Suprema Corte dos EUA questiona tarifas de Trump e pode redefinir a política comercial americana
A Suprema Corte dos Estados Unidos abriu nesta semana um capítulo decisivo na disputa sobre a legalidade das tarifas de Trump, um dos pilares da política econômica do ex-presidente norte-americano. O julgamento, que poderá alterar profundamente as relações comerciais dos EUA com dezenas de países, expôs forte ceticismo entre os ministros da Corte sobre o alcance dos poderes presidenciais para impor tarifas unilaterais.
O caso, que ficou conhecido como o julgamento das tarifas do “Dia da Libertação”, pode derrubar as medidas econômicas mais emblemáticas da gestão Trump, com impactos diretos sobre empresas americanas, governos estrangeiros e mercados globais. Estima-se que uma eventual decisão contra o ex-presidente gere reembolsos bilionários a empresas afetadas e redefina o uso do International Emergency Economic Powers Act (IEEPA) — lei que dá ao presidente poderes amplos em emergências nacionais.
O julgamento das tarifas de Trump
Durante a audiência, realizada na quarta-feira (5), os ministros da Suprema Corte ouviram argumentos orais de representantes do governo Trump, de pequenas empresas afetadas e de estados norte-americanos liderados por democratas.
O foco do julgamento é a legalidade das tarifas impostas sob o IEEPA, que foram aplicadas a uma ampla gama de produtos importados de países como China, Canadá, México, Brasil e Índia. A administração Trump justificou a medida como parte de uma “emergência econômica”, argumentando que o aumento das importações representava risco à segurança nacional dos Estados Unidos.
As tarifas começaram a ser aplicadas em abril de 2025 e entraram plenamente em vigor em agosto do mesmo ano, atingindo quase todas as importações estrangeiras.
Apesar das críticas de economistas e do impacto negativo sobre pequenas empresas, o governo arrecadou US$ 195 bilhões (R$ 1,05 trilhão) em tarifas no último ano fiscal. No entanto, as medidas elevaram preços para o consumidor e criaram tensões diplomáticas com aliados históricos de Washington.
O que está em jogo
A Suprema Corte deve decidir se o ex-presidente Trump tinha autoridade legal para impor tarifas com base no IEEPA. O tribunal avaliará também se as medidas se enquadram em uma “emergência nacional” e se o Executivo extrapolou seus poderes ao taxar importações sem aprovação do Congresso.
Se as tarifas de Trump forem consideradas inconstitucionais, empresas que já pagaram os tributos poderão solicitar reembolsos e o governo será obrigado a reformular completamente sua política tarifária.
O caso não se restringe apenas à política de Trump: uma decisão restritiva da Corte pode limitar o poder de futuros presidentes de aplicar tarifas sob justificativa de segurança nacional, alterando décadas de precedentes jurídicos no comércio exterior dos EUA.
Ceticismo na Suprema Corte
Durante a sessão, ministros conservadores — em tese mais alinhados a Trump — expressaram dúvidas sobre o alcance das medidas. O presidente da Corte, John Roberts, questionou a alegação de que tarifas não seriam equivalentes a impostos, observando que a arrecadação gerada pelas taxas desempenha papel relevante na redução do déficit fiscal.
A ministra Amy Coney Barrett destacou a amplitude das tarifas impostas “a quase todos os países estrangeiros”, classificando a medida como “excessiva e desproporcional”. Já o ministro Neil Gorsuch levantou preocupação com a possibilidade de a decisão abrir precedentes para uma “acumulação perigosa de poder no Executivo”, caso o tribunal reconheça a autoridade presidencial ilimitada sob o IEEPA.
Mesmo ministros moderados, como Brett Kavanaugh, demonstraram desconforto com os argumentos do governo, afirmando que a histórica concentração de poderes tarifários no Executivo poderia ser revista.
Apesar disso, a Corte também sinalizou que não pretende eliminar completamente a prerrogativa presidencial de agir em situações excepcionais.
O argumento do governo Trump
A defesa do ex-presidente sustentou que as tarifas do “Dia da Libertação” foram essenciais para proteger a indústria americana e reduzir a dependência externa, sobretudo da China.
Trump e seus assessores afirmam que o caso representa uma “ameaça existencial” à economia dos Estados Unidos, alegando que a revogação das tarifas enfraqueceria a posição do país nas negociações comerciais globais.
O ex-presidente declarou que uma eventual decisão contrária poderia causar “prejuízos imensuráveis” à economia norte-americana, reiterando que “segurança nacional é segurança econômica”.
