A Câmara dos Deputados aprovou nesta sexta-feira em votação simbólica o projeto de lei que muda a regra de empate nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), uma vitória para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O texto vai ao Senado Federal, mas só deve ter a tramitação concluída em agosto, após o recesso informal.
A aprovação ocorreu após o relator, deputado Beto Pereira (PSDB-MS), promover mudanças no texto. Entre elas estão a possibilidade de que o contribuinte que for bom pagador negocie o valor das garantias, impedir a execução de garantias antes do fim dos processos judiciais e que o Carf faça a mediação de conflitos entre a interpretação da Receita e órgãos reguladores. A proposta foi debatida e votada após a Câmara concluir a análise da reforma tributária.
O projeto sofreu ainda três alterações no plenário. O relator retirou a possibilidade de que os auditores da Receita Federal negociem descontos para pagamento de débitos ainda não inscritos na Dívida Ativa. Essa proposta tinha aberto uma disputa interna dentro do governo com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e continuará vedada.
Também foi aprovada emenda para suprimir a “denúncia espontânea”, que permitiria ao contribuinte que não pagou direito seus tributos admitir o erro e quitá-los antes da autuação da Receita, sem pagar multas ou juros pela irregularidade. Os partidos fecharam acordo para que isso seja discutido posteriormente, num projeto próprio.
Outra mudança pegou até o relator de surpresa: foi suprimida, numa votação simbólica que ocorreu rapidamente, a possibilidade de que o contribuinte peça a anulação dos julgamentos que acabaram em empate durante a vigência da medida provisória (MP) que estabeleceu a volta do voto de qualidade no Carf (quando o representante do Fisco desempata).
Pela proposta derrubada, o contribuinte poderia pedir a revisão dos julgamentos que ocorreram de janeiro a junho em que ele acabou derrotado pelo voto de qualidade. Nestes casos, ele ainda terá a opção de receber os benefícios aprovados pelo projeto: a isenção nas multas e juros caso decida não recorrer à Justiça contra a decisão do Carf.
O texto aprovado busca resolver a disputa sobre o que ocorre no caso de empates nos julgamentos administrativos sobre litígios tributários. A princípio, Haddad queria a volta do modelo anterior, em que o presidente da turma, que é sempre um representante da Receita, desempatava. Isso fazia com que o contribuinte perdesse em 95% das vezes. No governo Bolsonaro (PL), o empate passou a extinguir a dívida.
Após meses de impasse, chegou-se a um meio-termo aprovado hoje: se o representante do Fisco garantir a vitória da União no critério de desempate, o contribuinte terá que pagar o total da dívida, mas ficará isento de multa e de responder a processos penais por fraude. Além disso, se quitar o débito sem questioná-lo na Justiça, ficará isento dos juros e poderá pagá-lo em até 12 parcelas, com o uso inclusive de créditos de prejuízo fiscal e de CSLL.
Já quem decidir recorrer à Justiça poderá não apresentar garantia em dinheiro ou bens no processo se atestar a “capacidade de pagamento” por uma auditoria externa. A empresa que não teve certidão negativa por mais de três meses nos 12 meses anteriores à ação judicial ou tiver outras dívidas com a Fazenda Pública não poderá receber o benefício.
O relatório também acolheu pedidos da bancada ruralista negociados com Haddad para que o setor agropecuário apoiasse o projeto, como tornar mais claro o tratamento tributário sobre os royalties das sementes.
Pereira também incluiu a possibilidade de que o contribuinte negocie qual o tipo e valor da garantia que oferecerá nos processos judiciais, caso tenha boa capacidade de pagamento. A medida foi antecipada pelo Valor na semana passada.
Pela proposta, o contribuinte que for capaz de obter seguro-garantia ou fiança bancária estará autorizado a depositar, em qualquer modalidade que quiser, apenas o valor atualizado do principal da dívida (sem necessidade de garantir os juros e multas, por exemplo). Essa garantia só poderá ser liquidada após o trânsito em julgado (sentença final, sem chance de recursos).
O texto também obriga a Fazenda Pública a ressarcir integralmente o gasto pelo contribuinte com as garantias, inclusive pela contratação de seguros, e com os valores atualizados.
Outra novidade incluída no parecer nesta sexta-feira estabelece a chance de mediação nos casos em que a empresa justifica alguma atitude tributária com base em determinação de um órgão regulador.
Por exemplo: algumas empresas travam disputas sobre tributação de ágio com o Receita por causa de como foi feita a operação. Alegam que os leilões de privatização obrigavam a adoção de alguns formatos na operação como criação de uma empresa para a compra. O Fisco, por outro lado, interpreta como planejamento tributário abusivo.
Hoje esses argumentos já são levados ao Carf, que nem sempre se convence sobre a necessidade de realizar uma operação de determinada forma. O projeto de lei diz que o litígio que envolver controvérsia jurídica entre a Receita e o órgão regulador será submetido à Câmara de Mediação e Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF). Com a mediação haveria um ambiente para checar as regras e obrigações criadas.
Plenário da Câmara analisa projeto de lei do Carf — Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados