Fundo do BB aposta R$ 400 milhões para destravar o potencial brasileiro em terras raras
O movimento mais recente do sistema financeiro em direção à nova geopolítica dos recursos naturais veio do Banco do Brasil. Por meio da BB Asset, em parceria com a gestora JGP, foi lançado o fundo BB Ore Régia Minerais Críticos, um veículo de private equity voltado a projetos ligados a minerais estratégicos e, em especial, às terras raras, insumo cada vez mais decisivo para a indústria tecnológica, para a transição energética e para a defesa nacional.
Com uma meta de captação de R$ 400 milhões e reservas de cotas abertas até 19 de dezembro, o fundo mira investidores qualificados, com patrimônio financeiro superior a R$ 1 milhão. A proposta é clara: combinar capital de longo prazo com a capacidade técnica de destravar projetos que hoje estão parados, mas que têm potencial para colocar o Brasil no mapa global das terras raras e de outros minerais críticos, como lítio, grafite, nióbio e tungstênio.
Em um momento em que países disputam cadeias de suprimento de alto valor agregado e buscam reduzir a dependência da China, a iniciativa da BB Asset e da JGP sinaliza que o mercado de capitais brasileiro começa a enxergar as terras raras não apenas como tema geológico ou diplomático, mas como um eixo central de estratégia econômica.
Terras raras deixam o jargão técnico e entram no radar financeiro
Durante muito tempo, as terras raras foram assunto restrito a relatórios de geologia, papers acadêmicos e mesas de negociação entre governos e grandes mineradoras. A expressão ganhou certa notoriedade quando os Estados Unidos demonstraram preocupação explícita com a concentração da cadeia produtiva desses elementos em território chinês. A partir daí, as terras raras passaram a simbolizar, ao mesmo tempo, vulnerabilidade e oportunidade.
No Brasil, esse debate sempre esbarrou em um paradoxo: o país figura entre as maiores reservas conhecidas de terras raras do mundo, mas ainda explora muito pouco desse potencial. Apenas cerca de 27% do território nacional está mapeado em profundidade, o que significa que há uma vasta porção de recursos minerais literalmente enterrada. Na prática, isso se traduz em projetos incipientes, licenças travadas, dúvidas regulatórias e escassez de capital disposto a esperar ciclos longos.
O fundo BB Ore Régia Minerais Críticos nasce justamente nesse ponto de interseção entre oportunidade geológica e gargalo financeiro. A leitura dos gestores é de que as terras raras e demais minerais críticos se tornaram ativos estratégicos demais para permanecerem sem o empurrão de capital qualificado e especializado.
Como o fundo pretende destravar projetos de terras raras
O desenho do fundo segue a lógica típica de veículos de private equity, mas com uma aplicação específica no universo dos minerais críticos. A tese central é simples de enunciar e complexa de executar: identificar projetos de terras raras e minerais críticos com bom potencial econômico, mas que estejam travados por algum tipo de entrave — regulatório, ambiental, técnico ou de governança — e, a partir daí, usar capital e know-how para transformá-los em ativos viáveis.
Na prática, o fundo pode, por exemplo, entrar em um projeto de lítio ou de terras raras que não conseguiu avançar por ausência de licença ambiental, dificuldade de financiamento ou insegurança jurídica. Compra uma participação com desconto, justamente porque o risco afastou outros investidores, e passa a atuar em várias frentes ao mesmo tempo: diálogo com órgãos ambientais, reforço da equipe técnica, ajustes de governança e melhoria de padrões socioambientais.
Se o plano se concretiza, um ativo considerado problema passa a ser visto como oportunidade por grandes mineradoras globais, interessadas em ampliar exposição a terras raras e minerais críticos sem ter de enfrentar desde o início todo o ciclo de desenvolvimento. É nesse momento que o fundo captura valor, revendendo a participação a múltiplos superiores ao valor de entrada.
Essa capacidade de transformar risco em valor é o núcleo da estratégia. É também o que justifica a meta de retorno ambiciosa: o fundo mira uma rentabilidade de IPCA + 25% ao ano, patamar compatível com o risco elevado inerente a projetos de terras raras, mineração e ciclos longos.
Estrutura de longo prazo e perfil do investidor
O BB Ore Régia Minerais Críticos foi concebido para um horizonte de dez anos, com quatro anos de lock-up, o que significa que os investidores que entrarem precisam aceitar que o capital ficará imobilizado por um período prolongado. Em um país acostumado a prazos curtos e liquidez diária, a proposta é direcionada a um público específico: investidores qualificados que enxergam as terras raras e os minerais críticos como uma tese de longo prazo, com potencial de multiplicar capital em um ciclo mais lento, porém estruturante.
Além de suportar a volatilidade natural do setor de mineração, esse investidor precisa compreender o caráter estratégico de ativos como terras raras. Trata-se de um segmento diretamente ligado à produção de motores elétricos, baterias, turbinas eólicas, equipamentos eletrônicos, radares e armamentos de ponta. A demanda por esses elementos tende a crescer em linha com a transição energética global, a eletrificação da frota e o avanço da indústria de alta tecnologia.