O secretário do Tesouro, Scott Bessent, compareceu à Corte em defesa do governo, argumentando que as tarifas eram medida legítima de proteção e parte da estratégia de “reindustrialização” iniciada na gestão Trump.
O impacto econômico das tarifas
As tarifas de Trump elevaram os custos de importação e impactaram diretamente setores como tecnologia, automóveis, aço, agricultura e varejo. Pequenas empresas americanas relataram dificuldades em repassar os aumentos de custo, enquanto multinacionais tiveram de reorganizar cadeias de suprimentos.
Segundo estimativas de consultorias financeiras, a política tarifária da administração Trump aumentou o custo médio de vida nos EUA em 2,5% e reduziu o PIB em cerca de 0,7%. Ainda assim, o governo insiste que as medidas fortaleceram o setor industrial e geraram empregos em regiões afetadas pela desindustrialização.
Países como Brasil, China e Índia sofreram impacto desigual. No caso brasileiro, a Casa Branca concedeu isenções parciais para produtos agrícolas e siderúrgicos, amenizando os efeitos diretos das tarifas. Já a China enfrentou taxas superiores a 50% em algumas categorias, intensificando a disputa comercial entre as duas potências.
As implicações jurídicas e políticas
O caso tem potencial para redefinir a separação de poderes nos Estados Unidos. Caso a Suprema Corte considere que Trump extrapolou sua autoridade, o tribunal poderá estabelecer limites mais rígidos à aplicação do IEEPA.
Essa decisão afetaria não apenas as tarifas de Trump, mas também futuras sanções impostas por presidentes em nome da “segurança nacional”.
Analistas políticos afirmam que o julgamento representa um divisor de águas para o futuro da política comercial americana. Uma decisão contra Trump pode sinalizar maior controle do Congresso sobre o comércio internacional, reduzindo a margem de manobra da Casa Branca.
Ao mesmo tempo, o veredicto terá forte peso eleitoral, especialmente caso o ex-presidente concorra novamente à Casa Branca. O tema divide o eleitorado entre defensores do protecionismo e críticos do aumento de preços ao consumidor.
O que pode acontecer se as tarifas caírem
Se a Suprema Corte declarar as tarifas ilegais, o governo americano poderá buscar alternativas legais para reimpor medidas semelhantes, mas com base em leis mais específicas e restritivas.
Entre as opções estão o Trade Expansion Act de 1962 e o Trade Act de 1974, que permitem ao presidente adotar tarifas em setores específicos, como aço e automóveis. Essas legislações, no entanto, exigem consultas formais ao Congresso e à Organização Mundial do Comércio (OMC), o que tornaria o processo mais lento e politicamente desgastante.
Além disso, empresas afetadas teriam direito a reembolso integral das taxas já pagas, algo que poderia custar centenas de bilhões de dólares ao Tesouro americano.
Quando sai a decisão
Embora a Suprema Corte costume levar meses para deliberar sobre casos complexos, especialistas acreditam que a decisão sobre as tarifas de Trump pode sair mais cedo que o previsto.
O veredicto final deve ser anunciado até junho de 2026, antes do fim do atual mandato dos ministros.
A rapidez com que o tribunal aceitou o caso foi interpretada como um sinal da relevância e urgência do tema, considerando os impactos econômicos e políticos globais.
Repercussão internacional
O julgamento é acompanhado de perto por governos de todo o mundo, especialmente por China, União Europeia, Brasil e Índia, países que enfrentaram sobretaxas diretas.
Diplomatas em Washington afirmam que a decisão da Corte poderá redefinir as relações comerciais dos EUA e influenciar o comportamento de outros líderes populistas que utilizam tarifas como instrumento político.
A Organização Mundial do Comércio (OMC) também monitora o caso com atenção, uma vez que a decisão pode reforçar a autoridade da instituição como mediadora de disputas comerciais — ou, ao contrário, enfraquecê-la, caso o tribunal valide os poderes presidenciais amplos.
O julgamento das tarifas de Trump representa um dos momentos mais decisivos para a política econômica e institucional dos Estados Unidos nas últimas décadas.
Independentemente do resultado, o caso deixará uma marca profunda: se a Suprema Corte limitar o poder presidencial, será um passo histórico em direção ao equilíbrio entre Executivo e Legislativo; se validar as tarifas, abrirá um precedente sem precedentes para futuras administrações ampliarem unilateralmente o controle sobre o comércio exterior.
Enquanto o mundo aguarda a decisão, empresas e investidores mantêm a atenção voltada para Washington — onde o futuro do comércio global pode estar prestes a mudar.






