Copom adia perspectivas e indica que corte de juros só virá depois do Carnaval
A última reunião do ano do Comitê de Política Monetária (Copom) confirmou o que analistas mais conservadores já previam: a taxa Selic permanecerá em 15% ao ano, e um eventual corte de juros só deve ocorrer após o Carnaval. O cenário econômico atual, marcado por inflação resistente, expectativas desancoradas e incertezas fiscais, levou o Banco Central (BC) a adotar uma postura mais cautelosa, alinhando-se a um ambiente doméstico e internacional repleto de variáveis sensíveis.
O comunicado divulgado após o encontro mostrou uma leitura firme da autoridade monetária sobre os riscos inflacionários, evidenciando que o balanço de riscos segue desfavorável. Ainda que a inflação tenha apresentado certa desaceleração, seus componentes subjacentes continuam pressionados, especialmente no setor de serviços, tradicionalmente mais sensível ao ciclo econômico. A intensa resiliência do mercado de trabalho, que mantém salários aquecidos, reforça as preocupações do Comitê.
Esse conjunto de fatores deixa claro que não há, no curto prazo, margem técnica suficiente para que o Banco Central inicie um processo de flexibilização monetária. Assim, o Copom preferiu observar as próximas movimentações do mercado, aguardar sinais de acomodação mais consistente da inflação e voltar a discutir mudanças somente na segunda reunião do ano, marcada para março.
Um comunicado sem surpresas — e sem sinalizações
Se, por um lado, a manutenção da Selic já era tida como certa, por outro, parte dos investidores acreditava que o Copom ao menos ofereceria alguma indicação sobre o início da trajetória de baixa. Mas não foi o que ocorreu. O documento repetiu, literalmente, uma expressão considerada decisiva: a política monetária deve permanecer em um patamar “significativamente contracionista por período bastante prolongado”.
Essa repetição, sem qualquer ajuste ou nuance, reforçou a percepção de que o BC não está disposto a antecipar movimentos. A leitura do mercado foi imediata: se havia alguma expectativa de flexibilização no início do próximo ano, ela foi inteiramente descartada. O Comitê optou por manter a comunicação rígida, sinalizando que não cederá à pressão por ajustes apressados.
O cenário de outubro, portanto, permanece praticamente inalterado. O BC reconhece que os juros elevados estão produzindo efeito, mas enfatiza que o processo de desinflação ainda exige cautela. A projeção do Comitê para a inflação do segundo trimestre de 2027, horizonte relevante para tomadas de decisão, caiu levemente de 3,3% para 3,2%. Apesar disso, as expectativas dos agentes econômicos continuam distantes da meta, indicando que a política monetária precisa seguir pressionada.
Desafios internos: mercado de trabalho, cenário fiscal e eleições
Três elementos internos pesam de forma significativa na análise do BC:
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Resiliência do mercado de trabalho, que impede um arrefecimento mais rápido da inflação de serviços.
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Desorganização fiscal, que aumenta o prêmio de risco do país e limita o espaço para cortes.
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Ano eleitoral em 2026, fator que gera incertezas adicionais sobre compromissos fiscais, fluxo de capitais e expectativas de mercado.
Diante da combinação desses fatores, qualquer movimento precipitado poderia reacender pressões inflacionárias, frustrando o trabalho de meses de aperto monetário. Assim, o Comitê preferiu sinalizar que nada ocorrerá na primeira reunião do ano — o que deixa março como o momento mais provável para qualquer decisão.
A influência do cenário internacional
A quarta-feira também foi marcada pela última reunião do Federal Open Market Committee (Fomc), o equivalente norte-americano ao Copom. Diferentemente do Brasil, os Estados Unidos decidiram reduzir seus juros em 0,25 ponto percentual, passando o intervalo para entre 3,50% e 3,75% ao ano.
Apesar da decisão, o ponto mais relevante veio na entrevista coletiva. Jerome Powell afirmou não acreditar em novas altas de juros no cenário-base, o que trouxe alívio aos mercados globais. As bolsas reagiram imediatamente, tanto nos EUA quanto no Brasil, impulsionadas pela perspectiva de estabilização do ambiente monetário americano.
Para o Brasil, o panorama internacional exerce dupla influência: reduz pressões cambiais e diminui parte do prêmio de risco, mas ainda não elimina os obstáculos internos. A sinalização do Fed abre uma janela positiva, mas o Banco Central brasileiro não considera o movimento como justificativa suficiente para iniciar um ciclo de cortes antes de observar melhor a evolução doméstica.
Indicadores reforçam o ambiente de cautela
Os dados mais recentes do varejo mostraram uma retração mensal de 0,2% e queda de 0,5% no acumulado de 12 meses. As leituras refletem a desaceleração do consumo, comum em períodos de juros elevados, mas ainda não traduzem uma reversão consistente que permitiria ao BC flexibilizar a política monetária.
Os pedidos iniciais de seguro-desemprego nos EUA, que avançaram de 191 mil para 220 mil, também reforçam a leitura de leve desaquecimento na economia americana. Mas, novamente, esses movimentos não são suficientes para alterar a estratégia do Copom no curto prazo.
Por que o corte só deve vir após o Carnaval?
A decisão de aguardar até março decorre da necessidade de observar:
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o comportamento da inflação no início do ano, período tradicionalmente mais sensível;
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reajustes sazonais de preços administrados;
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negociações salariais que influenciam serviços;
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definição mais clara sobre a trajetória fiscal;
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impactos da política monetária americana;
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volatilidade pré-eleitoral.
O Carnaval funciona como um marco temporal. A primeira reunião de janeiro ocorre antes do feriado, em um ambiente ainda nebuloso para interpretação de dados. A segunda reunião, marcada para março, permitirá ao Comitê analisar informações mais robustas do trimestre, o que oferece segurança adicional para tomar decisões.
Assim, o BC evita movimentos arriscados e mantém firme a política contracionista, buscando alinhar expectativas e consolidar a trajetória de desinflação.
Perspectivas para os próximos meses
O Brasil deve atravessar o início de 2026 com juros elevados. A inflação pode continuar desacelerando, mas a ancoragem das expectativas é o aspecto mais importante na avaliação do BC. A comunicação rígida reforça a intenção de garantir que o processo desinflacionário continue, sem brechas para interpretações equivocadas.
O mercado, por sua vez, deve ajustar projeções e acompanhar atentamente não apenas os dados econômicos, mas também sinais do governo sobre responsabilidade fiscal. A manutenção de um ambiente estável é essencial para reduzir incertezas e permitir que cortes mais consistentes ocorram no segundo semestre.
Para investidores, empresas e consumidores, o recado é claro: a política monetária seguirá restritiva por algum tempo. A estratégia busca preservar a credibilidade da autoridade monetária e evitar qualquer movimento que comprometa a trajetória inflacionária.






