A DISPUTA PELA ANISTIA DOS ATOS GOLPISTAS EXPÕE TENSÕES ENTRE STF, CONGRESSO E BASE BOLSONARISTA
A escalada da disputa política em torno da anistia dos atos golpistas reacendeu o confronto institucional entre o Supremo Tribunal Federal, o Congresso e os grupos alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro. A mobilização para votar um projeto capaz de perdoar os condenados pelos ataques de 8 de janeiro provocou reação imediata da ministra Cármen Lúcia, que defendeu a democracia e o papel do Judiciário no enfrentamento às tentativas de ruptura institucional que marcaram os últimos anos.
As declarações ocorreram em um evento no Rio de Janeiro, no momento em que a Câmara dos Deputados se prepara para decidir o destino da proposta que busca anular ou reduzir as penalidades aplicadas aos envolvidos nos episódios considerados como atentados ao Estado Democrático de Direito. O tema voltou ao centro da política nacional com força, impulsionado pela prisão de Bolsonaro e pela reorganização de sua base parlamentar.
A resposta de Cármen Lúcia e a defesa do Estado Democrático de Direito
Em meio ao debate sobre a anistia dos atos golpistas, a ministra Cármen Lúcia fez um alerta sobre o risco de relativizar tentativas de golpe. Para ela, a democracia exige vigilância permanente, e processos que avaliam atentados institucionais devem seguir seu curso normal, sem interferência ou pressões externas. A ministra reforçou que qualquer ruptura política começa pela eliminação da Constituição, marco que deve orientar todos os poderes da República.
Ao comentar a necessidade de julgar tentativas de golpe, a ministra apresentou uma visão objetiva: a democracia não pode se transformar em um terreno propício ao avanço de práticas autoritárias. A comparação entre ditadura e erva daninha foi usada como metáfora sobre o risco de permitir que comportamentos antidemocráticos ocupem o espaço público de forma progressiva, silenciosa e perigosa.
No STF, os julgamentos relacionados ao 8 de janeiro tiveram avanços significativos neste ano, com condenações que atingiram militares, ex-integrantes do governo e articuladores responsáveis pela logística das manifestações. Esses julgamentos são justamente o alvo da mobilização política que tenta viabilizar a anistia dos atos golpistas no Congresso.
Documentos, investigações e o plano para eliminar autoridades
A fala da ministra também remeteu aos documentos que compõem o chamado Plano Punhal Verde e Amarelo, que descreve uma articulação para “neutralizar” autoridades, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e ministros do STF. A existência desse material reforçou no Supremo a gravidade dos fatos ocorridos e aumentou a preocupação com a possibilidade de uma tentativa mais organizada de ruptura institucional.
Para ministros da Corte, a anistia dos atos golpistas enviaria ao país a mensagem de que crimes contra a democracia podem ser anulados por decisão política, o que representaria um abalo considerável à credibilidade das instituições. A posição de Cármen Lúcia ecoa entre outros magistrados, que consideram que o julgamento de ataques ao Estado Democrático de Direito não pode ser substituído por acordos parlamentares motivados por pressão partidária.
A movimentação bolsonarista e a pressão por uma votação imediata
Enquanto o STF sustenta a necessidade de enfrentar os autores dos ataques, parlamentares bolsonaristas intensificaram as articulações para votar ainda nesta semana um projeto que trate da anistia dos atos golpistas. O objetivo declarado é conceder perdão aos manifestantes que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, além de reduzir penas aplicadas a ex-integrantes do governo que participaram do planejamento e execução dos atos.
A estratégia ganhou fôlego com o afastamento político entre o presidente Lula e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, após divergências formadas na escolha dos nomes para o Supremo Tribunal Federal. Aproveitando o momento, deputados de oposição viram uma janela para pressionar as mesas diretoras do Congresso na tentativa de pautar o tema.
O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante, tornou-se um dos principais articuladores do movimento. Conversas têm ocorrido diariamente com lideranças partidárias, buscando uma redação que atenda ao desejo da base bolsonarista. O parlamentar afirmou que reuniões têm ocorrido com frequência, tanto com Hugo Motta quanto com Alcolumbre, para garantir que o texto possa entrar na pauta o mais rapidamente possível.
