Putin na guerra da Ucrânia: avanços mínimos, desgaste interno e pressões geopolíticas intensificam crise no Kremlin
A condução da guerra pela Rússia entrou em uma fase crítica. Apesar de manter forte poder de fogo, o país tem registrado progressos extremamente lentos em um cenário marcado por desgaste militar, grandes perdas humanas e um ambiente geopolítico no qual a pressão externa aumenta. A figura central desse processo é o presidente Vladimir Putin, cuja estratégia na guerra tem enfrentado resistência, desgaste interno e questionamentos crescentes, enquanto o conflito na Ucrânia se arrasta sem perspectivas de vitória rápida.
O comportamento do líder russo, cada vez mais isolado e descrito por observadores como rígido, desconfiado e avesso a recuos, influencia diretamente o rumo do conflito. A combinação de paranoia, preocupação com a própria segurança, manutenção de estruturas duplicadas de governo e a disputa por narrativas no interior da Rússia compõe um quadro de tensão permanente, refletindo diretamente no andamento da guerra.
Enquanto o conflito se estende, uma constatação se consolida entre militares, diplomatas e analistas internacionais: a Ucrânia não dá sinais de rendição, e a Rússia, apesar da superioridade numérica, enfrenta limitações estratégicas que impedem avanços decisivos.
Uma guerra de avanços milimétricos
Do ponto de vista militar, a Rússia tem enfrentado dificuldades para romper as linhas ucranianas. A estratégia de guerra moderna, baseada em movimentos rápidos e coordenação tecnológica, acabou sendo substituída por ofensivas de curtíssimo alcance, com tropas avançando em pequenos grupos e expostas a um ambiente saturado por drones e defesas automatizadas.
Esse tipo de ofensiva, embora insista na pressão contínua, não tem produzido os resultados esperados. Na prática, causa perdas significativas ao Exército russo, enquanto deixa evidente a dificuldade em estabelecer superioridade territorial. Pequenas localidades próximas de Zaporíjia representam algumas das únicas áreas onde Moscou conseguiu ganhos recentes — e ainda assim, em ritmo lento.
O cenário reforça a percepção de frustração no Kremlin. A promessa inicial de rápida dominação cedeu lugar a uma guerra longa, dispendiosa e marcada pela imprevisibilidade. Para um líder que construiu sua imagem sobre a ideia de força absoluta e controle estratégico, esse quadro reforça tensões internas.
O cálculo político de um líder pressionado por resultados
Dentro da Rússia, a figura de Vladimir Putin permanece central e incontestável do ponto de vista institucional. No entanto, a percepção interna não elimina o fato de que o líder enfrenta desafios crescentes para manter coesão e entusiasmo entre as elites políticas, militares e econômicas.
A insistência em uma narrativa de avanço contínuo contrasta com a realidade das operações. Mesmo que Putin seja informado sobre os problemas enfrentados, a estrutura hierárquica e o ambiente de constante vigilância dificultam a circulação de análises francas. Esse modelo, fortalecido ao longo de décadas e semelhante às práticas soviéticas, reduz a capacidade de ajustes estratégicos rápidos.
O desejo de reconstruir o poder imperial russo, explicitado pelo próprio presidente em diversas ocasiões ao longo dos anos, funciona como uma bússola política — mas também como uma fonte de rigidez, que impede revisões profundas na condução da guerra.
Paranoia e segurança extrema moldam a rotina presidencial
Putin governa sob rígidas medidas de segurança, que refletem sua desconfiança permanente. Além do gabinete oficial no Kremlin, o presidente mantém outros ambientes idênticos em diferentes regiões do país, permitindo deslocamentos sigilosos e gravações destinadas a confundir adversários e órgãos de inteligência.
Instalações replicadas em locais distantes, como Sochi, Novo-Ogoroyo e Valdai, compõem uma rede de proteção projetada para minimizar riscos internos e externos. Esses espaços, mantidos sob forte sigilo e vigilância militar, revelam a preocupação constante do presidente com golpes internos, ataques coordenados e tentativas de sabotagem.
Esse comportamento, considerado por analistas como típico de governos altamente centralizados e autoritários, aponta para o ambiente de isolamento do líder russo. Em um contexto de guerra prolongada, tal isolamento contribui para decisões altamente personalistas e menos flexíveis — impactando diretamente a estratégia militar.
Pressões internas: a Russosfera digital e o controle sobre os milbloggers
Outro desafio crescente para o governo russo vem da sua própria base de apoio: os chamados “milbloggers”, influenciadores digitais que cobrem o conflito a partir de uma perspectiva militar e nacionalista. Embora defendam a guerra, muitos têm criticado a execução das operações, cobrando mais agressividade e eficiência.
