PL Antifacção: Motta e Gleisi buscam acordo na Câmara
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), articulam um entendimento para viabilizar a tramitação do PL Antifacção. A proposta, sob relatoria do deputado Guilherme Derrite (PL-SP), volta ao centro da agenda após a megaoperação policial nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, que resultou em mais de 120 mortes. Em meio a pressões por respostas rápidas contra o crime organizado e críticas de integrantes da base governista ao desenho atual do parecer, a reunião entre Motta e Gleisi busca calibrar pontos sensíveis do texto, reduzir resistências e criar condições políticas para votação ainda nesta semana.
Por que o tema voltou a ganhar prioridade
A escalada da violência em centros urbanos e o impacto da operação no Rio recolocaram a segurança pública na pauta do Congresso. A leitura predominante entre líderes partidários é a de que o PL Antifacção pode funcionar como eixo de uma resposta institucional coordenada, desde que respeite a Constituição, preserve garantias processuais e dê instrumentos efetivos para combater a estrutura financeira e logística das facções. Nesse tabuleiro, Motta tenta compatibilizar o ímpeto de acelerar a votação com demandas do Executivo por ajustes de mérito e de técnica legislativa. A participação direta de Gleisi sinaliza que o Palácio do Planalto quer participar ativamente do desenho final do PL Antifacção, reduzindo o risco de derrotas em Plenário ou de questionamentos futuros no STF.
O que está em discussão
Pontos considerados nucleares no PL Antifacção concentram as divergências: tipificação de condutas ligadas a facções, gradação de penas, ampliação de instrumentos de investigação financeira, cooperação interinstitucional e critérios para operações em áreas densamente povoadas. Interlocutores avaliam que o parecer precisa detalhar salvaguardas operacionais, requisitos de lastro probatório, controles externos e mecanismos de prevenção a abusos — sem engessar a atuação dos órgãos de segurança. Gleisi leva a Motta a demanda por maior precisão normativa para blindar o PL Antifacção de contestações judiciais e por dispositivos que assegurem transparência, rastreabilidade e prestação de contas após ações de grande porte.
O papel do relator e as críticas ao desenho atual
A escolha de Derrite, ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo, como relator do PL Antifacção foi recebida com reservas por parte da base governista. A leitura é que sua trajetória reforça um enfoque predominantemente operacional, enquanto o governo defende um equilíbrio entre repressão qualificada, inteligência e políticas de prevenção. Trechos preliminares do parecer circularam entre lideranças e acenderam alertas no Planalto. O ajuste fino passa por calibrar dispositivos de investigação, delimitar hipóteses de prisões cautelares e ampliar a cooperação com Ministérios Públicos e Defensorias, sem fragilizar a efetividade do PL Antifacção.
Segurança pública e coordenação federativa
O PL Antifacção também é visto como oportunidade de institucionalizar fluxos de cooperação entre União, estados e municípios. A articulação com o Ministério da Justiça, sob Ricardo Lewandowski, tende a focar em:
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inteligência integrada;
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padrões mínimos de uso de tecnologias (monitoramento, análise de dados, interoperabilidade de sistemas);
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diretrizes para operações com uso de câmeras corporais e custódia de imagens;
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protocolos de preservação de cenas e encaminhamento de laudos;
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proteção e reparação às vítimas e às comunidades afetadas.
Ao inserir esses parâmetros no PL Antifacção, o Congresso pretende mitigar riscos jurídicos, preservar provas e favorecer responsabilizações, sem paralisar investigações.
Financiamento das facções e rastreamento patrimonial
O consenso nas bancadas é amplo quanto à necessidade de estrangular o financiamento do crime organizado. Por isso, a expectativa é que o PL Antifacção reforce instrumentos de rastreamento de ativos, quebras de sigilo mediante ordem judicial, ampliação de hipóteses para alienação antecipada de bens e mecanismos ágeis de cooperação com o Coaf. A estratégia é atingir o “núcleo econômico” das organizações, bloqueando fluxos financeiros, dificultando lavagem de dinheiro e reduzindo a capacidade de recomposição logística. O desenho precisa observar devido processo legal e proporcionalidade, evitando nulidades que comprometam a efetividade do PL Antifacção.
Investigações, tecnologia e cadeia de custódia
Outro eixo central é a padronização do uso de tecnologia. O PL Antifacção pode consolidar requisitos para a implementação de sistemas de gravação, auditoria de operações, armazenamento seguro de evidências digitais e auditorias independentes. Câmeras corporais, por exemplo, ganharam destaque na pauta após operações recentes. A legislação pode estabelecer parâmetros para ativação, critérios de sigilo, prazos de guarda e acesso por órgãos de controle — elementos que tendem a fortalecer a legitimidade da atuação policial e a segurança jurídica dos resultados processuais.
Salvaguardas de direitos e eficácia repressiva
Uma linha importante nas negociações conduzidas por Motta e Gleisi é compatibilizar a urgência no enfrentamento ao crime com a proteção de direitos. Ao estruturar o PL Antifacção, o Congresso avalia:
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clara tipificação de condutas;
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gradação de medidas cautelares, priorizando as menos invasivas quando houver equivalência de eficácia;
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auditoria e relatórios periódicos ao Ministério Público e às Corregedorias;
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protocolos de atuação em territórios sensíveis, com análise de risco e plano de evacuação;
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formação continuada para agentes envolvidos em operações complexas.
