Mario Frias e o uso de verba pública em filme sobre Jair Bolsonaro acendem alerta político e institucional
A destinação de verba pública para iniciativas culturais e projetos ligados a figuras políticas sempre desperta debate no Brasil. Nos últimos dias, esse debate ganhou novos contornos com a revelação de que recursos públicos foram direcionados à produtora responsável pelo filme “Dark Horse”, inspirado na trajetória de Jair Bolsonaro. No centro da controvérsia está o deputado federal Mario Frias, ex-secretário especial de Cultura durante o governo Bolsonaro, cujo nome aparece associado tanto ao roteiro da obra quanto à liberação de recursos por meio de emendas parlamentares.
O episódio lança luz sobre a relação entre política, cultura, uso de dinheiro público e possíveis conflitos de interesse, temas sensíveis em um país marcado por frequentes denúncias envolvendo a aplicação de recursos do Estado. A discussão ultrapassa o campo cinematográfico e se insere no debate mais amplo sobre transparência, governança e responsabilidade no uso de verbas públicas.
A produtora e os recursos públicos envolvidos
A produtora responsável pelo filme “Dark Horse”, que no Brasil recebeu o título “Azarão”, obteve aproximadamente R$ 2 milhões em recursos públicos provenientes de três CNPJs ligados às áreas de tecnologia e esportes. Além desses valores, a mesma estrutura institucional firmou um contrato de grande porte com a Prefeitura de São Paulo para a instalação de pontos de wi-fi em espaços públicos, em um acordo que soma R$ 108 milhões.
Esses números chamam atenção não apenas pelo montante financeiro, mas também pela diversidade de áreas envolvidas. Recursos originalmente destinados a projetos de inclusão digital, esporte e tecnologia acabaram associados, de forma indireta, a uma produção cinematográfica de forte conteúdo político, o que levanta questionamentos sobre a finalidade original dessas verbas e os critérios adotados para sua liberação.
O papel de Mario Frias na liberação das verbas
O deputado Mario Frias surge como figura central no caso. Ex-secretário especial de Cultura, ele foi responsável pela aprovação de duas emendas parlamentares destinadas ao Instituto Conhecer Brasil (ICB), uma organização não governamental presidida por Karina Ferreira da Gama. A mesma dirigente é proprietária da GoUP Entertainment, produtora do filme “Dark Horse”.
Segundo documentos acessados pela reportagem, o roteiro do longa-metragem indica que a obra é baseada em uma história real escrita por Mario Frias, intitulada “Capitão do Povo”. Esse detalhe reforça o debate sobre possíveis conflitos de interesse, já que o parlamentar teria participado da concepção narrativa da obra ao mesmo tempo em que autorizava a destinação de recursos públicos a entidades ligadas à produção.
Procurados, tanto Mario Frias quanto o Instituto Conhecer Brasil não se manifestaram até o fechamento das informações, o que contribuiu para ampliar o questionamento público sobre a transparência do processo.
Emendas parlamentares e projetos financiados
Os repasses ao Instituto Conhecer Brasil totalizaram R$ 2 milhões. Parte desses recursos, cerca de R$ 1 milhão, foi transferida por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, dentro de uma ação de letramento digital. Outro R$ 1 milhão veio do Ministério dos Esportes, para a implementação do projeto “Lutando Pela Vida”, voltado às artes marciais.
Embora os projetos tenham, em tese, objetivos sociais e educacionais, a conexão institucional entre a ONG beneficiada e a produtora do filme gerou questionamentos sobre a real destinação dos recursos e sobre a separação entre iniciativas de interesse público e projetos de natureza política ou ideológica.
No passado, o Instituto Conhecer Brasil também foi autorizado a captar recursos para iniciativas ligadas ao segmento evangélico, como espetáculos teatrais e festivais religiosos, mas não conseguiu levantar os valores necessários. Esse histórico contribui para o debate sobre o perfil da instituição e sua capacidade de execução de projetos financiados pelo poder público.
Contrato milionário com a Prefeitura de São Paulo
Além das emendas parlamentares, o Instituto Conhecer Brasil firmou um contrato expressivo com a Prefeitura de São Paulo para a instalação de 5.000 pontos de wi-fi na capital paulista. O valor total da parceria é de R$ 108 milhões, dos quais aproximadamente R$ 86 milhões já foram repassados, correspondentes aos serviços executados até o momento.
