‘PL Antifacção’ avança no Senado com promessa de manter essência e reduzir polarização
O debate sobre segurança pública volta ao centro da agenda em Brasília com a chegada do PL Antifacção ao Senado. Após ser aprovado na Câmara em meio a forte controvérsia, o projeto que nasceu como resposta à escalada da violência organizada, em especial depois da megaoperação contra o Comando Vermelho nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, inicia uma nova etapa de tramitação sob relatoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE).
A expectativa é de que o PL Antifacção sofra ajustes pontuais de técnica legislativa e de constitucionalidade, mas preserve o núcleo de endurecimento contra o crime organizado. Ao mesmo tempo, senadores trabalham para tirar o texto da lógica de confronto político que marcou a discussão na Câmara, buscando um resultado mais técnico, menos orientado por redes sociais e mais focado em resultados concretos na segurança pública.
Vieira, que construiu imagem de independência em relação ao governo federal e à oposição, sinaliza que não pretende reescrever o PL Antifacção, mas sim encaixá-lo de forma mais sólida no ordenamento jurídico, preservando o mérito que mira facções, ampliando instrumentos de combate e aperfeiçoando mecanismos de coordenação entre forças policiais.
Trâmite do PL Antifacção no Senado: ajustes sem desmontar o texto
O ponto de partida do relator é claro: o PL Antifacção deve ser mantido em sua essência. Em vez de rediscutir o desenho geral, o Senado vai se debruçar sobre a forma de inserção do projeto no sistema legal, avaliando se cada dispositivo respeita a Constituição e dialoga com normas já vigentes no Código Penal e em legislações específicas de combate ao crime organizado.
Um dos principais focos de atenção é a tentativa de restringir direitos de pessoas ligadas a facções. O PL Antifacção aprovado na Câmara prevê limitações a benefícios como o auxílio-reclusão a familiares de presos classificados como faccionados e medidas relacionadas ao exercício de direitos políticos. A avaliação preliminar no Senado é de que parte dessas disposições pode enfrentar questionamentos diretos no Supremo Tribunal Federal.
A tarefa de Vieira será calibrar o PL Antifacção para reduzir o risco de judicialização sem esvaziar o conteúdo repressivo. A ideia é construir um texto que aumente a pressão sobre o crime organizado, mas com base em parâmetros compatíveis com o sistema constitucional brasileiro, evitando que eventuais excessos acabem derrubados pelo Judiciário e fragilizem o conjunto da política pública.
Outro ponto em análise é o tipo penal criado para punir quem oferece abrigo, apoio ou auxílio a integrantes de facções. Na versão que deixou a Câmara, o PL Antifacção prevê penas elevadas, com alcance bastante amplo. A própria articulação política da Casa Baixa já admitiu que esse trecho precisa ser aperfeiçoado, abrindo espaço para exceções, por exemplo, em situações de constrangimento irresistível, em que a pessoa é obrigada a ajudar sob grave ameaça.
Fundo da PF no centro da disputa: mais recursos sem enfraquecer a instituição
Uma das discussões mais sensíveis envolve o fundo que financia a Polícia Federal. Na Câmara, a repartição dos recursos previstos no PL Antifacção mobilizou a corporação, associações de delegados e entidades de classe, que temem perda de capacidade operacional caso a nova lei drene dinheiro do orçamento destinado às investigações e operações federais.
No Senado, a posição majoritária é de que o PL Antifacção não pode retirar um centavo da PF. O consenso é que a segurança pública, em todos os níveis, sofre com subfinanciamento e precisa de mais recursos, não de menos. A discussão, portanto, migra do eixo “tirar ou não tirar da PF” para o eixo “de onde virá a compensação e como ampliar o bolo total”.
Com esse objetivo, o relator dialoga com o Ministério da Fazenda e com senadores de diferentes bancadas para encontrar fontes adicionais de financiamento que permitam aumentar o orçamento da segurança pública estadual sem prejudicar a estrutura da PF. A lógica é simples: o PL Antifacção só fará sentido se fortalecer o combate ao crime organizado como um todo, evitando criar uma espécie de competição orçamentária entre forças de segurança que, na prática, precisam atuar de forma integrada.
Equiparação de facções a terrorismo: hipótese considerada superada
Uma das bandeiras defendidas por parlamentares mais alinhados à direita na fase inicial do debate foi a tentativa de equiparar facções criminosas a grupos terroristas. A inclusão dessa equiparação na estrutura do PL Antifacção chegou a ser cogitada, mas acabou sendo descartada na Câmara e é tratada, no Senado, como questão encerrada.
