A polícia francesa prendeu 1.311 pessoas na madrugada deste sábado (1º), a quarta noite de manifestações no país após um adolescente de origem argelina ser morto por um policial próximo a Paris. Apesar do maior número de detenções até então, o ministro do Interior, Gérald Darmanin, informou que a violência nas últimas horas foi “de intensidade muito menor” do que a registrada dias antes.
O funeral de Nahel, 17, começou neste sábado em Nanterre, município a noroeste de Paris. Uma multidão se reuniu no cemitério local, onde o clima era tenso, segundo um jornalista da agência de notícias Agence France-Presse.
“Que ele descanse em paz e que a justiça seja feita. Eu vim para apoiar a mãe; ela não tinha ninguém além dele, pobrezinha”, disse à agência uma mulher que acompanhava o funeral. Alguns dos presentes gritavam “Deus é o maior” em árabe, enquanto percorriam o local.
Um grupo de 30 jovens que atuavam como guardas na entrada da funerária pediu às pessoas para que não tirassem fotos da cerimônia. “Não fazemos parte da família e não conhecíamos Nahel, mas ficamos muito comovidos com o que aconteceu em nossa cidade. Por isso, queremos expressar nossas condolências”, disse um deles à Reuters.
Ao dirigir um carro de luxo, Nahel teria desobedecido ordens durante uma abordagem de trânsito na terça-feira (27). Segundo imagens que viralizaram nas redes sociais, dois policiais de capacete se aproximaram da janela do motorista um deles aparentemente conversava com o adolescente, enquanto outro apontava a arma.
Na gravação, é possível ouvir a frase: “Você vai levar um tiro na cabeça”, mas não fica claro quem a diz. Após alguns segundos, Nahel acelera, e o policial reage atirando. Poucos metros à frente, sem direção, o Mercedes AMG sobe numa calçada e bate num poste. O adolescente de origem argelina morreu uma hora depois.
Segundo o promotor público de Nanterre, Pascal Prache, o adolescente morreu após receber um único tiro que o atingiu no braço esquerdo e no peito. O policial alega que queria evitar uma perseguição, por temer que outras pessoas se ferissem. Nahel teria cometido várias infrações de trânsito antes de ser parado.
Fato é que a morte gerou uma série de protestos violentos em várias cidades do país. Na madrugada deste sábado, por exemplo, 1.350 viaturas e 234 edifícios foram incendiados ou danificados, segundo autoridades francesas. O governo também registrou 2.560 incêndios em via pública, além de 79 agentes de segurança feridos 45 mil estavam de prontidão na noite deste sábado.
As autoridades impuseram toque de recolher em pelo menos três cidades ao redor da capital francesa e em várias outras em todo o país. Mesmo assim, atos de vandalismo foram vistos em Marselha (no Sul), Lyon e Grenoble (centro-leste) e em Paris, onde 406 pessoas foram presas.
Alguns dos detidos são acusados de saquear lojas. “Na segunda-feira, ligo para a imobiliária e ponho tudo à venda, já chega”, disse o dono de um comércio situado numa rua repleta de entulho, no centro de Lyon . Segundo o ministro das Finanças, Bruno Le Maire, mais de 700 lojas, supermercados, restaurantes e agências bancárias foram saqueadas desde terça.
Na sexta-feira (30), um manifestante de 20 anos morreu ao cair do telhado de uma loja em Petit-Quevilly, comuna no noroeste do país, durante os protestos. Segundo o jornal francês Le Figaro, uma fonte policial afirma que o supermercado era saqueado no momento do acidente, embora o Ministério Público da região tenha dito que a loja não estava sob ataque de manifestantes.
Em meio à balbúrdia, o presidente francês, Emmanuel Macron, adiou sua ida à Alemanha, que começaria no domingo. Já o governo francês suspendeu todos os grandes eventos e organizou uma nova reunião do comitê de crise. Além disso, todos os ministros deverão permanecer em Paris durante o fim de semana.
Paralelamente, a ONU pediu às autoridades francesas que abordem seriamente os “profundos” problemas de “racismo e discriminação racial” em suas forças de segurança, acusações que o Ministério das Relações Exteriores descreveu como “totalmente infundadas”.
Numa tentativa de apaziguar a situação, a seleção de futebol francesa emitiu na sexta um comunicado, dizendo que “o tempo da violência tem de parar” e dar lugar a “maneiras pacíficas e construtivas de se expressarem”.
“Desde este trágico evento, testemunhamos a expressão de raiva popular que no fundo entendemos, mas não podemos aceitar na forma”, escreveram. O principal jogador de futebol do país, Kylian Mbappé, publicou a nota em seu perfil no Instagram. A mãe dele também é de origem argelina.