Brasil discute classificar facções como terroristas: entenda os riscos econômicos para bancos, empresas e o bolso do cidadão
A tramitação de projetos para ampliar a Lei Antiterrorismo e incluir facções criminosas como PCC e CV reconfigurou o centro do debate nacional. O tema, que emergiu após megaoperações policiais e ganhou prioridade política, hoje mobiliza não apenas a área de segurança, mas também o mercado financeiro, o comércio exterior, o ambiente regulatório e a rotina de quem depende do crédito, do PIX e dos serviços bancários. Em meio a expectativas de votação acelerada e disputa de narrativas, especialistas apontam riscos econômicos que vão de sanções internacionais a encarecimento do capital, com potenciais reflexos sobre consumo, emprego e arrecadação.
Nesta reportagem em tom analítico, no estilo redacional do Correio Braziliense, examinamos o que muda com a eventual reclassificação de facções como terroristas, quais são os riscos econômicos associados e que contrapesos regulatórios poderiam reduzir danos sem desorganizar os esforços de combate ao crime.
O que está em discussão: escopo da lei, atribuições e maior alcance punitivo
A pauta central propõe alterar a Lei 13.260/2016 para:
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Ampliar motivações e tipificações relacionadas ao terrorismo;
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Especificar infraestruturas críticas e serviços de utilidade pública;
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Estender a aplicação a organizações criminosas e milícias privadas que pratiquem atos tipificados na lei;
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Criar agravantes para atos de natureza cibernética;
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Reforçar atribuições de investigação e facilitar bloqueio e confisco de bens com cooperação internacional.
Do ponto de vista de segurança, o objetivo declarado é antecipar tutela penal, integrar inteligência e acelerar a estrangulamento financeiro de redes ilícitas. Do ponto de vista de mercado, entretanto, cresce a preocupação com riscos econômicos ligados a um possível efeito dominó de sanções, especialmente quando países aliados replicam classificações brasileiras e transportam a discussão para seus próprios regimes de compliance e bloqueio de ativos.
Por que o rótulo de terrorismo importa para a macroeconomia: o canal das sanções
Ao incluir facções na moldura do terrorismo, o Brasil potencialmente aciona gatilhos de coordenação internacional. Autoridades estrangeiras podem:
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Incorporar a designação em suas listas restritivas;
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Expandir o escopo de sanções para entidades e indivíduos citados em investigações;
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Requerer padrões mais rígidos de due diligence a bancos, fintechs e fundos que operem ou se relacionem com o mercado brasileiro.
Esse encadeamento produz riscos econômicos imediatos:
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Bloqueio preventivo de contas e ativos em jurisdições sensíveis a regras de contraterrorismo;
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De-risking por parte de bancos correspondentes e conglomerados, com encerramento de relações comerciais consideradas arriscadas;
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Aumento de custos de conformidade (KYC/KYB, PLD/FT, screenings de sanções) e consequente repasse a tarifas e juros;
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Atrasos e fricção operacional em pagamentos, liquidações e comércio exterior;
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Risco reputacional para empresas e fundos citados tangencialmente em investigações, ainda que sem condenação.
Em um ambiente global de tolerância zero a fluxos ilícitos, a mera menção de um elo — mesmo indireto — pode bastar para acender alertas. É assim que riscos econômicos se convertem em aumento de spreads, retração de linhas e perda de apetite a risco.
Sistema financeiro: do atacado ao varejo, onde os riscos econômicos aparecem primeiro
Bancos e conglomerados financeiros
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Triagem ampliada de clientes e contrapartes, com maior escrutínio sobre beneficiários finais;
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Revisão de carteiras para mitigar exposição indireta a investigações;
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Custos adicionais de governança e auditoria, com impacto em prazos de crédito e precificação;
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Possível retração de crédito para setores com histórico de fraudes tributárias, receptação ou alto uso de dinheiro vivo.
Fintechs, meios de pagamento e PIX
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Filtros mais rígidos e retenções preventivas em transações suspeitas;
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Aumento de falsos positivos em ferramentas de detecção, elevando atrito para usuários legítimos;
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Risco de exclusão de arranjos internacionais em cenários extremos, se houver percepção de vulnerabilidade sistêmica;
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Repasse de custos para comerciantes e consumidores, afetando a inclusão financeira.
Nesse tabuleiro, os riscos econômicos são difusos e progressivos. Não surgem apenas na forma de grandes sanções. Muitas vezes, manifestam-se como encarecimento silencioso do dia a dia: tarifas, juros, exigências documentais, prazos de liberação e limites transacionais mais conservadores.
Mercado de capitais e “Faria Lima”: contágio reputacional e efeito em fundos
Investigações recentes demonstraram a capacidade de redes ilícitas de se infiltrar em atividades aparentemente regulares. Em um cenário de contraterrorismo:
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Administradores fiduciários e custodiantes podem impor barreiras adicionais a determinados perfis de cliente;
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Gestores de fundos evitam ativos com alto risco reputacional, reduzindo profundidade de mercado;
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Operações estruturadas de crédito sofrem com verificação reforçada da cadeia de recebíveis e dos devedores;
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Deal flow desacelera em setores expostos, elevando os riscos econômicos por menor liquidez e spreads maiores.