Do ponto de vista técnico, a avaliação é de que facção criminosa e organização terrorista têm naturezas distintas. Enquanto o crime organizado voltado ao tráfico de drogas, armas e outros ilícitos atua com objetivo essencialmente econômico, grupos terroristas costumam ter motivações ideológicas, religiosas ou políticas, com foco em alteração de regimes, desestabilização institucional ou intimidação de populações civis.
Além disso, uma mudança dessa natureza no PL Antifacção poderia ter efeitos indesejados na esfera internacional. Ao inserir facções brasileiras na legislação antiterrorista, o país correria o risco de ser alvo de restrições econômicas, sanções financeiras ou tipos de monitoramento mais rígidos por parte de outros Estados e organismos multilaterais, com impactos sobre investimentos, comércio e cooperação.
Diante desses fatores, senadores indicam que a tentativa de equiparar facções a terroristas não deve ser retomada. O foco do PL Antifacção permanecerá no enfrentamento ao crime organizado em moldes tradicionais, com aperfeiçoamento de tipos penais, instrumentos de investigação, coordenação federativa e reforço de estruturas de inteligência.
Menos polarização e mais consenso: o estilo do Senado
Outro aspecto que diferencia a nova etapa do PL Antifacção é o ambiente político. Enquanto a Câmara dos Deputados tem 513 parlamentares, com forte presença de perfis ligados à comunicação digital, o Senado reúne 81 senadores, com trajetória geralmente mais longa na vida pública e atuação mais voltada à construção de acordos.
A avaliação de Alessandro Vieira é que o PL Antifacção tende a ser debatido de forma menos polarizada no Senado. O espaço para diálogo entre governo, oposição e centro político é maior, tanto pelo tamanho reduzido da Casa quanto pelo perfil dos parlamentares. Em vez de uma disputa guiada por cliques, redes sociais e discursos prévios, a expectativa é de negociações diretas, em busca de um texto que reúna maioria sólida.
O relator investe na construção de pontes com todos os campos. Ao manter canais abertos com o Planalto, com as bancadas mais conservadoras e com lideranças independentes, ele tenta afastar o PL Antifacção de uma guerra de narrativas e levá-lo para o terreno da engenharia legislativa. Essa estratégia, se bem-sucedida, tende a dar maior estabilidade à futura lei, reduzindo o risco de revisões constantes a cada mudança de conjuntura política.
Segurança pública: crítica à aposta exclusiva em mudanças de lei
O PL Antifacção é, hoje, a face mais visível da tentativa do governo federal de reagir à pressão por respostas na área de segurança pública. Além do projeto, foi encaminhada a chamada PEC da Segurança, que discute, entre outros pontos, a federalização de investigações sobre crime organizado.
A avaliação de Vieira, porém, é que o foco exagerado na produção de novas leis não resolve o problema central. Para o senador, o arcabouço jurídico brasileiro já oferece instrumentos robustos para enfrentar facções, organizações criminosas e redes de tráfico. Em sua visão, o verdadeiro gargalo está na gestão: falta integração efetiva entre PF, polícias civis, polícias militares e inteligência estadual; faltam recursos adequados; e falta um planejamento nacional consistente com metas claras e monitoramento permanente.
Nesse contexto, o PL Antifacção é visto como uma peça importante, mas não como solução mágica. O relator chama atenção para o fato de que grandes operações contra facções exigem logística complexa, monitoramento de rotas, acompanhamento de fluxos financeiros, cooperação internacional e presença contínua em territórios dominados pelo crime. Nada disso se resolve apenas com alteração de artigos de lei.
Ao criticar a centralidade do viés legislativo, Vieira também aponta uma lacuna na configuração atual do governo. A promessa de campanha de criar um ministério exclusivo para segurança pública não foi cumprida, e a pasta da Justiça e Segurança Pública acabou concentrando funções distintas sob liderança de um ministro cuja trajetória é predominantemente jurídica. O resultado, segundo essa leitura, é uma estratégia mais normativa do que operacional.
Federalização das investigações: integração em vez de “super polícia”
Outro ponto em debate paralelo ao PL Antifacção é a tentativa de ampliar o papel da PF por meio de dispositivos constitucionais. A proposta de federalizar uma parte maior das investigações de crime organizado é defendida por integrantes do governo como forma de garantir maior coordenação nacional.