Nas últimas semanas, o Kremlin intensificou pressões contra esses influenciadores, aplicando punições, prisões e acusações de violação da legislação de segurança. Para o governo, qualquer fissura na narrativa oficial pode enfraquecer o apoio interno, especialmente entre militares e setores nacionalistas.
Os milbloggers, porém, funcionam como válvula de escape para parte da sociedade russa. A supressão dessas vozes indica que Moscou está preocupada com o desgaste da narrativa de vitória iminente — algo que se agrava diante dos avanços lentos e das perdas acumuladas no campo de batalha.
Perdas humanas elevadas aumentam desgaste da guerra
As estimativas sobre baixas russas variam, mas apontam para perdas extremamente altas desde o início do conflito. Análises internacionais indicam que as mortes em combate e os feridos já ultrapassam centenas de milhares, configurando um dos maiores custos humanos de uma guerra terrestre no século XXI.
A desproporção entre baixas russas e ucranianas também preocupa autoridades militares, que enfrentam dificuldade em recrutar novas tropas. Mesmo com apelos nacionalistas e promessas de benefícios, a resistência interna ao alistamento cresce. Para um país acostumado a projetar imagem de força militar, esse cenário representa um obstáculo relevante.
O jogo geopolítico: Trump, EUA e a rede de apoio externo
No tabuleiro internacional, a Rússia enfrenta desafios ainda maiores. Após mudanças de posicionamento recentes por parte do governo dos Estados Unidos, Vladimir Putin passou a lidar com sanções mais rígidas, limitações financeiras e pressões diplomáticas adicionais.
A relação com Donald Trump, antes marcada por declarações amigáveis, se tornou mais complexa. Críticas recentes do republicano deixaram claro que o apoio à Rússia não será automático, principalmente diante de perdas humanas elevadas e da insistência de Moscou em ampliar o conflito.
Ao mesmo tempo, a dependência crescente de parceiros como Irã, Coreia do Norte e Venezuela evidencia o isolamento da Rússia no Ocidente. Essas parcerias, embora forneçam apoio militar e político, não substituem a influência econômica e tecnológica dos Estados Unidos e da União Europeia.
A Venezuela e o dilema estratégico: manter apoio ou recuar
A presença russa na Venezuela ganhou relevância nos últimos anos e permanece como um componente estratégico para Moscou, especialmente no contexto de disputa com os Estados Unidos na América Latina. No entanto, o agravamento da crise no país governado por Nicolás Maduro coloca Putin diante de um dilema complexo.
A Rússia pode continuar oferecendo suporte militar e político à Venezuela, reforçando sua presença em uma zona de interesse americano, ou pode reduzir esse apoio para evitar desgastes adicionais com Washington. A decisão terá impacto direto no equilíbrio geopolítico hemisférico e na agenda externa russa.
O fator psicológico: isolamento, desgaste e decisões centralizadas
A guerra da Ucrânia também expõe características psicológicas do presidente russo. O isolamento prolongado, o ambiente político altamente controlado, a preocupação com atentados e a desconfiança em relação a aliados moldam um comportamento descrito por especialistas como paranoico.
A existência de múltiplos gabinetes replicados, o uso de rotas secretas de deslocamento e o controle rígido de informações refletem uma preocupação permanente com segurança. Em um cenário de guerra longa, tais comportamentos tendem a aumentar, criando um efeito de retroalimentação: quanto maior a pressão externa, maior o isolamento interno.
O impasse militar: entre avanços mínimos e resistência ucraniana
Com a guerra prestes a completar mais um ciclo, o cenário indica que a campanha russa enfrenta limitações objetivas:
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incapacidade de consolidar avanços rápidos;
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dificuldade em romper linhas fortificadas;
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perdas humanas significativas;
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desgaste de equipamentos e logística;
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resistência ucraniana reforçada por tecnologia ocidental;
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necessidade de justificar internamente uma ofensiva prolongada.
O Kremlin aposta na vantagem demográfica e na capacidade de manter pressão constante sobre o território ucraniano. Já Kiev aposta na combinação de tecnologia, defesa territorial, apoio internacional e mobilização interna. A soma desses fatores gera um ambiente de estagnação, com avanços lentos e disputas intensas por pequenas cidades e posições táticas.
Perspectivas para os próximos meses
A tendência é que a guerra continue em ritmo lento, com ofensivas localizadas e sem grandes avanços territoriais. A Rússia tentará ampliar sua presença em municípios estratégicos, enquanto a Ucrânia buscará manter defesas robustas, contando com apoio tecnológico e militar do Ocidente.
Ao Kremlin, caberá administrar o desgaste interno, manter apoio popular e conter fissuras entre as elites políticas e militares. A estabilidade do regime depende da capacidade de apresentar resultados, mesmo que mínimos, e de controlar narrativas capazes de sustentar apoio ao conflito.






