Black Friday: história, curiosidades e evolução da data que transformou o varejo mundial
A Black Friday se consolidou como uma das datas mais relevantes do calendário global de consumo. De origem norte-americana e marcada inicialmente por significados distantes dos atuais, a data ganhou contornos próprios no Brasil e passou a movimentar bilhões de reais a cada edição, impulsionando o comércio eletrônico e físico e estimulando transformações profundas nos hábitos de compra dos consumidores. O crescimento do comércio digital, a expansão dos modelos de desconto antecipado e o impacto emocional da expectativa por ofertas moldaram a evolução da Black Friday ao longo das últimas décadas, tornando-a um fenômeno econômico, social e cultural.
Os dados mais recentes demonstram a força do evento no país. Em 2024, a Black Friday movimentou 7,93 bilhões de reais somente no comércio online brasileiro, de acordo com a Abiacom. Para 2025, a projeção da entidade aponta para um avanço de 14,5% em relação ao ano anterior, alcançando potencial estimado de 9,08 bilhões de reais em vendas via internet. O número expressivo reforça o papel central que a Black Friday assumiu na expansão do e-commerce e no comportamento do consumidor brasileiro, que já enxerga a data não apenas como oportunidade de compra, mas como parte de uma experiência anual de antecipação, comparações de preços e busca por vantagens.
A origem do termo e seu significado inicial
embora hoje seja sinônimo de descontos agressivos e movimentos intensos no varejo, a Black Friday não nasceu associada ao consumo. A expressão foi usada pela primeira vez nos Estados Unidos no século XIX para descrever crises financeiras. O registro mais antigo remete a 1869, quando os especuladores Jay Gould e James Fisk tentaram manipular o mercado do ouro na Bolsa de Nova York. O movimento levou o governo a intervir para corrigir a distorção, provocando o colapso dos preços e prejuízos significativos. Naquele contexto, o adjetivo “negro” simbolizava desastre, caos e perdas — um sentido muito distante da conotação positiva atribuída posteriormente à data.
Especialistas em linguística, como Benjamin Zimmer, reforçam que o uso de “negro” como marcador linguístico de eventos calamitários é antigo e recorrente na língua inglesa. Assim, antes de ser associada ao consumo, a expressão já carregava o peso simbólico de episódios traumáticos, o que explica a naturalidade com que foi incorporada mais tarde a outras situações marcadas por transtornos e multidões.
Os desfiles que deram início à temporada de compras nos Estados Unidos
A Black Friday, entretanto, ganhou força cultural e comercial muito antes de receber seu nome definitivo. A tradição norte-americana dos desfiles de Dia de Ação de Graças ajudou a preparar o terreno para que o dia seguinte se tornasse uma referência nacional em compras. Embora a Macy’s seja mundialmente reconhecida como protagonista dessa história, ela se inspirou em iniciativas anteriores. A loja canadense Eaton’s promoveu, em 1905, o primeiro desfile de Papai Noel, que marcava simbolicamente o início da temporada de festas e estimulava o consumo nas semanas seguintes.
A partir desse modelo, a Macy’s realizou em 1924 seu primeiro grande desfile de Ação de Graças. Com animais do zoológico do Central Park e organização feita pelos próprios funcionários, a celebração transformou a data em ritual de massas. Quando Papai Noel aparecia ao final do cortejo, significava que o período de compras natalinas estava oficialmente inaugurado. A cultura popular norte-americana absorveu a tradição, e a relação entre o feriado e o consumo se tornou cada vez mais estreita, criando as bases para a consagração da Black Friday como marco comercial.
O papel decisivo da data de Ação de Graças na consolidação do varejo natalino
A consolidação da Black Friday também passou pelo ajuste oficial do Dia de Ação de Graças. Inicialmente, o feriado variava entre a quarta e a quinta quinta-feira de novembro, dependendo da proclamação presidencial. Em 1939, porém, a data coincidiu com o último dia do mês, encurtando significativamente o período de compras para o Natal. Lojistas pressionaram o presidente Franklin Roosevelt a antecipar o feriado em uma semana, garantindo mais tempo para o comércio. A medida foi aprovada e, pelos três anos seguintes, o país viveu um conflito de datas que dividiu estados e gerou o apelido “Franksgiving”, junção de Franklin e Thanksgiving.
Somente em 1941 o Congresso norte-americano estabeleceu definitivamente que o Dia de Ação de Graças seria celebrado sempre na quarta quinta-feira de novembro. A decisão teve efeito direto no varejo, formalizando um período mais longo de compras natalinas e consolidando o dia seguinte como marco para a abertura oficial da temporada de consumo.
A sexta-feira que ficou famosa pelas ausências e pelo caos urbano
O passo seguinte na transformação da Black Friday em símbolo do varejo ocorreu na década de 1950. Em 1951, uma circular corporativa mencionava o aumento incomum de ausências no dia seguinte ao feriado, chamando o comportamento de “síndrome da sexta-feira após o Dia de Ação de Graças”. Segundo a publicação, muitos trabalhadores alegavam doenças para prolongar o descanso, enquanto empresas enfrentavam lojas vazias e operações reduzidas. A expressão ainda não estava associada ao consumo, mas descrevia um fenômeno já perceptível na rotina empresarial.
