A crescente demanda europeia por gás natural liquefeito (GNL) para compensar a perda de gás canalizado russo elevou os preços da commodity para além do alcance de muitos compradores em regiões de baixa renda, como o sul e o sudeste da Ásia, levando alguns deles de volta a uma alta dependência do carvão, dizem agentes do setor.
“Obviamente, a Europa precisa pegar o máximo de gás que puder, porque perdeu todo o gás do gasoduto da Rússia”, disse Russell Hardy, executivo-chefe (CEO) da Vitol, a maior comercializadora independente de energia do mundo, na conferência Energy Asia 2023 em Kuala Lumpur.
“A sede da Europa por GNL tirou parte do suprimento permanente da Ásia, além de todo o novo suprimento dos Estados Unidos, e absorveu tudo”, disse Hardy na segunda-feira, dia de abertura do evento. “A Ásia ainda estará acessando GNL em 2023, mas o preço será muito mais alto.”
Os preços spot asiáticos de GNL caíram de seu recorde de US$ 70 por milhão de unidades térmicas britânicas (Btu) em agosto passado. Os preços de referência do Japão/Coreia Marker (JKM) tiveram uma média de US$ 18 por milhão de Btu entre janeiro e março, de acordo com a Agência Internacional de Energia, e caíram ainda mais nas últimas semanas. Mas os preços continuam historicamente altos e podem subir novamente se o inverno na Europa for mais rigoroso do que no ano passado, quando foi ameno.
Hardy disse que os altos preços estão suprimindo o consumo de GNL da Ásia, que deve aumentar de 252 milhões de toneladas em 2022 para 260 milhões de toneladas este ano – ainda abaixo de 272 milhões de toneladas em 2021.
“A Ásia está acessando hoje menos gás do que poderia acessar em 2021”, disse ele. “Esse é um tipo de indicação de desigualdade.”
A Europa evitou uma crise de energia no inverno passado com novos suprimentos de GNL dos Estados Unidos e do Catar, que emergiram como os dois maiores fornecedores de gás do mundo, já que a Rússia reduziu drasticamente seu fornecimento de gás para a Europa após a invasão da Ucrânia.
Os palestrantes da conferência, no entanto, enfatizaram que uma crise de GNL atingiu alguns mercados de baixa renda.
“A mensagem dos formuladores de políticas europeus é: ‘Lidamos bem com essa situação, evitamos apagões'”, disse Michael Stoppard, líder de estratégia global de gás da S&P Global. “Mas, na verdade, houve apagões. Os apagões ocorreram em certos mercados da Ásia, particularmente no sul da Ásia, onde o GNL foi desviado para os mercados europeus que pagam mais.”
Patrick Pouyanne, CEO da petroleira francesa TotalEnergies, disse que a Ásia em geral tem sido fundamental para o crescimento do mercado global de GNL. Visto como um combustível para a transição energética, antes das recentes perturbações do mercado, o consumo de GNL vinha aumentando na região, enquanto tentava reduzir sua forte dependência do carvão.
“E então a Europa pegou um pouco de GNL de Bangladesh, Vietnã, Tailândia e os preços subiram”, disse Pouyanne. “Nós pressionamos esses países a precisar de mais carvão.”
“Espero que a Europa tenha um inverno menos rigoroso, ou não haverá outro jeito a não ser tirar mais energia da Ásia”, disse ele.
Octavio Simões, CEO da produtora de gás natural americana Tellurian, disse que Paquistão, Sri Lanka, Indonésia e até mesmo o Japão e a Coreia do Sul queimaram muito mais carvão devido à privação de suprimentos acessíveis de GNL.
“E alguns países como o Paquistão estão abandonando completamente sua estratégia de gás natural de longo prazo e decidindo desenvolver suas reservas de carvão”, disse Simões na terça-feira.
Tengku Muhammad Taufik, CEO do grupo da petrolífera estatal malaia Petronas, levantou na segunda-feira preocupações sobre a sustentabilidade a longo prazo do fornecimento de gás natural na região com a atual situação de “subinvestimento” no setor de petróleo e gás.
Ele disse que algumas instituições financeiras temem que o dinheiro investido em projetos de petróleo e gás seja capital ocioso. Enquanto isso, como disseram outros participantes do setor, os desenvolvimentos de energia renovável e os esforços de descarbonização entre as empresas de energia na Ásia não progrediram tão rápido quanto o esperado.