Embargos infringentes: defesa de Bolsonaro estuda recurso para tentar reverter condenação no STF
A equipe jurídica do ex-presidente Jair Bolsonaro iniciou uma nova rodada de articulação para tentar reverter a condenação imposta pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Após o prazo para apresentação de um novo conjunto de embargos de declaração ter expirado na segunda-feira (24), os advogados passaram a avaliar a possibilidade de ingressar com embargos infringentes, uma estratégia que busca rediscutir o mérito do julgamento e reabrir a discussão sobre pontos considerados decisivos pela defesa.
A movimentação ocorre em meio a uma escalada de acontecimentos que se intensificou desde a prisão preventiva decretada no sábado (22), após a Polícia Federal apontar violação da tornozeleira eletrônica e risco concreto de fuga. O cenário jurídico do ex-presidente tornou-se ainda mais sensível diante da possibilidade de início imediato da execução da pena caso o STF considere que novos recursos tenham caráter meramente protelatório.
Defesa muda rota e considera nova estratégia
A opção inicial da equipe jurídica era apresentar um segundo conjunto de embargos de declaração. Esse tipo de recurso é tradicionalmente utilizado para esclarecer pontos omissos, contraditórios ou obscuros da decisão. Entretanto, como a Primeira Turma rejeitou de forma unânime os primeiros embargos, apresentados no início de novembro, a equipe concluiu que insistir na mesma via processual teria baixa probabilidade de êxito.
Assim, os advogados passaram a trabalhar em uma alternativa considerada mais arriscada, porém potencialmente mais capaz de desencadear uma nova rodada de discussão no Supremo: os embargos infringentes. Esse recurso, previsto no regimento interno da Corte, ficou conhecido nacionalmente durante o julgamento do Mensalão, quando permitiu que alguns réus obtivessem redução de pena após a reanálise da matéria.
Apesar disso, o entendimento atual do STF restringe o uso dos embargos infringentes a situações específicas — especialmente quando há ao menos dois votos pela absolvição. No caso do julgamento do núcleo considerado crucial da tentativa de golpe, apenas o ministro Luiz Fux divergiu parcialmente, votando pela absolvição de seis dos oito condenados, incluindo Bolsonaro.
A defesa, porém, pretende usar exatamente essa divergência como base para argumentar que há controvérsia suficiente para o cabimento dos embargos infringentes. Para os advogados, a existência de um voto divergente deve ser entendida como um sinal de que pontos centrais do processo merecem nova discussão.
Voto de Luiz Fux será base do novo recurso
A estratégia adotada pela defesa de Bolsonaro passa pela tentativa de ampliar o entendimento da Corte sobre o uso dos embargos infringentes. A equipe pretende sustentar que a divergência apresentada por Fux, ainda que isolada, evidencia a necessidade de rediscutir elementos essenciais da condenação.
– a interpretação do conjunto de provas;
– a participação direta de Bolsonaro no núcleo de articulação;
– a aplicação de agravantes penais;
– a extensão da responsabilidade atribuída ao ex-presidente.
Os advogados consideram que esses elementos, combinados, formam a base para justificar o ingresso dos embargos infringentes. A intenção é provocar um debate mais amplo no plenário da Corte, ainda que o entendimento predominante seja restritivo.
Moraes pode rejeitar o recurso e ordenar execução imediata
A eventual apresentação dos embargos infringentes não garante que o recurso será analisado. O ministro Alexandre de Moraes, relator dos processos, pode considerar que não cabe a utilização da ferramenta no caso, seguindo a jurisprudência mais recente. Se entender que o recurso tem caráter protelatório, pode determinar o trânsito em julgado da decisão e autorizar a execução imediata da pena.
Esse risco é reconhecido pela própria defesa, que tenta calibrar o tom do recurso para evitar que seja interpretado como tentativa de atrasar o cumprimento da sentença. Caso o ministro entenda que o prazo para questionamentos foi esgotado com o fim dos embargos de declaração, pode ordenar que Bolsonaro comece a cumprir a pena referente à condenação de setembro.
Outros réus seguem caminhos distintos
Enquanto a defesa de Bolsonaro ainda avalia qual formato final apresentará ao STF, advogados de outros réus já protocolaram seus pedidos. Há uma diversidade de estratégias:
– Almir Garnier apresentou apenas embargos infringentes;
– Paulo Sérgio Nogueira e Augusto Heleno optaram por novos embargos de declaração;
– Walter Braga Netto registrou embargos de declaração e embargos infringentes;
– Anderson Torres indicou que apresentará embargos infringentes antes do fim do prazo.
