CVM amplia consulta pública e prepara modernização inédita para o crowdfunding de investimento no Brasil
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu um dos debates regulatórios mais relevantes do mercado de capitais recente. A autarquia decidiu estender o prazo da consulta pública que discute a nova regra para o crowdfunding de investimento, medida que atualiza e substitui a Resolução CVM 88. O movimento reflete um esforço estratégico para modernizar o ambiente regulatório, acomodar a evolução tecnológica das plataformas eletrônicas e expandir o acesso de pequenas e médias empresas ao mercado de capitais, incluindo o agronegócio — segmento em acelerada profissionalização financeira.
A extensão do prazo está alinhada à Agenda Regulatória 2025 da CVM, que prevê uma revisão profunda das estruturas de captação simplificada no país. O objetivo é oferecer mais segurança aos investidores, ampliar o alcance das operações e permitir que o crowdfunding de investimento acompanhe o salto de complexidade observado nos últimos anos, especialmente com o crescimento das estruturas de securitização voltadas para empresas emergentes.
A modernização proposta marca uma nova etapa para o ecossistema de financiamento coletivo, que passou de um modelo limitado a pequenas captações para uma alternativa robusta de funding, especialmente diante das restrições de crédito bancário, da alta dos juros e da busca de empresas por estruturas mais flexíveis de captação.
Um marco regulatório em transição
A Resolução CVM 88, em vigor desde 2022, surgiu para substituir a antiga Instrução CVM 588. Ela trouxe avanços importantes, como o aumento dos limites de captação, regras mais claras para publicidade e comunicação e uma melhor definição de responsabilidades das plataformas. No entanto, o mercado evoluiu mais rápido do que a norma.
A transformação digital, o amadurecimento das plataformas de investimento e a entrada de novos agentes exigem um arcabouço mais abrangente. O crescimento de veículos estruturados de securitização — como Certificados de Recebíveis (CRAs e CRIs), Debêntures Incentivadas e FIDCs — abriu caminho para operações híbridas que não se encaixam plenamente na regulamentação atual.
Neste contexto, a CVM reconheceu a necessidade de atualizar as regras para evitar assimetrias, reduzir riscos e criar um ambiente competitivo capaz de atrair novos emissores e investidores.
Segundo a autarquia, a modernização do crowdfunding de investimento é essencial para:
-
ampliar a base de empresas aptas a captar recursos;
-
fortalecer a governança das plataformas;
-
melhorar a transparência para investidores;
-
incorporar práticas mais completas de supervisão;
-
alavancar a participação do agronegócio no mercado de capitais.
Por que o crowdfunding de investimento precisa mudar?
O avanço das plataformas de captação coletiva tem sido expressivo. Empresas que antes não tinham qualquer acesso ao mercado de capitais — especialmente startups, microempresas e companhias do agro — passaram a enxergar no modelo uma oportunidade para diversificar fontes de financiamento.
Contudo, essa popularização trouxe novos desafios.
1. Maior complexidade das operações
O mercado passou a trabalhar com estruturações mais robustas, envolvendo recebíveis, contratos lastreados e operações vinculadas a agronegócio e energia. Sem uma regra moderna, crescem os riscos operacionais, jurídicos e de governança.
2. Necessidade de supervisão ampliada
A expansão de investidores pessoas físicas exige proteção reforçada. A CVM identifica pontos frágeis, como:
-
comunicação inadequada de riscos;
-
falta de padronização de relatórios;
-
exigências insuficientes de due diligence das plataformas.
3. Integração com o agronegócio
O agro se tornou protagonista no mercado de capitais, mas ainda enfrenta barreiras regulatórias para acessar modelos alternativos de captação. A proposta busca justamente permitir que pequenas e médias empresas rurais ingressem no ecossistema com mais segurança.
4. Adaptação a tendências globais
Mercados maduros — como EUA e União Europeia — já atualizam suas regras para acomodar digitalização, descentralização e tokenização de ativos. O Brasil acompanha este movimento internacional.
O que propõe a nova regra do crowdfunding de investimento
Embora o texto final ainda esteja em consulta, a CVM indica caminhos estruturantes para a revisão normativa. Entre os pontos principais estão:
• Ampliação dos limites de captação
A intenção é permitir que empresas de pequeno porte acessem valores maiores, acompanhando a evolução do setor e o surgimento de negócios mais capital-intensivos.
• Expansão do escopo de emissores
A proposta abre espaço para inclusão gradual do agronegócio no mercado de capitais por meio do crowdfunding, permitindo que produtores rurais formalizados e cooperativas tenham um canal direto de financiamento.
• Regras mais rigorosas para plataformas
A CVM avalia ajustes referentes a:
-
governança interna;
-
segregação de funções;
-
responsabilidade fiduciária;
-
controles de compliance;
-
práticas obrigatórias de due diligence antes das captações.
• Padronização de informações para investidores
Um dos pilares da modernização é a transparência. O novo texto deve exigir dados financeiros atualizados, relatórios periódicos mais completos e comunicação clara sobre riscos.
• Integração com operações estruturadas
A norma deve prever que algumas captações possam se conectar com instrumentos de securitização, permitindo que empresas utilizem modelos híbridos de financiamento.
• Supervisão contínua
As plataformas podem ser obrigadas a entregar relatórios de acompanhamento que permitam à CVM monitorar riscos sistêmicos.
Impactos esperados para empresas e investidores
A modernização do crowdfunding de investimento tende a transformar de forma permanente o ambiente de captação de recursos no país. Os efeitos são relevantes em três frentes:
1. Para empresas
O novo modelo deve tornar o mercado mais acessível para pequenos emissores, especialmente do agro, do varejo, de energia e de tecnologia. Espera-se:
-
aumento do volume de captações;
-
redução da dependência de crédito bancário;
-
mais segurança jurídica nas ofertas;
-
capacidade de estruturar operações mais sofisticadas.
2. Para investidores
Com regras mais claras, o ambiente deve oferecer vantagens como:
-
maior diversidade de oportunidades;
-
redução do risco de fraudes;
-
padronização de informações;
-
fortalecimento da governança das plataformas.
3. Para o mercado de capitais
O país dá um passo rumo à democratização financeira. A expectativa é que a modernização permita:
-
entrada de novos emissores;
-
fortalecimento do ecossistema de fintechs;
-
aproximação do Brasil às melhores práticas internacionais.
Por que a consulta foi estendida
O aumento no número de contribuições — enviadas por plataformas, advogados, associações empresariais, fintechs, securitizadoras e investidores — motivou a CVM a ampliar o prazo. A autarquia entende que a construção da regra exige diálogo técnico aprofundado, dado o impacto direto que terá sobre milhares de empresas e investidores.
Além disso, a modernização normativa deve refletir compromissos assumidos na Agenda Regulatória 2025, que inclui digitalização, supervisão ampliada e expansão do mercado de capitais para novos segmentos.
Um novo ciclo de desenvolvimento regulatório
O Brasil se encaminha para um modelo mais maduro de financiamento coletivo. A atualização da norma ocorre no momento em que o país fortalece mecanismos de crédito privado, amplia o espaço para securitização e consolida fintechs como agentes centrais na democratização do investimento.
O crowdfunding de investimento deixa de ser apenas uma porta de entrada para startups e passa a integrar o conjunto de instrumentos capazes de movimentar cadeias produtivas inteiras.
A nova regra — quando aprovada — deve reposicionar o Brasil entre os mercados emergentes mais alinhados às tendências internacionais de inovação financeira.