A expectativa é que a anistia dos atos golpistas consiga avançar com o apoio de setores do PL, Republicanos e parte do União Brasil. Porém, o Centrão resiste a aprovar uma versão ampla da proposta, e líderes mais moderados defendem prudência antes de assumir o custo político de perdoar envolvidos em crimes julgados pelo STF.
O papel do PL da Dosimetria e as divergências internas
Atualmente, a matéria mais madura para apreciação é o chamado PL da Dosimetria, relatado por Paulinho da Força. O texto propõe perdoar todos os manifestantes de 8 de janeiro, mas estabelece redução de pena apenas para ex-membros do governo que tiveram condenações. O relator, no entanto, afirmou que não existe consenso nem previsão de apresentar o texto imediatamente.
A ausência de acordo é reflexo das tensões internas da própria oposição, que se divide entre:
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aqueles que defendem perdão total;
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aqueles que temem a repercussão pública;
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e aqueles que buscam uma fórmula intermediária para preservar apoio político sem confrontar diretamente o STF.
Nesse cenário, a perspectiva de se votar a anistia dos atos golpistas se torna incerta, embora a pressão da ala bolsonarista seja constante.
Senado busca protagonismo na disputa pela anistia
Diante da demora da Câmara em avançar, senadores alinhados ao ex-presidente viram oportunidade de tomar a dianteira. A articulação inclui nomes como Flávio Bolsonaro e Rogério Marinho, que buscam construir um texto mais amplo e com apoio suficiente para chegar à votação.
O rompimento entre Lula e Alcolumbre abriu espaço para que o Senado se ofereça como alternativa caso a Câmara não consiga votar o texto desejado pela oposição. Para esses grupos, a aprovação da anistia dos atos golpistas seria uma demonstração de força política e um recado ao Judiciário sobre o poder de decisão do Parlamento.
A reação da base governista e os alertas sobre crise institucional
Para o governo e seus aliados, a votação de uma anistia após condenações já transitadas em julgado seria uma interferência grave na separação dos poderes. O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, afirmou que avançar nesse projeto colocaria o Parlamento em rota de colisão com o STF, provocando uma crise institucional sem precedentes.
Parlamentares governistas também pedem a cassação imediata de deputados condenados por tentativa de golpe, como Alexandre Ramagem, argumentando que parlamentares com direitos políticos suspensos não podem continuar exercendo mandato. O caso de Carla Zambelli também foi citado, reforçando a tese de que o funcionamento da Câmara é incompatível com a manutenção de parlamentares condenados ou foragidos.
A base governista prepara uma reação política severa caso o presidente da Câmara decida pautar a anistia dos atos golpistas, incluindo fechamento de questão, obstrução e mobilização do Supremo.
O que está em jogo na disputa pela anistia
No centro da disputa está a definição sobre qual será o futuro da responsabilização pelos atos de 8 de janeiro. A decisão que o Congresso tomar terá repercussões diretas sobre:
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o peso institucional do Supremo;
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a relação entre Legislativo e Judiciário;
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o alcance de ações violentas contra a democracia;
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e o ambiente político das eleições de 2026.
Para analistas, a anistia dos atos golpistas se tornou um divisor de águas, capaz de redefinir a narrativa política para grupos que buscam manter viva a base bolsonarista e, ao mesmo tempo, de provocar forte instabilidade institucional caso haja conflito entre os poderes.
o próprio STF acompanha de perto as movimentações e prepara mecanismos jurídicos caso o Congresso tente interferir em julgamentos já finalizados.
O debate que moldará o futuro da democracia brasileira
O Brasil vive um momento de tensão política em torno de temas fundamentais para a manutenção do Estado Democrático de Direito. A proposta de anistia dos atos golpistas tornou-se o epicentro de um debate que extrapola a esfera jurídica e alcança a sociedade, que observa com atenção os movimentos do Congresso e do Supremo.
Enquanto a oposição tenta transformar o tema em bandeira eleitoral, o STF reforça que um golpe, mesmo tentado, não pode ser naturalizado. Em meio à disputa, o país assiste a um embate que definirá não apenas o destino dos condenados, mas também os limites institucionais que protegerão futuras gerações de ameaças à democracia.






