Declarações de Galípolo reduzem expectativa de corte da Selic e reacendem debate sobre juros no Brasil
As recentes falas do presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, reduziram substancialmente a aposta do mercado financeiro em um corte da Selic já na reunião de janeiro do Comitê de Política Monetária (Copom). Diante de um mercado de trabalho persistentemente aquecido, uma economia resiliente e números que contradizem modelos tradicionais de política monetária, o BC reforça uma postura mais conservadora, sinalizando que a taxa básica de juros pode permanecer no patamar atual por mais tempo do que os investidores gostariam.
As declarações, feitas em um evento em São Paulo, alteraram rapidamente as probabilidades implícitas nos contratos negociados na B3. As chances de manutenção da taxa de 15% ao ano na próxima reunião aumentaram, enquanto a expectativa por um primeiro corte da Selic perdeu força. A reação imediata do mercado mostra que as falas de Galípolo foram interpretadas como uma mensagem firme de que os juros altos ainda são necessários para conter pressões inflacionárias persistentes.
A fala sincera de Galípolo — ao admitir que não encontra explicações tradicionais para a queda contínua do desemprego mesmo com juros elevados — reforça a percepção de que o Brasil vive um ciclo econômico atípico. No centro dessa discussão está o impacto do quadro atual sobre as expectativas de inflação e sobre a calibragem da política monetária. A dúvida que paira sobre investidores, analistas e agentes do mercado é simples: há espaço para um corte da Selic no curto prazo?
A resposta, por enquanto, parece ser negativa.
O discurso do BC e a reprecificação das expectativas do mercado
Ao destacar que o mercado de trabalho permanece “aquecido” em diversas métricas, Galípolo reforça um dos argumentos essenciais que condicionam a política monetária: quando a atividade econômica se mantém forte, e o emprego cresce mesmo sob juros altos, a redução da taxa básica se torna mais arriscada. Isso ocorre porque cortes prematuros podem reacender pressões inflacionárias ou incentivar o consumo em um momento em que a oferta não acompanha o ritmo da demanda.
O impacto dessa avaliação foi imediato. Nas opções de Copom negociadas na bolsa, a probabilidade de manutenção da taxa aumentou de forma expressiva, enquanto as chances de corte da Selic caíram. O mercado, que já vinha apostando em uma possível flexibilização em janeiro, agora recompõe suas projeções.
Os números mostram o tamanho da mudança. A probabilidade de manutenção da taxa na reunião de janeiro subiu de 33% para 40%, enquanto a chance de corte de 0,5 ponto percentual caiu de 26% para 19%. No curtíssimo prazo, essa reprecificação reforça a leitura de que o Banco Central está empenhado em evitar movimentos bruscos.
A postura de Galípolo é condizente com a descrição formal do mandato da instituição — zelar pela estabilidade de preços, mesmo quando isso significa contrariar expectativas de mercado. Esse rigor, por vezes impopular, é interpretado como sinal de credibilidade institucional, algo especialmente relevante em um cenário global que ainda enfrenta incertezas.
Por que o mercado de trabalho preocupa o Banco Central
O ponto mais repetido por Galípolo em sua apresentação foi o comportamento do emprego. Em condições normais, juros altos tendem a desacelerar a economia, reduzindo contratações e elevando a taxa de desemprego. Isso diminuiria o risco inflacionário, permitindo o início de um ciclo de flexibilização monetária.
Mas o Brasil de 2024–2025 não se encaixa nesse padrão. O desemprego recua, a formalização cresce e setores intensivos em mão de obra continuam contratando, mesmo com a Selic elevada.
Essa anomalia gera três preocupações centrais:
1. Pressão sobre salários
Mercado aquecido tende a elevar salários, o que pode se traduzir em aumento de custos para o setor produtivo e, posteriormente, dos preços ao consumidor.
2. Demanda resiliente
Com mais empregos e renda, a demanda interna não esfria o suficiente, pressionando setores que ainda operam no limite da capacidade.
3. Descolamento dos modelos teóricos
Quando instrumentos tradicionais não produzem o efeito esperado, o BC tende a ser ainda mais cauteloso para evitar erros de calibragem.
O próprio Galípolo reconheceu que não encontra explicação elegante para a queda contínua do desemprego — uma admissão rara para quem comanda a política monetária de um dos maiores emergentes do mundo.
Essa dúvida estrutural reforça a necessidade de prudência, o que diminui a probabilidade de um corte da Selic no curto prazo.
