Crise política e disputa eleitoral atrasam definição final do PL Antifacção na Câmara
O avanço do PL Antifacção na Câmara dos Deputados transformou-se em um dos temas mais sensíveis da agenda política em Brasília. A proposta, que visa estabelecer um novo marco legal para o enfrentamento de organizações criminosas, está no centro de uma disputa que envolve o Palácio do Planalto, governadores, bancadas parlamentares e interesses eleitorais de 2026. A expectativa inicial era de que o texto fosse votado rapidamente, mas a combinação de insatisfação política, resistência técnica e cálculos estratégicos adiou novamente o desfecho.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tenta garantir que o PL Antifacção seja votado ainda nesta semana. No entanto, tanto a base governista quanto a oposição bolsonarista demonstram forte resistência à quarta versão do substitutivo elaborado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP). A divergência é tão ampla que já se fala abertamente na formulação de uma quinta versão — possibilidade que poderia, novamente, empurrar a votação para a semana seguinte.
Planato reage à escolha da relatoria e vê risco político no texto
Desde que a relatoria foi entregue ao deputado Guilherme Derrite, identificado com o núcleo mais alinhado ao bolsonarismo, o Palácio do Planalto passou a enxergar o PL Antifacção como um potencial foco de desgaste para o governo. A escolha contrariou a expectativa do Executivo, que pretendia tratar do tema por meio da PEC da Segurança Pública, onde acreditava ter maior controle sobre o andamento e o conteúdo da matéria.
Para o governo, a condução da proposta por um oposicionista convicto expõe a gestão do presidente Lula a risco político elevado. A leitura dentro da Esplanada é de que o relator buscaria construir uma versão que fortalecesse o discurso eleitoral de aliados do bolsonarismo, especialmente do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), que tem ampliado sua projeção nacional.
A rejeição governista à quarta versão do texto é taxativa. Bela parte dos articuladores considera que pontos essenciais da política de segurança pública federal foram desconsiderados ou distorcidos, abrindo espaço para judicialização futura e inconsistências constitucionais.
Governadores entram em campo para evitar desgaste e pedem mais tempo
A resistência não veio apenas da base do governo. Governadores de diferentes espectros ideológicos foram pessoalmente à Câmara para tentar conter o avanço do PL Antifacção da forma como está. Em encontros reservados, forças estaduais argumentaram que o texto, além de politicamente carregado, carece de maior maturação técnica.
A avaliação geral dos chefes estaduais foi de que as idas e vindas nas versões apresentadas pelo relator tornaram o texto instável e suscetível a contestações judiciais. O temor é que uma aprovação apressada possa abrir brechas para a intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF), o que, além de travar a implementação das medidas, poderia gerar desgaste institucional prolongado.
Essa preocupação levou governadores a defenderem a prorrogação das negociações por, pelo menos, mais 30 dias. O objetivo é reconstruir a articulação política e garantir que o resultado final seja minimamente consensual, evitando disputas judiciais e narrativas eleitorais que possam se voltar contra as gestões estaduais.
Pontos mais controversos do texto provocam reação intensa
O PL Antifacção enfrentou resistência principalmente em dois trechos sensíveis. O primeiro tratava da equiparação das ações de facções criminosas, milícias e grupos paramilitares ao crime de terrorismo. O segundo previa alterações na atuação da Polícia Federal (PF), condicionando ações da corporação a solicitações formais dos governadores.
No caso da equiparação a terrorismo, a proposta provocou divisão entre governo e oposição. Uma ala bolsonarista defendia que, para fortalecer o enfrentamento ao crime organizado, a legislação deveria tratar facções como grupos terroristas, permitindo cooperação internacional mais ampla e penas mais severas. Já a base governista argumentava que isso criaria insegurança jurídica e poderia gerar conflitos com normas internacionais.
A proposta sobre a PF foi considerada inaceitável pelo governo federal. A interpretação generalizada era de que a mudança poderia limitar a autonomia da corporação, o que despertou forte reação nas redes sociais e entre parlamentares governistas. Com pressões internas e externas, o relator recuou.