Vieira discorda da ideia de criar uma espécie de “super polícia” concentrando na PF todas as principais apurações. Para ele, a Constituição já prevê a competência federal em crimes de repercussão interestadual ou transnacional, e a aposta deve ser na construção de forças-tarefa e arranjos cooperativos, que aproveitem a experiência acumulada por polícias estaduais no enfrentamento cotidiano das facções.
Na prática, isso significa que o PL Antifacção precisa ser implementado de forma articulada, sem excluir atores que conhecem o terreno e operam há décadas em áreas de risco. A estratégia considerada mais eficiente é aquela que soma capacidades: inteligência federal, conhecimento local, apoio das Forças Armadas quando necessário e participação ativa de órgãos de controle e do sistema de Justiça.
Independência como credencial: por que Alessandro Vieira foi escolhido
A escolha de Alessandro Vieira para relatar o PL Antifacção no Senado não foi casual. Ao longo do mandato, o parlamentar construiu reputação de independência em relação a governos de diferentes matizes ideológicos. Essa postura, que combina atuação técnica e disposição para criticar tanto o Planalto quanto a oposição, foi decisiva para que seu nome fosse visto como capaz de conduzir um tema sensível sem capturá-lo para um dos lados da polarização.
Na avaliação de colegas, o perfil do relator é um ativo importante para o sucesso do PL Antifacção. Sua atuação em CPIs, comissões temáticas e debates sobre combate à corrupção, crime organizado e transparência ajuda a dar credibilidade ao processo de ajustes. A ideia é que, sob sua liderança, o texto final tenha lastro jurídico consistente e legitimidade política mais ampla.
O próprio senador tem insistido na necessidade de recolocar a política em um patamar em que adversários voltem a dialogar. Em vez de transformar o outro lado em inimigo a ser destruído, Vieira defende que o pluralismo seja encarado como condição de funcionamento da democracia. O PL Antifacção se torna, assim, também um teste sobre a capacidade do Congresso de produzir consensos mínimos em torno de uma agenda que interessa diretamente à população.
Reflexos eleitorais: MDB, 2026 e a busca por novas lideranças
Embora seja um projeto de segurança pública, o PL Antifacção circula em um ambiente político fortemente influenciado pela disputa eleitoral de 2026. O MDB, partido de Vieira, ainda não decidiu qual candidatura à Presidência apoiará. Internamente, há correntes que defendem alinhamento à reeleição de Lula, outras que preferem um nome de centro-direita e grupos que falam em candidatura própria.
Nesse contexto, o relator evita vincular sua atuação no PL Antifacção a qualquer projeto presidencial específico. Sua leitura é de que o país se beneficiaria de uma renovação geracional nas principais lideranças, desde que essa renovação não seja baseada em aventuras nem em nomes sem projeto consistente de nação. A experiência do ciclo Bolsonaro é citada como exemplo de aposta personalista que não entregou estabilidade institucional nem estratégia clara de desenvolvimento.
Independentemente da escolha do MDB, a tramitação do PL Antifacção será observada por pré-candidatos, marqueteiros e estrategistas de campanha. Segurança pública tende a ocupar espaço central nas plataformas eleitorais, e o desempenho do Congresso na aprovação de instrumentos eficazes para enfrentar facções e reduzir a sensação de impunidade será parte relevante desse debate.
PL Antifacção: entre a urgência das ruas e o labirinto institucional
No fim das contas, o PL Antifacção expõe o choque entre duas temporalidades. De um lado, a urgência das ruas, expressa na rotina de comunidades dominadas por facções, no medo de confrontos armados, na escalada de golpes financeiros e na percepção de que o Estado chega tarde, mal e de forma fragmentada. De outro, o ritmo lento e complexo do labirinto institucional, em que cada vírgula pode ser questionada judicialmente e em que diferentes entes federativos disputam protagonismo e recursos.
O desafio do Senado será, portanto, conciliar essas duas dimensões. Se conseguir entregar um PL Antifacção que resista a questionamentos constitucionais, respeite o equilíbrio federativo e ao mesmo tempo aumente a capacidade do Estado de enfrentar o crime organizado, a Casa terá dado uma resposta importante a uma das maiores angústias da população brasileira.
Caso contrário, o risco é de que o PL Antifacção se transforme em mais um capítulo de frustração legislativa, com efeitos limitados na ponta e grande desgaste político para todos os envolvidos. A forma como o Senado conduzirá esse processo será determinante para definir qual desses caminhos prevalecerá.






