MPF investiga evento sobre genocídio palestino em universidade federal e reacende debate sobre liberdade acadêmica
O Ministério Público Federal (MPF) abriu um inquérito para apurar a realização de um evento promovido pelo Centro Estudantil de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), intitulado “1 ano da Atual Fase do Genocídio Palestino e a resistência frente ao Sionismo Israelense: O que mudou”. O caso, que ocorreu em outubro de 2024, voltou ao centro das discussões políticas e acadêmicas do país por envolver temas sensíveis como liberdade de expressão, liberdade acadêmica e intolerância religiosa.
A investigação foi instaurada após denúncia apresentada por um vereador de Porto Alegre, filiado ao partido Novo, que solicitou ao MPF a apuração de possíveis “indícios de intolerância religiosa e discurso antissemita”. O episódio reacendeu discussões sobre os limites da crítica política em instituições públicas de ensino e o papel do Estado na mediação de debates sobre o conflito entre Israel e Hamasng>.
O evento e o contexto político da investigação
Realizado em 10 de outubro de 2024, o evento sobre o suposto “genocídio palestino” teve como objetivo discutir as transformações geopolíticas e humanitárias decorrentes da guerra na Faixa de Gaza. A mesa contou com professores, pesquisadores e um representante da Federação Árabe Palestina do Brasil, além de estudantes de Relações Internacionais da própria universidade.
Segundo o Centro Estudantil de Relações Internacionais da UFRGS, o debate foi planejado para analisar criticamente o primeiro ano da nova fase do conflito entre Israel e Hamas, com foco nas consequências humanitárias e no papel da diplomacia internacional. O título provocativo do evento, entretanto, gerou forte repercussão fora do meio acadêmico, sendo interpretado por alguns setores como uma manifestação de teor político e ideológico.
Com base nessa repercussão, o MPF decidiu instaurar uma investigação preliminar para avaliar se houve violação a leis que tratam da promoção de intolerância religiosa ou da propagação de discursos de ódio — especialmente contra a comunidade judaica.
Liberdade de expressão e o papel das universidades públicas
O caso coloca em pauta uma discussão recorrente no Brasil: até que ponto a liberdade de expressão e a autonomia universitária podem coexistir com os limites impostos pela legislação sobre discurso discriminatório.
Especialistas em direito constitucional lembram que a liberdade acadêmica é um dos pilares da Constituição Federal, assegurando o livre exercício do pensamento e da pesquisa dentro das universidades. No entanto, alertam que esse direito não é absoluto e deve respeitar os princípios de tolerância e convivência democrática.
Para o MPF, a abertura de um inquérito não implica em juízo de valor ou censura ao evento, mas sim em uma apuração de rotina sobre possíveis irregularidades na condução do debate e na utilização de recursos públicos para a realização da atividade.
O conflito Israel x Hamas como pano de fundo
A investigação ocorre em meio a um cenário internacional de forte polarização sobre o conflito entre Israel e o Hamas. Desde o ataque do grupo palestino em outubro de 2023, que deixou milhares de mortos e levou Israel a lançar uma ofensiva militar em Gaza, o mundo acompanha com preocupação o agravamento da crise humanitária na região.
Relatórios de organizações internacionais, como a ONU, apontam para o aumento expressivo de vítimas civis e alertam sobre a escassez de alimentos, energia e medicamentos. A expressão “genocídio palestino”, utilizada por ativistas e grupos de direitos humanos, é motivo de controvérsia, sendo rejeitada por autoridades israelenses e por grande parte da comunidade diplomática ocidental.
A escolha do termo no título do evento da UFRGS foi, portanto, o principal ponto de atrito, interpretado por alguns como um posicionamento político explícito e, por outros, como uma tentativa legítima de promover reflexão crítica sobre a guerra.
Posicionamento da UFRGS e reações da comunidade acadêmica
A UFRGS informou que ainda não foi oficialmente notificada sobre o andamento da investigação, mas reforçou que todos os eventos realizados em seu campus devem seguir os princípios de pluralidade e respeito às diferenças. A instituição destacou também que os centros acadêmicos possuem autonomia para organizar debates e atividades estudantis, desde que observem as normas internas e o Código de Ética da universidade.
Professores e estudantes se manifestaram em defesa da autonomia universitária, alegando que a abertura de um inquérito por parte do MPF pode representar um risco de censura a temas de relevância global. Já representantes de entidades judaicas no Brasil defenderam a apuração rigorosa do caso, argumentando que o termo “genocídio” é ofensivo e distorce a realidade dos fatos.
Implicações jurídicas e políticas
Do ponto de vista jurídico, o inquérito do MPF busca apurar se houve infração à Lei nº 7.716/1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Caso sejam constatados indícios de que o evento promoveu ou incitou o ódio religioso, os responsáveis poderão responder judicialmente.
Politicamente, o episódio reforça a tensão entre grupos de esquerda e direita no debate público brasileiro. De um lado, movimentos progressistas defendem o direito das universidades de discutir questões internacionais de maneira crítica; de outro, setores conservadores acusam instituições públicas de promoverem pautas ideológicas e antiocidentais.
O MPF deverá ouvir representantes do Centro Estudantil, professores e membros da comunidade universitária nas próximas semanas. O caso ainda está em fase preliminar, e não há prazo definido para sua conclusão.
O que está em jogo
Mais do que o conteúdo de um único evento, a investigação sobre o genocídio palestino na UFRGS simboliza o embate contemporâneo entre liberdade acadêmica, responsabilidade institucional e discurso político.
Enquanto alguns veem a ação do MPF como necessária para coibir abusos e promover equilíbrio, outros a interpretam como um possível precedente para restringir debates em universidades públicas. A decisão final sobre o caso poderá, portanto, ter repercussões que vão além da esfera jurídica, afetando a forma como as instituições de ensino superior conduzem discussões sobre temas internacionais e de direitos humanos.