Ao mesmo tempo, na Filadélfia, policiais passaram a usar o termo Black Friday para se referir ao intenso congestionamento e ao tumulto provocado pelas multidões que se dirigiam às lojas naquele período. O incômodo gerado pelo trânsito caótico, pelas ruas lotadas e pela pressão sobre o comércio fez com que a expressão se popularizasse na cidade. Lojistas tentaram renomear o dia para “Big Friday”, buscando uma conotação mais positiva, mas o termo original prevaleceu e se espalhou progressivamente para outras localidades.
A ressignificação da expressão e a ideia de “voltar ao azul”
Com o aumento das vendas de fim de ano, a interpretação negativa do termo começou a se dissipar. Lojistas criaram uma narrativa estratégica segundo a qual a Black Friday representaria o momento em que as contas deixavam o “vermelho” das perdas e retornavam ao “azul”, cor tradicionalmente associada aos lucros na contabilidade norte-americana. Embora não haja registros históricos que comprovem essa ressignificação, a ideia ganhou força e ajudou a transformar a percepção pública sobre a expressão.
O fato concreto é que o período natalino corresponde ao maior volume de consumo anual nos Estados Unidos, e a sexta-feira seguinte ao feriado se tornou um marco comercial de grande impacto. Mesmo que as margens de lucro dos varejistas sejam frequentemente apertadas, a união entre simbolismo, tradição e consumo massivo transformou a Black Friday em referência cultural consolidada.
A expansão nacional e o domínio absoluto a partir dos anos 1990
Apesar de popular na Filadélfia desde os anos 1960, a Black Friday só alcançou reconhecimento nacional nos Estados Unidos a partir da década de 1990. Até então, o termo aparecia esporadicamente em algumas cidades, mas não possuía alcance uniforme. O avanço se deu com a intensificação da cobertura midiática, a disseminação da cultura do varejo e a profissionalização das estratégias de desconto.
O momento de virada, porém, ocorreu em 2001, quando a Black Friday superou todas as datas anteriores e se tornou oficialmente o maior dia de compras do ano. Até então, o recorde pertencia ao sábado pré-natal, impulsionado pelo costume americano de deixar compras para a última hora. A mudança representou não só a força da data, mas também a capacidade de mobilização emocional que ela havia adquirido.
A internacionalização da Black Friday e sua chegada ao Brasil
A transformação da Black Friday em fenômeno global ocorreu ao longo do século XXI. Países vizinhos, como o Canadá, passaram a adotar promoções no mesmo período para evitar que consumidores viajassem aos Estados Unidos em busca de ofertas. No México, a data ganhou o nome “El Buen Fin”, integrando-se ao calendário comercial e associando-se a eventos nacionais. Outras regiões criaram adaptações próprias, incluindo modelos semanais ou prolongados de promoção.
O Brasil incorporou a Black Friday ao seu calendário na década de 2010, inicialmente de forma tímida, mas com rápida expansão. A ausência do feriado de Ação de Graças não impediu a absorção do modelo norte-americano. Lojistas perceberam o potencial comercial e adotaram estratégias agressivas de marketing, transformando a data em marco anual de consumo. A popularização das compras online potencializou ainda mais o fenômeno, elevando a Black Friday a um dos eventos mais importantes do varejo nacional.
A era da antecipação e o risco de diluição da data
Com o aumento da competitividade, grandes varejistas passaram a antecipar ofertas, iniciando promoções vários dias antes e estendendo os descontos após a Black Friday. O objetivo é capturar diferentes perfis de consumidores e evitar que todo o volume de vendas se concentre em poucas horas. Embora eficaz do ponto de vista comercial, esse movimento tem gerado debates sobre a possível diluição simbólica da Black Friday, já que o “dia” se transformou, na prática, em uma temporada de descontos.
Nos Estados Unidos, movimentos semelhantes acontecem desde 2011, quando o Walmart quebrou a tradição e abriu suas lojas na noite de Ação de Graças, criando um ciclo de consumo prolongado. O comportamento ganhou força e levou varejistas a buscarem alternativas para atrair consumidores continuamente. O termo “quinta-feira cinza” surgiu como referência ao início precoce das compras, corroborando a ideia de que o evento se transformou em janela estendida de promoções.
No Brasil, a prática de abrir campanhas antecipadas se consolidou, criando o que especialistas chamam de “Black November”. Ainda assim, o auge das vendas continua concentrado na data oficial, permanecendo como referência emocional no imaginário do consumidor.
Impacto econômico e permanência cultural da Black Friday
A expansão mundial da Black Friday demonstra a força cultural e econômica da data. O fenômeno ultrapassou fronteiras, reformulou o calendário comercial e transformou expectativas de consumo. No Brasil, consolidou-se como uma das principais alavancas do varejo e ampliou o acesso a bens e serviços por meio de promoções agressivas.
Embora existam críticas, como a prática de maquiar preços — que gerou o termo popular “black fraude” — e o risco de estímulo ao consumo impulsivo, a Black Friday segue como evento central do comércio. A cada ano, novas narrativas, tecnologias e comportamentos de compra emergem, reforçando sua capacidade de adaptação e sobrevivência.
A evolução histórica, desde crises financeiras do século XIX até seu papel fundamental no e-commerce brasileiro contemporâneo, demonstra como a Black Friday deixou de ser apenas uma data para se tornar um fenômeno global de consumo, comportamento e cultura.