O movimento diferenciado entre os réus evidencia que o caso envolve múltiplas interpretações sobre o alcance dos recursos possíveis. O núcleo considerado crucial da tentativa de golpe concentra as maiores tensões, já que é nele que se enquadram as figuras com maior protagonismo político e institucional.
Linha do tempo: como Bolsonaro chegou à prisão preventiva
O ex-presidente está preso desde sábado (22), na Superintendência da Polícia Federal em Brasília. A ordem partiu de Alexandre de Moraes, que considerou dois fatores decisivos:
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Violação da tornozeleira eletrônica
A PF identificou tentativa do ex-presidente de abrir a “case” do equipamento, interpretando o ato como tentativa de burlar a fiscalização. -
Risco de fuga
A análise citou atos e movimentações que, combinados, sugeriam a possibilidade de evasão do país.
Esse conjunto de elementos levou à substituição da prisão domiciliar, imposta em agosto, por prisão preventiva de caráter imediato.
Entenda a controvérsia sobre os embargos infringentes
Os embargos infringentes são um recurso previsto no direito penal para contestar decisões não unânimes. Historicamente, eles funcionam como uma espécie de “segunda chance” para o réu, permitindo que divergências relevantes entre ministros sejam analisadas novamente.
No entanto, o Supremo vem restringindo o uso da ferramenta. A jurisprudência predominante hoje entende que eles só são cabíveis quando:
– há ao menos dois votos favoráveis à absolvição;
– a matéria em debate é substancial e pode alterar o resultado;
– a divergência é consistente e não apenas pontual.
No caso de Bolsonaro, há apenas um voto divergente — o do ministro Luiz Fux. É justamente essa limitação que a defesa pretende contestar, argumentando que a complexidade do caso e a amplitude das acusações devem permitir uma interpretação mais aberta.
Próximos passos no STF
O prazo final para a apresentação dos embargos infringentes termina em 3 de dezembro. Até lá, a defesa trabalha na redação final do recurso, enquanto monitora a movimentação dos demais réus e o posicionamento do STF.
O caminho mais provável, segundo analistas jurídicos, é que Moraes rejeite o recurso por falta de previsão regimental expressa. Ainda assim, a defesa tenta criar um ambiente de debate interno na Corte, usando a divergência de Fux como foco central.
Caso os embargos infringentes sejam aceitos — cenário considerado improvável, mas não impossível — o processo poderá ser reaberto, com reexame de pontos específicos da condenação.
Impacto político da estratégia jurídica
A discussão sobre o uso dos embargos infringentes ocorre em um ambiente politicamente altamente polarizado. A prisão preventiva intensificou o debate sobre o alcance das decisões do STF e mobilizou a base política do ex-presidente, que passou a pressionar por respostas rápidas.
A insistência no recurso evidencia a tentativa de não apenas buscar a reversão da condenação, mas também manter o tema no centro do debate público, criando margem para novos desdobramentos políticos.
O pano de fundo: tentativa de golpe e núcleo crucial
A condenação de Bolsonaro pela Primeira Turma está vinculada à participação no núcleo considerado crucial da tentativa de golpe. O julgamento concluiu pela responsabilidade do ex-presidente na articulação, promoção e incentivo a ações destinadas a subverter o resultado eleitoral.
A pena imposta — 27 anos e três meses — reflete a avaliação da Corte de que o crime praticado possui gravidade institucional elevada, com potencial de comprometer a estabilidade democrática.
A defesa insiste que não há elementos suficientes para sustentar essa interpretação, argumento que será reforçado no pedido de embargos infringentes.
Possibilidade de execução imediata da pena
Uma consequência direta da não apresentação de embargos de declaração dentro do prazo é a possibilidade de execução imediata da pena. o relator pode considerar que o encerramento das vias recursais impede nova contestação, abrindo caminho para a ordem de cumprimento imediato da condenação.
Esse é o ponto que torna a estratégia dos embargos infringentes arriscada. Se Moraes considerar o recurso incabível ou meramente protelatório, a decisão pode acelerar ainda mais a execução da pena.






