Como Lula virou o jogo depois da crise do Pix e reconquistou as redes sociais
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva viveu uma verdadeira virada digital em 2025. Depois de enfrentar um dos maiores desgastes de imagem de seu terceiro mandato — a chamada crise do Pix —, o Palácio do Planalto conseguiu reorganizar sua estratégia de comunicação, aprender a “falar a língua da internet” e recuperar terreno perdido nas redes sociais.
Segundo levantamento da empresa de inteligência de dados Nexus, o ponto de inflexão ocorreu a partir de julho de 2025, quando o governo passou a adotar uma política de comunicação mais integrada, dinâmica e adaptada ao comportamento digital dos brasileiros.
O movimento representou o fim de um período de “derrota digital”, como classificou o CEO da Nexus, Marcelo Tokarski, e o início de uma nova fase de guerra estratégica pela narrativa nas redes sociais.
A crise do Pix: o episódio que acendeu o alerta no governo
A crise do Pix foi o estopim de uma das maiores turbulências digitais enfrentadas pelo governo Lula em 2025. A polêmica começou quando circulou nas redes sociais a proposta de taxação de transações via Pix, rapidamente interpretada como uma tentativa de penalizar usuários do sistema.
O vídeo do deputado Nicolas Ferreira (PL-MG), que viralizou em questão de horas, foi decisivo para acender a mobilização contrária ao governo. Hashtags de protesto dominaram o X (antigo Twitter), o Instagram e o TikTok, forçando o Planalto a recuar publicamente.
Esse episódio revelou o quanto o governo ainda estava desconectado da dinâmica das redes — e foi a partir dele que Lula decidiu reformar sua comunicação digital.
A virada digital: de reativa a estratégica
Após a crise do Pix, o governo passou por uma profunda reestruturação de sua política de comunicação. A ordem de Lula foi clara: “não reagir, agir antes”.
Desde então, a equipe passou a planejar campanhas e políticas públicas com base em como elas seriam recebidas digitalmente, antecipando possíveis repercussões e dominando a narrativa antes da oposição.
Entre as principais mudanças estão:
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Criação de núcleos de conteúdo digital em ministérios estratégicos;
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Integração de linguagem entre perfis oficiais e aliados políticos;
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Uso intensivo de vídeos curtos, memes e conteúdos emocionais para se aproximar do público jovem;
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Monitoramento em tempo real de redes sociais, com respostas rápidas a crises;
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Reforço na imagem pessoal de Lula, que passou a aparecer com mais frequência em vídeos e postagens diretas.
Essa transformação, descrita como “virada digital do Planalto”, trouxe resultados visíveis em poucos meses.
Gás para Todos e o uso de programas sociais como narrativa digital
O lançamento de programas de forte apelo popular, como o Gás para Todos, foi parte central da estratégia pós-crise do Pix. A comunicação governamental passou a humanizar as políticas públicas, destacando rostos, histórias e emoções.
As redes oficiais do governo e dos ministérios passaram a publicar vídeos curtos mostrando beneficiários reais dos programas sociais, com linguagem simples e visual atrativo — conteúdo desenhado para viralizar organicamente.
A abordagem deu certo: o governo ampliou sua taxa de engajamento positivo, especialmente entre públicos moderados e simpatizantes da esquerda que antes se mantinham afastados do debate político online.
Como Lula reconquistou o espaço perdido nas redes
O estudo da Nexus revela que, desde julho, o governo Lula passou a registrar engajamento estável e crescente, superando momentos de desgaste anteriores.
A presença digital de Lula nas plataformas foi intensificada: o presidente retomou o hábito de publicar vídeos diários, comentar pautas em alta e usar tom pessoal — uma estratégia semelhante à de figuras populares como Barack Obama e Gustavo Petro.
A linguagem mais direta e afetiva, combinada à coerência visual e narrativa entre ministérios, ajudou a reconstruir a credibilidade do governo online.
