TCU alerta governo sobre riscos de mirar limite inferior da meta fiscal em 2025
A discussão sobre o alcance da meta fiscal definida para 2025 voltou ao centro do debate econômico após o Tribunal de Contas da União (TCU) reafirmar que perseguir o limite inferior da banda de tolerância pode representar riscos à sustentabilidade da dívida pública e ao equilíbrio do arcabouço fiscal. Embora a Corte tenha reconhecido que, diante das alterações na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a prática se tornou juridicamente permitida, o tribunal decidiu notificar o governo federal sobre os potenciais efeitos adversos de utilizar esse parâmetro como referência para o contingenciamento de despesas.
A meta fiscal estabelecida para 2026 prevê resultado primário zero, seguindo a mesma lógica dos anos anteriores e mantendo três faixas de tolerância: superior, central e inferior. O governo tem defendido a possibilidade de trabalhar dentro das margens inferior ou superior do intervalo, desde que respeitado o arcabouço fiscal aprovado pelo Congresso. Entretanto, o TCU entende que o centro da meta — o déficit zero — deve continuar sendo o objetivo de referência para orientar bloqueios de gastos e a programação financeira.
A divergência ganhou destaque após o Ministério da Fazenda defender que cumprir a meta pelo piso da banda evita bloqueios expressivos que poderiam comprometer a operação da máquina pública. A estimativa é que, se tivesse de perseguir o centro da meta fiscal, o governo seria obrigado a contingenciar cerca de R$ 30 bilhões, valor considerado inviável pelos técnicos da área econômica.
O que mudou com a alteração na LDO de 2025
A disputa técnica e jurídica em torno da meta fiscal levou o governo a apresentar recurso ao TCU após parecer inicial da Corte, em setembro, afirmar que perseguir o limite inferior da banda era irregular. Diante do recurso, o Tribunal flexibilizou o entendimento para 2025, reconhecendo que a prática poderia ser adotada enquanto o Congresso deliberava sobre o tema.
A reviravolta veio em outubro, quando o Legislativo aprovou uma mudança na LDO autorizando explicitamente o Executivo a mirar o limite inferior da meta fiscal para fins de contingenciamento de despesas. A partir desse momento, o entendimento do TCU perdeu efeito prático, uma vez que a nova legislação passou a respaldar a conduta que o governo vinha adotando.
Mesmo assim, durante sessão desta quarta-feira (3), os ministros do tribunal decidiram notificar o governo sobre os riscos econômicos dessa estratégia. A Corte afirma que, embora seja legal mirar o piso da meta fiscal, a recomendação técnica segue sendo perseguir o centro do intervalo, de forma a preservar a credibilidade do arcabouço fiscal e evitar deterioração da dívida pública.
Como funciona a banda de tolerância e por que ela afeta o contingenciamento
O atual arcabouço fiscal prevê que a meta fiscal seja definida com três bandas: superior, central e inferior. O centro corresponde ao resultado primário pretendido pelo governo — no caso de 2026, déficit zero. As bandas superior e inferior representam faixas de tolerância para cima ou para baixo, permitindo ao governo ser considerado cumpridor da meta mesmo se o resultado ficar além ou aquém do plano original.
A polêmica gira em torno de como essas bandas devem ser usadas para calcular congelamentos e bloqueios de despesas. Para o TCU, o cálculo correto deveria ser baseado no centro da meta fiscal, garantindo maior disciplina fiscal e sinalizações claras para agentes econômicos e investidores. Já para a equipe econômica, trabalhar pelo limite inferior oferece flexibilidade operacional e evita contingenciamentos que ameaçariam serviços essenciais.
Na prática, ao perseguir o limite inferior da meta fiscal, o governo reduz o volume de gastos que precisa bloquear, o que alivia pressão sobre ministérios e sobre o funcionamento da administração pública. A Corte, porém, alerta que esse alívio pode comprometer o compromisso de médio prazo com a solvência fiscal.
TCU reforça preocupação com credibilidade e trajetória da dívida pública
O acórdão aprovado pelo TCU destaca que a busca do limite inferior para fins de contingenciamento “pode representar riscos à sustentabilidade da dívida pública e à credibilidade da política fiscal”. O documento afirma que, embora a LDO tenha autorizado a prática, isso não elimina os efeitos adversos associados a uma postura fiscal mais permissiva.
O tribunal avalia que:
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a credibilidade da meta fiscal é fundamental para manter juros estáveis;
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expectativas de deterioração fiscal afetam diretamente o prêmio de risco do país;
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perseguir apenas o limite inferior pode sinalizar enfraquecimento do arcabouço recém-aprovado;
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a trajetória da dívida pública fica mais sensível a choques externos ou queda de receitas.
