deputados e senadores [pró-armas] renovaram seus quadros e seus discursos e estão mais bem articulados, com novos argumentos”, afirma Terine.
Por outro lado, a participação dos parlamentares pró-controle de armas no debate é ínfima. Entre os argumentos apresentados por esse grupo estão o monopólio do uso da arma pela polícia, as consequências de uma maior circulação de armas para a segurança pública, a necessidade de uma solução mais ampla para a violência e os impactos para mulheres, população não-branca e em escolas.
A expansão do armamento civil é um fator central para aumentar a violência num país onde milhares de pessoas morrem por armas de fogo. O Instituto Fogo Cruzado alerta para a necessidade de um debate mais equilibrado e mobilizado no Congresso Nacional, visando à segurança pública e ao bem-estar da população.