Recuos estratégicos e desgaste interno no bloco bolsonarista
O relator, Guilherme Derrite, passou a enfrentar críticas até mesmo dentro de seu próprio campo político. Parte dos parlamentares da oposição passou a considerá-lo despreparado para conduzir um tema de tamanha complexidade. O desgaste cresceu especialmente após a recusa governista, que enfraqueceu a estratégia inicial do grupo bolsonarista.
Nos bastidores, comenta-se que a insistência em pontos controversos do PL Antifacção teria criado um ambiente desfavorável para negociações. Parlamentares mais experientes do bloco oposicionista avaliam que insistir na radicalização pode resultar em derrota acachapante no plenário — algo que querem evitar diante do impacto eleitoral do tema segurança pública.
O peso eleitoral do tema segurança pública contamina negociações
A segurança pública continua sendo um dos maiores ativos eleitorais no país, como mostram pesquisas qualitativas realizadas por consultorias políticas. Tanto governistas quanto oposicionistas reconhecem que o PL Antifacção pode influenciar diretamente a construção de narrativas para 2026.
Governadores querem manter protagonismo no debate para não ceder espaço ao governo federal. O Palácio do Planalto, por sua vez, teme que uma eventual derrota ou desgaste no processo amplifique críticas ao Governo Lula. Já o bolsonarismo tenta consolidar o discurso de endurecimento contra o crime organizado, visando ampliar influência nos estados mais populosos, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Por isso, a disputa sobre a redação final tornou-se mais do que um debate técnico. Trata-se de uma disputa estratégica de longo prazo entre grupos que enxergam, no PL Antifacção, um vetor fundamental para moldar o ambiente político do próximo ciclo eleitoral.
PL promete destaques que podem acirrar ainda mais o plenário
O Partido Liberal (PL) anunciou que apresentará dois destaques cruciais durante a votação: o primeiro retoma a equiparação das facções criminosas ao terrorismo; o segundo busca eliminar a audiência de custódia para criminosos reincidentes. Esses pontos são considerados centrais para a ala bolsonarista, que tenta impor marca ideológica clara ao projeto.
O governo, contudo, trabalha para impedir que esses destaques avancem. A avaliação da base é que tais propostas podem ser consideradas inconstitucionais e, simultaneamente, fragilizam o discurso institucional do Ministério da Justiça, que defende modernização da legislação sem abrir brechas para conflitos federativos ou violações de acordos internacionais.
STF pode ser chamado a arbitrar a constitucionalidade do projeto
Alguns juristas consultados por lideranças partidárias já apontam risco concreto de judicialização. A equiparação das facções ao terrorismo, por exemplo, poderia colidir com tratados internacionais e com o conceito tradicional de terrorismo adotado pelo Brasil. além disso, mudanças que alterem a estrutura de funcionamento da Polícia Federal suscitam questionamentos sobre separação de poderes e autonomia institucional.
Governadores temem ser arrastados para esse conflito jurídico caso o texto seja aprovado com pontos considerados frágeis. Por isso, a defesa pelo “amadurecimento” do PL Antifacção tornou-se a linha oficial adotada por gestores estaduais.
Cenário político indica que o texto deve mudar novamente
Diante do impasse crescente, parlamentares de diversas bancadas avaliam que uma quinta versão do texto é praticamente inevitável. A necessidade de construir um texto minimamente convergente exige concessões difíceis para todos os atores envolvidos.
Se a nova versão não for apresentada ainda hoje, há forte possibilidade de que a votação seja adiada para a próxima semana. Isso diminuiria o ímpeto político de Motta, mas permitiria articulações mais cuidadosas entre governo, oposição e governadores.
O futuro do PL Antifacção ainda é incerto
O PL Antifacção tornou-se mais do que um projeto de segurança pública: é agora um símbolo da disputa entre diferentes projetos de país. A pressão das bases eleitorais, o cálculo dos governadores, a resistência do Planalto, a estratégia do PL e as preocupações do STF criaram um ambiente político rarefeito, onde qualquer movimento tem consequências amplificadas.
O tema continua sendo prioridade na Câmara, mas o resultado final dependerá da capacidade dos atores políticos de encontrar um texto equilibrado, viável juridicamente e estrategicamente sustentável para cada setor envolvido.






