Escândalo no Miss Universo coloca donos do concurso na mira da Justiça e expõe crise sem precedentes
O Miss Universo atravessa a fase mais delicada de sua história recente. O concurso, que durante décadas foi associado a glamour, audiência global e forte apelo comercial, hoje está no centro de uma trama que envolve suspeitas de fraude, acusações criminais, renúncias em série de candidatas e questionamentos sobre o futuro do evento. A eleição da mexicana Fatima Bosch, amplamente contestada, foi apenas o estopim de uma crise que alcança os bastidores financeiros e jurídicos da organização.
No centro da polêmica do Miss Universo aparecem dois personagens-chave: o empresário mexicano Raúl Rocha Cantú e a empresária trans tailandesa Jakkaphong Jakratujapit, conhecida como Anne, ambos ligados à holding que controla o concurso. Os dois enfrentam problemas com a Justiça em seus países de origem, o que adiciona uma camada de escândalo a um evento já pressionado por denúncias de manipulação de resultado e perda de credibilidade.
O que antes era tratado como entretenimento e marketing global passou a ser analisado sob o prisma de investigações criminais, suspeitas de lavagem de dinheiro e uso do Miss Universo como vitrine para interesses que vão muito além do universo da beleza. A soma desses fatores levou o concurso à condição de “micado”, expressão que ganhou força nas redes ao sintetizar a sensação de desgaste e constrangimento em torno da marca.
Bastidores do Miss Universo: do glamour ao constrangimento mundial
Ao longo das últimas décadas, o Miss Universo foi moldado como um dos símbolos máximos do circuito internacional de concursos de beleza. A associação com grandes patrocinadores, a presença em canais de televisão e o apelo junto ao público transformaram o evento em uma máquina de audiência e negócios. No entanto, a edição mais recente revelou as fragilidades de um modelo que, sob a aparência de espetáculo, enfrenta tensões financeiras, disputas de bastidores e desconfiança crescente.
A vitória de Fatima Bosch no Miss Universo desencadeou uma reação imediata. Diversos comentários nas redes sociais questionaram o mérito da escolha, comparando a mexicana a outras candidatas que, na percepção de parte do público, teriam desempenho superior. Paralelamente, vieram à tona suspeitas de que a eleição teria sido influenciada por interesses comerciais e por vínculos pessoais e empresariais entre donos do concurso e familiares da vencedora.
A partir desse ponto, o Miss Universo passou a ser não apenas um evento de palco, mas alvo permanente de escrutínio público, com cada movimento da organização sendo observado, interpretado e, frequentemente, contestado.
Empresário mexicano ligado ao Miss Universo é investigado por crime organizado
Um dos focos de preocupação em torno do Miss Universo é o envolvimento de Raúl Rocha Cantú, milionário mexicano que detém parte do controle do concurso. Ele é alvo de investigações no México por suspeita de vínculos com uma rede de crime organizado, associada a delitos como narcotráfico, tráfico de armas e contrabando de combustível proveniente da Guatemala. As apurações são conduzidas pela Promotoria Geral da República mexicana, e o caso ganhou nova relevância após a exposição internacional do concurso.
Além disso, o pai de Fatima Bosch, funcionário da estatal petrolífera Pemex, mantém relações comerciais com o empresário. Esse elo entre o coproprietário do Miss Universo e a família da vencedora alimentou suspeitas de conflito de interesses, reforçando a narrativa de que o resultado poderia ter sido direcionado para atender a interesses de negócios.
A situação se agravou quando veio à tona que uma procuradora mexicana chegou a solicitar mandado de prisão contra Raúl Rocha. Em seguida, o empresário teria manifestado intenção de colaborar com as autoridades, o que sugere um estágio avançado das investigações. Nesse contexto, o Miss Universo passa a ser visto, em parte da opinião pública, como um ativo exposto a riscos reputacionais graves.
Empresária tailandesa e crise financeira aprofundam turbulência no Miss Universo
Outra peça central na crise do Miss Universo é a empresária trans tailandesa Jakkaphong Jakratujapit, conhecida como Anne, que se projetou internacionalmente ao adquirir o controle do concurso em 2023. A empresária construiu um império de mídia na Ásia, mas sua principal holding hoje enfrenta dificuldades financeiras relevantes, com veículos em recuperação judicial.
Recentemente, a Justiça tailandesa emitiu mandado de prisão contra Anne em um caso envolvendo suposta venda fraudulenta de ações. As acusações ampliam a percepção de instabilidade em torno da gestão do Miss Universo, já que a empresária é uma das faces mais visíveis da nova fase do concurso. A sociedade formada entre ela e o mexicano Raúl Rocha criou um eixo de comando que, agora, se vê atingido simultaneamente por investigações e questionamentos em dois países.