A mensagem do TCU ao Executivo é clara: cumprir a meta fiscal dentro das bandas permitidas não significa que todas as interpretações dentro do intervalo produzem os mesmos efeitos econômicos. Segundo os ministros, a opção pelo limite inferior deve ser utilizada com cautela, sob risco de comprometer a confiança no modelo fiscal aprovado no início do governo.
O recurso da Fazenda e o temor de bloqueio bilionário
A resistência da equipe econômica se baseia na avaliação de que buscar o centro da meta fiscal exigiria um bloqueio estimado em R$ 30 bilhões — nível considerado insustentável pelo Ministério da Fazenda. O órgão argumentou ao TCU que contingenciamentos dessa magnitude poderiam gerar colapso operacional em áreas essenciais e atingir programas sociais, investimentos e despesas obrigatórias.
A Fazenda avalia que, com receitas abaixo do esperado e pressões crescentes por despesas, o governo precisa de margem para operar dentro da banda inferior da meta fiscal. Por isso, o Executivo recorreu ao TCU e articulou junto ao Congresso alterações legais que permitissem continuar adotando a mesma estratégia.
Com a mudança na LDO, a equipe econômica ganhou respaldo para manter o atual modelo de bloqueios, mesmo com críticas técnicas sobre os seus impactos macroeconômicos.
A posição final do TCU: legal, mas arriscado
Após a aprovação da nova LDO, o TCU declarou que a discussão perdeu seu objeto jurídico, uma vez que a lei passou a autorizar expressamente a prática. Porém, mesmo diante da legalidade, a Corte fez questão de manter o alerta.
O acórdão afirma que o Tribunal está apenas notificando o Executivo e o Congresso Nacional sobre os riscos de adotar permanentemente o limite inferior como referência para contingenciamento. Segundo o documento, embora o governo possa continuar a praticar essa estratégia, é fundamental compreender os potenciais danos ao equilíbrio fiscal de médio prazo.
O TCU enfatiza que o centro da meta fiscal continua sendo o parâmetro que melhor reflete disciplina e previsibilidade na condução das contas públicas. A Corte alerta ainda que mudanças frequentes na interpretação da meta podem prejudicar a confiança dos agentes econômicos na política fiscal brasileira.
Leitura política e econômica da decisão
A nova manifestação do TCU se insere em um contexto de desafios fiscais crescentes enfrentados pelo governo. Com a arrecadação pressionada, despesas obrigatórias em alta e limites do arcabouço fiscal cada vez mais estreitos, a equipe econômica busca alternativas para evitar cortes drásticos.
Para analistas do mercado financeiro, a notificação do TCU deve servir como sinal de cautela ao governo. Cumprir a meta fiscal nas margens inferiores pode aliviar pressões imediatas, mas tende a elevar a percepção de risco brasileiro, afetar juros futuros e aumentar a volatilidade.
Já no ambiente político, a decisão tende a fomentar debates internos no Congresso, especialmente entre parlamentares que defendem maior flexibilidade fiscal para priorizar investimentos e programas sociais.
Sustentabilidade do arcabouço fiscal volta ao foco
A discussão levantada pelo TCU alimenta um debate maior: a sustentabilidade do novo arcabouço fiscal aprovado pelo governo. Para especialistas, o sistema só produzirá confiança se houver compromisso real com suas metas centrais. Utilizar repetidamente bandas inferiores pode esvaziar o sentido do modelo.
Entre os principais riscos apontados por analistas estão:
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enfraquecimento da credibilidade fiscal do país;
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questionamentos sobre a solidez da meta fiscal;
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aumento da dívida em ritmo superior ao projetado;
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pressão sobre o Banco Central em futuras decisões de juros;
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redução do apetite de investidores por títulos públicos brasileiros.
O alerta do TCU, portanto, funciona como um lembrete institucional de que o arcabouço fiscal depende não apenas da legislação, mas do comportamento concreto do Executivo.
O que esperar dos próximos passos
Com a LDO autorizando o uso do limite inferior e o TCU mantendo o alerta de riscos, o debate sobre a meta fiscal deve continuar ao longo de 2025. A equipe econômica terá mais flexibilidade para gerir o orçamento, mas estará sob escrutínio constante de órgãos de controle, analistas financeiros e do Congresso Nacional.
O tema também deve ganhar relevância nas discussões da próxima Lei Orçamentária Anual e nas revisões de parâmetros fiscais enviadas pelo governo ao Legislativo. A pressão para manter disciplina fiscal deve crescer à medida que o país se aproxima de períodos eleitorais e enfrenta desafios macroeconômicos globais, como desaceleração internacional e volatilidade cambial.






