O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) derrubou uma cobrança de R$ 6,6 milhões contra a subsidiária da Federação Internacional de Futebol (Fifa) no Brasil, em uma discussão sobre a isenção de tributos na importação de bens e mercadorias para a Copa do Mundo de 2014, sediada no país. A decisão foi unânime.
É o primeiro precedente do tribunal administrativo, segundo advogados, na disputa que nasceu com autuações da Receita Federal por conta da nacionalidade da embarcação usada para trazer os insumos ao Brasil.
Para o Fisco, a isenção de tributos federais – Imposto de Importação, IPI, PIS e Cofins – valeria apenas se o transporte dos bens importados para a Copa ocorresse por navios de bandeira brasileira, o que foi questionado pelas empresas.
“Os processos de outros fornecedores ainda aguardam decisão da primeira instância administrativa, 13 anos depois do início das importações, em 2010”, critica o advogado Gustavo Brigagão, sócio do escritório Brigagão, Duque Estrada Advogados, que representa a Fifa e outras empresas na mesma situação.
Ao condicionar o aproveitamento do incentivo fiscal à exigência de transporte por navio brasileiro, a Receita Federal lançou mão de uma regra editada durante a ditadura militar.
O Decreto nº 666, de 1969, previu – até a revogação em 2021 – que o transporte das mercadorias importadas com quaisquer “favores governamentais”, ou seja, benefícios fiscais, deveria ser feito, obrigatoriamente, em navios de bandeira brasileira.
A mesma exigência é reproduzida no Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759, de 2009), mas que, segundo o advogado Gabriel Penna Rocha, especialista em direito tributário e aduaneiro do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados, não possui força de lei.
No caso da Fifa, como o transporte ocorreu por navio de bandeira estrangeira, a Receita Federal entendeu que haveria perda do benefício fiscal. Exigiu todos os tributos federais incidentes sobre a operação.
A subsidiária da Fifa argumentou que a condição não foi prevista na Lei nº 12.350, de 2010, que estipulou as medidas tributárias para a realização, no Brasil, da Copa das Confederações Fifa de 2013 e da Copa do Mundo Fifa de 2014.
Alegou, ainda, que em junho de 2015 – depois, portanto, da realização da Copa -, o governo brasileiro editou o Decreto nº 8.463. Pela norma, a exigência de bandeira brasileira não se aplicaria às importações de mercadorias para uso ou consumo exclusivo na organização e realização de eventos.
A primeira instância administrativa, ao analisar o caso, manteve a autuação. Considerou que a norma publicada em 2015 valeria apenas para fatos futuros e não poderia retroagir.
Para os julgadores, a edição após a realização dos eventos não seria suficiente para determinar que o decreto possui caráter interpretativo e que seus termos atribuíram novo cenário para o aproveitamento da isenção.
No Carf, porém, o entendimento foi diferente. A 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 3ª Seção avaliou se tratar de regra interpretativa, que possibilitaria a aplicação para fatos anteriores à edição da norma.
O relator, conselheiro Rodrigo Lorenzon Yunan Gassibe, frisou o fato de o decreto dizer respeito a eventos que já haviam sido realizados no momento da publicação da norma.
“Caso o decreto não se aplicasse desde o início da validade da lei, não restaria propósito na letra do seu artigo 28, o que seria uma afronta ao princípio no qual não se presumem, na lei, palavras inúteis”, afirma o conselheiro, em seu voto.
Segundo advogados, os conselheiros também reconhecem, na decisão, que a lei específica sobre o tratamento tributário na Copa prevalece sobre uma norma geral editada nos anos 1960.
Gabriel Penna Rocha ainda chama atenção para o fato de o relator ter aplicado ao caso um princípio do direito penal chamado de “abolitio criminis”, ou seja, quando a lei deixa de considerar uma conduta como ilícita.
No caso, a perda do benefício fiscal por transporte de mercadoria em navio estrangeiro deixou de existir a partir de 2021. Segundo o advogado, trata-se de um reforço de argumentação para empresas autuadas por esse motivo, para além das importações para a Copa do Mundo.
“É um precedente para dar mais força às defesas das empresas em casos anteriores à revogação”, diz o advogado.
O caso da Fifa transitou em julgado no Carf, ou seja, não cabe mais recurso (processo nº 11762.720054/2015-84). O valor de R$ 6,6 milhões é referente a autuações de 2013 e 2014.
Em nota enviada ao Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que o tema é bastante específico, e que identificou apenas a decisão proferida no processo envolvendo a entidade.