Com uma proprietária sob ameaça de prisão e um coproprietário investigado por ligações com cartel, o Miss Universo passa a ser analisado não apenas como um evento de entretenimento, mas como parte de uma estrutura que precisa dar respostas transparentes sobre governança, origem de recursos e integridade de seus processos internos.
Acusações de fraude e pressão sobre jurados no Miss Universo
O escândalo do Miss Universo ganhou contornos ainda mais graves com relatos de interferência direta no julgamento. Um dos jurados da edição, o empresário e músico franco-libanês Omar Harfouche, renunciou à função após o resultado, afirmando que a eleição de Fatima Bosch como vencedora contrariava sua convicção sobre quem deveria levar a coroa.
Segundo o jurado, teria havido pressão de um dos coproprietários ligados ao Miss Universo para que os votos convergissem para a candidata mexicana, sob o argumento de que isso seria benéfico para os negócios do grupo. O relato, ainda que apresente a versão de uma das partes, alimenta a percepção de que critérios comerciais teriam se sobreposto à avaliação de desempenho das concorrentes.
As menções a relações comerciais entre o coproprietário mexicano e o pai da miss vencedora reforçam, para setores da opinião pública, a hipótese de favorecimento. Mesmo que o Miss Universo tenha se esforçado institucionalmente para sustentar a legitimidade do resultado, o dano reputacional decorrente da suspeita de fraude já se instalou e tende a acompanhar o concurso por longo tempo.
Renúncias em série abalam a imagem do Miss Universo
As reações ao resultado do Miss Universo não se limitaram a críticas nas redes ou declarações pontuais. Algumas candidatas que terminaram entre as melhores colocadas decidiram renunciar formalmente às suas posições, enviando um sinal contundente de inconformismo com os rumos do concurso.
Entre as que abriram mão de seus títulos figuram candidatas da Costa do Marfim e da Estônia, ambas apontadas por parte do público como concorrentes fortes ao título máximo do Miss Universo. Em manifestações públicas, destacaram princípios como respeito, dignidade e igualdade de oportunidades, sugerindo que não se sentiam confortáveis em permanecer associadas a um resultado que consideravam injusto.
Outras representantes, incluindo misses de países europeus e caribenhos, também se afastaram do concurso em solidariedade às críticas ou em repúdio à forma como a organização conduziu episódios de desrespeito às participantes. O gesto coletivo expôs o desgaste interno do Miss Universo e mostrou que a crise não é apenas externa, mas também percebida dentro do próprio elenco de candidatas.
Miss México contestada e a exposição do “antes e depois”
O episódio envolvendo o Miss Universo teve ainda um componente simbólico relevante no México. Setores das redes sociais do país não aceitaram o discurso de vitória patriótica e passaram a questionar não só a eleição de Fatima Bosch como Miss Universo, mas também sua própria escolha prévia como Miss México.
Montagens com imagens de “antes e depois” começaram a circular, comparando diferentes fases da vida da vencedora e sugerindo mudanças marcantes de aparência. Muitas dessas publicações tinham tom de crítica, algumas com exageros e ataques pessoais. A discussão sobre transformações estéticas, que em outros contextos poderia ser tratada como questão de autonomia e escolha individual, foi instrumentalizada para contestar a legitimidade do resultado do Miss Universo.
Esse ambiente de desconfiança reforça a percepção de que, ao menos na visão de parte do público, a escolha da representante mexicana extrapolou critérios tradicionais de avaliação de um concurso de beleza, alimentando teorias de armação e manipulação.
O lugar dos concursos de beleza em um mundo em mudança
A crise do Miss Universo reacende um debate antigo: qual é o papel de concursos de beleza em uma sociedade que discute cada vez mais igualdade de gênero, diversidade e combate a padrões excludentes? O modelo original desses eventos se baseia na avaliação de atributos físicos, ainda que, ao longo dos anos, tenham sido incorporados discursos sobre carreira, engajamento social e formação acadêmica.
Mesmo com ajustes de formato, como a redução de destaque às provas de biquíni ou a adoção de trajes mais discretos, o Miss Universo continua a se apoiar em uma lógica de competição visual. Para muitos críticos, isso contrasta com avanços de agendas feministas. Para outras pessoas, inclusive candidatas, o concurso é visto como espaço de projeção profissional, visibilidade internacional e possibilidade de ascensão econômica.