O termômetro da inflação: IPCA, expectativas e as próximas divulgações
O Banco Central tem duas datas no radar antes de decidir se um corte da Selic é viável ou se a taxa permanecerá estável:
1. PIB do terceiro trimestre
A ser divulgado na quinta-feira, o número será fundamental para entender o ritmo da economia brasileira. Caso mostre crescimento robusto, reforçará a tese de atividade aquecida — o que joga contra o corte.
2. IPCA de novembro
Divulgado no dia 10, último dia da reunião do Copom, será determinante para o tom do comunicado. Inflação mais alta afasta corte. Inflação mais comportada abre pequena brecha, mas o discurso do BC já demonstra resistência.
O mercado considera que apenas um conjunto de dados significativamente mais benignos permitiria um corte da Selic já em janeiro. A probabilidade, no entanto, segue baixa.
A atitude conservadora do BC e seu impacto sobre preços de ativos
A postura de Galípolo é coerente com o manual de política monetária: quando há incerteza, o conservadorismo é preferível ao risco. Para o mercado financeiro, isso implica reação direta em:
Juros futuros
Tendem a permanecer pressionados, com curvas mais inclinadas e maior prêmio de risco.
Bolsa
O rali de fim de ano perde força, já que juros altos afetam setores sensíveis como varejo, construção civil e serviços.
Câmbio
A manutenção prolongada da Selic ajuda a ancorar a moeda, mas aumenta a volatilidade ao redor de dados e eventos.
Crédito
Juros altos prolongados seguem dificultando acesso a financiamentos para empresas e consumidores.
A expectativa agora é acompanhar como o Copom comunicará sua decisão no dia 10, e principalmente a Ata divulgada na semana seguinte, onde o colegiado costuma detalhar a interpretação dos indicadores macroeconômicos.
Mercado internacional e o pano de fundo global
Enquanto o Brasil discute a possibilidade de corte da Selic, os Estados Unidos continuam sendo o foco do mercado global. A expectativa de que o Federal Reserve reduza a taxa de juros na reunião de dezembro aumenta o apetite por risco em escala internacional, mas esse movimento não se replica automaticamente para o Brasil, devido às particularidades do cenário doméstico.
Outro fator relevante é a inflação na zona do euro, que voltou a subir, fortalecendo a tese de manutenção dos juros pelo Banco Central Europeu. A alta de preços em serviços segue pressionada, e isso influencia a política monetária em todo o Ocidente.
Se a inflação global permanecer resistente, bancos centrais tendem a postergar flexibilizações — o que faz com que um corte da Selic no Brasil pareça ainda mais improvável no curto prazo.
Indicadores do dia e humor do mercado
Além das falas de Galípolo, o mercado monitora dados como:
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IPC/Fipe: 0,20% em novembro
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Produção industrial: expectativa de +0,4%
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Mercado de trabalho nos EUA (JOLTs)
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Abertura dos contratos futuros americanos
A terça-feira começa com leve alta nos futuros de Wall Street, o que ajuda na formação de preços dos ativos brasileiros. Mas nenhum desses elementos tem peso suficiente para reverter o impacto gerado pelas declarações do presidente do BC.
Cenário político e ruído institucional também entram no radar
Ainda que o conjunto de indicadores econômicos seja o principal driver das decisões do Copom, o ambiente político também influencia expectativas. A proximidade do ano eleitoral, as pressões internas sobre o Banco Central e a instabilidade na base governista adicionam ruídos ao processo. No entanto, o mandato formal do BC garante que decisões de política monetária não sejam tomadas sob influência direta da conjuntura política.
O que as falas de Galípolo deixam claro é que a instituição pretende resguardar sua independência e atuar com prudência, priorizando a estabilidade de preços mesmo que isso desagrade setores do governo e parte do mercado.
Corte da Selic perde força e conservadorismo deve prevalecer
As declarações de Galípolo mudaram a trajetória esperada pelo mercado. O discurso foi interpretado como recado explícito: o cenário atual não oferece fundamentos sólidos para um corte da Selic em janeiro. A economia aquecida, a resistência do desemprego em cair, a inflação ainda sujeita a choques e a incerteza sobre o comportamento da atividade nos próximos meses sustentam uma postura mais rígida do Banco Central.
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IPCA de novembro
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Comunicado e Ata do Copom
Somente após esses dados será possível avaliar com mais clareza quando e se haverá espaço para um corte da Selic. Por ora, a mensagem é clara: a cautela se impõe, e o conservadorismo continuará guiando a política monetária brasileira.