Enquanto isso, a direita digital entrou em fase de desorganização, com brigas entre grupos ligados a Jair Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado e Ratinho Júnior, o que reduziu a capacidade de coordenação de ataques coordenados.
Tokarski observa que o governo “aproveitou o vácuo digital” para reconstruir sua imagem.
Da crise do Pix ao aprendizado digital
A crise do Pix foi mais que um tropeço: foi um ponto de aprendizado estratégico.
O governo entendeu que não basta divulgar ações — é preciso contar histórias. A comunicação passou a ser desenhada com base em emoção, timing e segmentação, princípios essenciais para o sucesso digital.
Além disso, a Secretaria de Comunicação (Secom) implementou ferramentas de análise de dados e inteligência artificial para mapear sentimentos e ajustar mensagens em tempo real.
Esse modelo de gestão digital — que combina análise de engajamento, produção profissional e segmentação por público — se inspirou em práticas de marketing político internacional, mas adaptadas à cultura das redes brasileiras.
O papel de Lula: presença, carisma e autenticidade
A mudança também envolveu o próprio presidente. Lula voltou a participar ativamente das redes sociais, com vídeos curtos, bastidores e até respostas diretas a críticas.
A presença mais autêntica do presidente, com linguagem popular e tom conciliador, reforçou a imagem de proximidade e liderança.
Nos bastidores, a equipe de comunicação reconhece que Lula é um dos poucos líderes políticos capazes de gerar engajamento orgânico sem depender de grandes investimentos em impulsionamento.
Essa autenticidade — característica marcante desde os tempos de sindicalista — é um diferencial estratégico na disputa digital, principalmente após o desgaste gerado pela crise do Pix.
O ambiente digital da direita em crise
Enquanto o governo recuperava terreno, a direita digital enfrentava sua pior fase desde 2022. As divisões internas e a ausência de uma liderança clara fragmentaram a base de apoiadores.
A desorganização entre bolsonaristas reduziu a força das campanhas coordenadas, e os algoritmos passaram a priorizar outros tipos de conteúdo, diluindo a presença política.
Segundo a Nexus, o governo conseguiu preencher parte desse espaço, atingindo picos de engajamento positivo em temas como programas sociais, economia e inclusão digital — temas negligenciados pela oposição.
Disputa digital e cenário para 2026
A análise de Tokarski indica que a disputa digital tende a se equilibrar novamente em 2026, com a aproximação das eleições municipais.
A direita deve reagir com novas estratégias de segmentação e mobilização, mas o governo agora domina o jogo e fala a mesma língua das redes.
“O desequilíbrio que existia após a crise do Pix acabou. Hoje o campo digital é mais plural e competitivo”, avalia o especialista.
Para Lula, essa conquista representa mais que um avanço comunicacional: é uma vitória simbólica sobre o território digital, historicamente dominado por seus adversários.
Comunicação integrada: o novo modelo do Planalto
A nova estrutura de comunicação do governo foi desenhada para ser multiplataforma, ágil e coordenada.
Entre os pilares dessa transformação estão:
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Unificação das mensagens entre ministérios;
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Calendário digital permanente com temas semanais e hashtags estratégicas;
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Criação de uma “sala de situação digital” para acompanhar tendências;
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Treinamento de porta-vozes e influenciadores aliados;
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Integração entre mídias tradicionais e redes sociais.
O resultado é um governo que não apenas reage, mas pauta a agenda digital, controlando o fluxo de informações antes que narrativas negativas se consolidem.
Da crise à consolidação digital
A crise do Pix representou um divisor de águas para o governo Lula. De um episódio de desgaste, nasceu uma estratégia sólida de comunicação, pautada por dados, linguagem popular e presença constante nas redes.
A virada digital simboliza o amadurecimento de uma gestão que compreendeu o poder da narrativa online como ferramenta política central.
Com a esquerda fortalecida e o campo digital mais equilibrado, o Brasil entra em uma nova era de disputa política nas redes — menos improviso e mais estratégia.
O governo que um dia foi vítima do Pix agora é protagonista da nova comunicação digital brasileira.