A crise atual, porém, desloca o foco. Mais do que discutir apenas o conceito de concursos de beleza, as denúncias em torno do Miss Universo colocam em pauta a integridade de seus processos, a transparência da gestão e o risco de contaminação por interesses alheios à proposta oficial do evento.
Acidentes, críticas internas e falhas de organização
A turbulência do Miss Universo também contou com episódios internos que reforçaram a sensação de desorganização. Um dos casos mais comentados foi a queda da Miss Jamaica, Gabrielle Henry, durante um desfile. Envolta em um figurino marcante, a candidata sofreu um acidente grave de passarela e precisou ser hospitalizada por cerca de uma semana.
Após o episódio, participantes relataram que, em uma reunião interna, a organização teria atribuído a responsabilidade do acidente à própria candidata, sugerindo que ela não teria prestado atenção ao trajeto. O relato ampliou a insatisfação de participantes, que esperavam maior acolhimento e respaldo de um evento do porte do Miss Universo.
A Miss Haiti, Melissa Sapini, também ganhou destaque ao expor que, em seu país, as condições de infraestrutura são tão críticas que sequer é possível organizar concursos locais com segurança. Sua presença, construída a partir de residência no exterior, chamou atenção para o contraste entre o brilho do palco do Miss Universo e a dura realidade de muitos países representados.
Saída de candidatas afro-caribenhas e denúncia de injustiça
Entre as manifestações mais fortes contra o Miss Universo, chamou atenção a reação de candidatas afro-caribenhas, que questionaram o tratamento recebido ao longo do concurso. Uma representante caribenha levantou publicamente a hipótese de que algumas misses teriam sido mantidas na competição sem qualquer chance real de vitória, apenas para compor um painel diverso sem refletir essa diversidade no resultado final.
Esse tipo de crítica atinge diretamente a promessa de inclusão que o Miss Universo tenta sustentar nos últimos anos, com discurso de valorização da diversidade racial, cultural e de gênero. Se a percepção de injustiça se consolidar entre candidatas e público, a marca corre o risco de ser vista como incoerente, o que agrava ainda mais a crise de confiança.
Crime organizado, lavagem de dinheiro e risco de colapso do Miss Universo
O ponto mais sensível da crise do Miss Universo é a possibilidade de que o concurso tenha sido usado, mesmo que parcialmente, como fachada para atividades criminosas. As suspeitas em torno de Raúl Rocha envolvem, entre outros pontos, a hipótese de lavagem de dinheiro por meio de empresas e contratos vinculados ao evento.
Há ainda acusações de que o empresário teria buscado acesso privilegiado a informações sigilosas na Promotoria mexicana, pagando para ser informado sobre investigações que o envolvessem. A menção a cartéis conhecidos por violência extrema, como a União Tepito e o Cartel Jalisco Nueva Generación, eleva o grau de preocupação. Se alguma dessas ligações for comprovada, o Miss Universo poderá ser pressionado a mudar completamente sua estrutura societária ou até a suspender temporariamente as atividades.
Neste cenário, o concurso deixa de ser apenas um empreendimento de mídia e entretenimento e passa a ser observado como possível braço de uma rede de interesses ilícitos. A combinação entre suspeita de manipulação de resultado, renúncia de candidatas, proprietários investigados e desconfiança crescente do público coloca o Miss Universo diante de um risco real de colapso reputacional.
Um símbolo em ruínas: o futuro do Miss Universo em disputa
O quadro atual sugere que o Miss Universo atravessa uma crise estrutural. A marca, outrora associada a glamour, organização e projeção global, hoje aparece vinculada a polêmicas criminais, gestão contestada e acusações de fraude. A instituição, tal como funcionou por décadas, parece “desconstruída”, pressionada por dentro e por fora.
Para sobreviver, o Miss Universo terá de adotar medidas profundas de transparência, rever sua estrutura de propriedade, afastar nomes investigados, estabelecer regras de governança robustas e reconstruir a confiança de candidatas, patrocinadores e público. Sem esse tipo de resposta, o concurso corre o risco de ser lembrado menos como referência de beleza e mais como um caso emblemático de como espetáculos globais podem ser corroídos por práticas opacas e interesses escusos.
Em um momento em que se esperava que o debate sobre o Miss Universo estivesse centrado em questões de representatividade, inclusão e atualização de formatos, a realidade mostrou que o problema é ainda mais grave: há suspeitas de captura do evento por uma lógica de poder e dinheiro que nada tem a ver com o sonho de jovens mulheres que sobem à passarela em busca de oportunidades.