Segundo a Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia, a contratação ocorreu por meio de chamamento público considerado transparente, sem contestações, e a organização social teria cumprido todas as exigências previstas no edital. Atualmente, mais de 3.200 pontos de wi-fi já teriam sido instalados, com previsão de conclusão dos demais até 2026.
Apesar da explicação oficial, a coincidência entre a execução de um contrato dessa magnitude e a participação indireta da instituição em uma produção cinematográfica de cunho político alimenta suspeitas e amplia a pressão por esclarecimentos mais detalhados.
O conteúdo do filme “Dark Horse”
O filme “Dark Horse” retrata os momentos vividos por Jair Bolsonaro após o atentado a faca sofrido durante a campanha eleitoral de 2018, em Juiz de Fora, Minas Gerais. A narrativa acompanha o período de internação, recuperação e o impacto do episódio na trajetória política do então candidato.
A primeira locação de filmagem ocorreu em um hospital da zona sul de São Paulo, recriando o ambiente hospitalar vivido por Bolsonaro após o atentado. A escolha do tema e o momento histórico retratado reforçam o caráter político da produção, o que intensifica o debate sobre a origem dos recursos associados, ainda que de forma indireta, ao projeto.
Direção e elenco internacional
A direção do longa-metragem está a cargo de Cyrus Nowrasteh, cineasta americano de origem iraniana, conhecido por obras de temática religiosa e política. Em seu currículo estão filmes que abordam conflitos ideológicos, fé e perseguição religiosa, o que dialoga com a proposta narrativa de “Dark Horse”.
No papel de Jair Bolsonaro, o ator Jim Caviezel foi escalado para interpretar o ex-presidente. Caviezel é conhecido internacionalmente por viver Jesus Cristo em “A Paixão de Cristo” e por protagonizar produções de forte apelo conservador nos últimos anos. A escolha do ator reforça o posicionamento ideológico da obra e amplia sua repercussão internacional.
Repercussão política e institucional
A revelação do direcionamento de verba pública para entidades ligadas à produção do filme gerou reações no meio político. Parlamentares de oposição passaram a questionar a legalidade e a moralidade do uso de emendas parlamentares em contextos que podem beneficiar projetos de interesse pessoal ou político.
O caso também se soma a outras investigações que envolvem aliados de Jair Bolsonaro e o uso de recursos públicos provenientes de cotas parlamentares. Embora não haja, até o momento, uma condenação ou decisão judicial específica relacionada ao filme, o episódio amplia o escrutínio sobre práticas adotadas durante e após o governo Bolsonaro.
Debate sobre transparência e governança
Especialistas em administração pública destacam que o caso evidencia fragilidades no sistema de fiscalização das emendas parlamentares. Embora o mecanismo seja legal e previsto na Constituição, sua utilização exige critérios rigorosos de transparência, especialmente quando há vínculos pessoais ou ideológicos entre o parlamentar e a entidade beneficiada.
A associação entre cultura, política e dinheiro público não é inédita no Brasil, mas episódios como este reforçam a necessidade de aprimorar mecanismos de controle, prestação de contas e fiscalização social. O debate vai além de um filme específico e alcança o modelo de financiamento público de projetos culturais e sociais no país.
Impacto na imagem institucional
Para Mario Frias, o episódio representa um desgaste político em um momento de forte polarização nacional. A associação de seu nome à liberação de recursos e à autoria da história que inspira o filme sobre Jair Bolsonaro coloca o parlamentar no centro de críticas e questionamentos sobre ética pública.
Já para as instituições envolvidas, o desafio passa a ser demonstrar, de forma clara e documentada, que os recursos públicos foram aplicados estritamente conforme os objetivos previstos nos contratos e convênios firmados, sem desvio de finalidade ou favorecimento indevido.
Um caso que ultrapassa o cinema
Mais do que uma produção cinematográfica, “Dark Horse” se tornou símbolo de um debate mais amplo sobre o uso de verba pública, a atuação de parlamentares e os limites entre interesse público e projetos de cunho político. A repercussão do caso indica que a sociedade segue atenta à forma como recursos do Estado são utilizados e à necessidade de responsabilização quando surgem indícios de irregularidades.