Nesse contexto, o fundo se posiciona como um instrumento para capturar uma fração desse movimento, conectando o capital brasileiro ao ciclo global das terras raras e de outros minerais que já são classificados por grandes potências como “críticos” para sua segurança nacional.
Brasil: gigante das terras raras ainda em busca de protagonismo
Os dados disponíveis indicam que o Brasil detém a segunda maior reserva conhecida de terras raras do planeta, com cerca de 21 milhões de toneladas. A lista de minerais estratégicos inclui ainda lítio, grafite, nióbio e tungstênio, todos eles com aplicação direta em setores industriais intensivos em tecnologia.
O problema é que esse potencial ainda não se converteu em protagonismo. Falta mapeamento geológico mais abrangente, há incertezas regulatórias, o licenciamento ambiental é complexo e o capital de risco não costuma ter apetite por prazos longos e projetos sujeitos a múltiplas variáveis.
É nesse cenário que um veículo dedicado a terras raras e minerais críticos ganha relevância. Ao direcionar R$ 400 milhões para destravar projetos, o fundo tenta ocupar um espaço que muitas vezes não é preenchido nem pelo crédito tradicional, nem por investidores de perfil puramente financeiro, nem pelos próprios players industriais, que preferem ativos já maduros ou em estágio avançado.
Se bem-sucedida, a iniciativa pode funcionar como catalisador, gerando uma sequência de casos de sucesso que por sua vez atraiam mais capital para a cadeia das terras raras e da mineração de alto valor agregado.
Geopolítica, transição energética e reposicionamento do Brasil
A valorização das terras raras não é um fenômeno isolado, mas parte de um redesenho mais amplo da economia global. A transição para energias limpas, a eletrificação do transporte e a digitalização da indústria aumentaram a dependência de materiais específicos, cujas cadeias de suprimento são concentradas em poucos países.
A China domina hoje algo em torno de 70% da capacidade de refino de terras raras no mundo. Isso dá ao país não apenas uma vantagem econômica, mas também um instrumento de influência geopolítica. Outros atores, como Estados Unidos, União Europeia, Japão e Coreia do Sul, passaram a buscar alternativas para reduzir essa dependência, seja por meio de novas minas, reciclagem, inovação tecnológica ou acordos estratégicos.
O Brasil, com sua base mineral, tem a chance de ocupar uma posição relevante nessa reconfiguração, desde que consiga superar entraves internos e criar condições para que projetos de terras raras sejam economicamente viáveis, ambientalmente responsáveis e socialmente sustentáveis. A entrada do sistema financeiro nesse debate, por meio de instrumentos como o fundo BB Ore Régia Minerais Críticos, é um passo na direção de transformar potencial em política de desenvolvimento.
Risco, retorno e responsabilidade em projetos de minerais críticos
Investir em terras raras e minerais críticos significa lidar com uma equação delicada. São projetos intensivos em capital, de maturação lenta, sensíveis ao ciclo de commodities e altamente expostos a exigências ambientais e sociais. A promessa de retorno de IPCA + 25% ao ano reflete a percepção de que, para atrair investidores qualificados, é preciso oferecer uma recompensa à altura dos riscos assumidos.
Ao mesmo tempo, aumentam as pressões por práticas de mineração responsáveis. O licenciamento de projetos envolvendo terras raras é particularmente sensível, já que muitos processos de extração e refino utilizam reagentes químicos e geram resíduos que exigem tratamento adequado. A atuação de um fundo profissionalizado, com equipes técnicas e ambientais, pode ajudar a elevar o padrão dos projetos, criando referências positivas para o setor.
O desafio é transformar a busca por retorno financeiro em vetor de modernização, e não em combustível para práticas predatórias. Se a tese do fundo for bem conduzida, o investimento em terras raras poderá se alinhar a uma agenda mais ampla de transição energética, inovação industrial e geração de empregos qualificados.
O que está em jogo para o futuro das terras raras no Brasil
O lançamento do fundo BB Ore Régia Minerais Críticos marca um momento simbólico na relação entre mercado de capitais e recursos naturais estratégicos. Ao colocar as terras raras no centro de uma tese de investimento, o sistema financeiro reconhece que esses elementos deixaram definitivamente o campo do jargão técnico e entraram na agenda de desenvolvimento.
Para o Brasil, o desfecho dessa iniciativa pode indicar o rumo do país em relação à sua própria riqueza mineral. Um cenário em que projetos de terras raras se multiplicam, com governança sólida e respeito ambiental, pode reposicionar o país nas cadeias globais de valor. O oposto — a manutenção da inércia e de entraves históricos — significaria assistir de longe a um jogo em que outros países tomam a dianteira.
O fundo não resolve sozinho os desafios estruturais, mas funciona como sinal de que há capital disposto a apostar em uma agenda de longo prazo, ancorada em terras raras, minerais críticos e inovação na mineração. Em um ambiente de incertezas econômicas e disputas geopolíticas, essa combinação pode se provar decisiva.