A expectativa é que a lei resista ao escrutínio constitucional e produza efeitos concretos na desarticulação de estruturas criminosas.
Linha do tempo provável e cenários de votação
Ainda que haja pressão por deliberação imediata, a votação do PL Antifacção depende da costura política nesta semana. Três cenários estão no radar:
1) Votação com ajustes negociados: o parecer incorpora salvaguardas e dispositivos de coordenação federativa, destravando a pauta e garantindo maioria simples.
2) Adiamento curto para lapidar o texto: a Câmara segura a matéria por alguns dias para fechar redação final consensual, evitando emendas de Plenário que alterem o equilíbrio do PL Antifacção.
3) Prolongamento do impasse: sem acordo, a proposta patina, abrindo espaço para projetos alternativos, fragmentando a resposta legislativa e elevando o risco de decisões judiciais substituírem a falta de norma clara.
O impacto político para governo e oposição
Para o governo, um PL Antifacção aprovado com salvaguardas e foco em inteligência e rastreamento financeiro reforça a imagem de liderança responsável em segurança pública. Para a oposição, especialmente bancadas mais duras no tema, a prioridade é assegurar instrumentos operacionais mais incisivos, redução de brechas processuais e resposta penal robusta. A síntese que Hugo Motta e Gleisi tentam construir é justamente a de uma legislação “de Estado”, com métricas, fiscalização e efetividade — sem perda de tração operacional.
A governança após a aprovação
Não basta aprovar o PL Antifacção. A governança da lei exigirá:
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regulamentação executiva célere;
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definição de métricas públicas de desempenho;
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acordos de cooperação com entes subnacionais;
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cronograma de implementação de tecnologias prioritárias;
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capacitação de agentes;
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dotação orçamentária e fontes de financiamento.
O acompanhamento por comissão mista ou por órgãos de controle legislativo pode garantir transparência e continuidade de políticas, evitando desidratação do texto aprovado.
O que esperar da reunião Motta–Gleisi
A reunião entre o presidente da Câmara e a ministra das Relações Institucionais deve buscar um “núcleo comum” capaz de sustentar maioria. Em linguagem legislativa, trata-se de firmar os pilares do PL Antifacção: ataque ao financiamento das facções, investigação baseada em inteligência, padronização tecnológica e respeito aos limites constitucionais. À mesa, está também a perspectiva de diálogo com o Ministério da Justiça, para que a aplicação da lei — caso aprovada — esteja alinhada com diretrizes nacionais de segurança pública e política criminal.
Repercussão federativa e implementação nos estados
A efetividade do PL Antifacção passa pelo chão da fábrica: Secretarias de Segurança, Polícias Civil e Militar, Ministérios Públicos, Defensorias e Tribunais. A convergência federativa é indispensável. A lei pode induzir boas práticas e oferecer instrumentos inéditos, mas a aplicação concreta dependerá de investimentos em inteligência, integração de bases de dados, qualificação de perícias e fortalecimento de núcleos de investigação financeira. Estados com maior pressão de facções — e metrópoles com áreas de alta complexidade — tendem a ser campo de prova das diretrizes do PL Antifacção.
Indicadores e transparência
Para evitar que o PL Antifacção vire letra morta, o Congresso discute mecanismos de transparência e avaliação: indicadores de apreensão de ativos, taxas de elucidação de crimes, redução de letalidade, cumprimento de protocolos, preservação de provas e tempo de resposta a incidentes críticos. A publicação regular de painéis e relatórios facilita o controle social, fortalece a confiança pública e ajuda a corrigir rumos.
Desafios jurídicos previsíveis
Um texto amplo como o PL Antifacção inevitavelmente será testado no Judiciário. Por isso, a técnica legislativa precisa reduzir zonas cinzentas: delimitar conceitos, condicionar medidas invasivas a autorização judicial fundamentada, assegurar direito de defesa e prever sanções por desvio de finalidade. Quanto mais preciso o texto, menores os riscos de suspensões liminares e maior a estabilidade para operações e processos.
Um passo para além do combate imediato
O crime organizado também se alimenta de vulnerabilidades sociais, evasão escolar, informalidade econômica e aliciamento de jovens. Embora o PL Antifacção seja um instrumento penal e processual, sua implementação dialoga com políticas de prevenção, urbanismo social, cultura e inserção produtiva. A lei pode prever articulação com programas nacionais e estaduais para recomposição de territórios e proteção de populações impactadas, ampliando o alcance de resultados.
Perspectivas
Se houver acordo, a Câmara pode aprovar um PL Antifacção com poder de reorganizar a atuação do Estado contra facções, reforçando a repressão qualificada, as investigações patrimoniais e a cooperação federativa. A chave é combinar efetividade com segurança jurídica, calibrando cada ferramenta ao crivo constitucional. Na prática, o sucesso da iniciativa será medido por operações com lastro probatório sólido, redução da capacidade financeira do crime e menor exposição de comunidades a riscos de operações descoordenadas.