Para empresas médias que dependem de debêntures, FIDCs ou notas comerciais, esse ambiente tende a encarecer o capital, afetando investimento, contratação e expansão.
Comércio exterior: trade finance, seguros e cadeias globais de valor
Exportadores e importadores operam na interseção entre bancos locais e correspondentes internacionais. A reclassificação pode levar:
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Exigência de cláusulas de sanções mais estritas em contratos e cartas de crédito;
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Aumento de prêmios em seguros de crédito à exportação;
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Prazos mais longos para análise documental e embarques;
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Revisão de rotas e parceiros para reduzir riscos de apreensão e bloqueios.
Esses movimentos, embora técnicos, desaguam em riscos econômicos palpáveis: perda de competitividade, margens comprimidas e prazos mais longos para realizar receitas.
Setor público e estatais: quando o risco jurídico vira risco soberano
A eventual associação de agentes públicos a investigações — ainda que por citação — acende alertas internacionais. Estatais e empresas de economia mista podem enfrentar:
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Due diligence extraordinária de investidores estrangeiros;
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Encargo adicional em emissões externas, por percepção de risco jurídico;
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Revisão de ratings setoriais e questionamentos sobre governança e controles internos.
Em última instância, o encarecimento do financiamento público também é um vetor de riscos econômicos, com reflexo no custo da dívida e na capacidade de investimento.
Economia real: combustíveis, varejo, logística e marketplaces
Investigações já mostraram estratégias de sonegação e lavagem em cadeias de combustíveis e varejo de conveniência. Sob legislação antiterrorismo:
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Transportadoras podem pagar prêmios maiores de seguro e enfrentar inspeções adicionais;
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Postos e redes de varejo terão que provar a integridade de fornecedores e fluxos de caixa;
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Marketplaces intensificarão a verificação de vendedores e a rastreabilidade de produtos, sob pena de corresponsabilização.
O resultado é uma escalada de conformidade que, sem calibragem, pode se traduzir em riscos econômicos para pequenos e médios negócios, com aperto de margens e repasse de custos ao consumidor.
Cibercrime e infraestruturas críticas: o custo da resiliência
A inclusão de majorantes para atos cometidos por meios cibernéticos exige:
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Fortalecimento de SOCs (centros de operações de segurança);
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Monitoramento em tempo real de transações e acessos;
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Planos de continuidade e redundância para serviços essenciais;
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Treinamento e certificações para equipes de risco e tecnologia.
O investimento eleva o patamar de proteção, mas, sem linhas específicas de financiamento, pode criar riscos econômicos para quem tem menor capacidade de absorver custos, como cooperativas, IPs de nicho e PMEs.
Outros países e o efeito de espelho: por que a vizinhança importa
A adoção regional de rótulos de “narcoterrorismo” tem crescido. Quando grandes potências replicam ou ampliam designações, ampliam-se as chances de:
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Deportações aceleradas por associação a grupos listados;
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Apreensão de embarcações em rotas sob suspeita;
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Bloqueios de ativos de indivíduos e empresas citados;
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Ações enérgicas em corredores logísticos globalmente sensíveis.
Mesmo sem coordenação formal com o Brasil, decisões unilaterais de outros países irradiam riscos econômicos para operações legítimas conectadas ao sistema financeiro doméstico.
Três linhas de transmissão para o crescimento
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Custo de capital: spreads mais altos e menor apetite a risco desaceleram investimento.
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Produtividade regulatória: conformidade crescente drena tempo e caixa de empresas.
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Confiança e expectativas: incerteza jurídica e ruído externo retraem decisões de consumo e expansão.
Somadas, essas linhas tornam os riscos econômicos um fator de relevância macro, com potencial de pressionar câmbio, curva de juros e indicadores de atividade.
Como reduzir riscos econômicos sem enfraquecer o combate às facções
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Definição técnica precisa: critérios objetivos para enquadramento, com salvaguardas contra “arrasto” indevido.
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Devido processo em procedimentos de bloqueio: revisão célere, contraditório, prazos definidos e transparência.
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Governança interagências: coordenação entre BCB, CVM, COAF, PF, AGU, Fazenda e Justiça para orientação ao mercado.
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Guias setoriais de compliance: modelos proporcionais de PLD/FT para bancos, IP/IF, marketplaces, combustíveis e logística.
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Foco em inteligência financeira: atacar cadeias de lavagem e sonegação com análise de dados e cooperação técnica internacional.
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Proteção a infraestruturas críticas: padrões mínimos de cibersegurança com incentivos e crédito direcionado.
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Comunicação clara ao investidor: notas técnicas e perguntas e respostas públicas para mitigar incerteza e riscos econômicos de percepção.
Quem precisa agir agora: checklists práticos por setor
Financeiro (bancos, IP/IF, fundos)
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Reforçar KYC/KYB, screening de sanções e governança de terceiros;
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Documentar decisões de risco e manter trilhas de auditoria robustas.
Varejo e marketplaces
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Endurecer políticas contra receptação e verificar origem de mercadorias;
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Implementar monitoramento transacional com foco em padrões anômalos.
Combustíveis e logística
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Fortalecer compliance tributário, controles volumétricos e auditorias independentes;
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Integrar cadastros públicos e privados para checagem de fornecedores.
Tecnologia e meios de pagamento
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Elevar camadas de antifraude com validação humana;
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Ajustar limites, testes A/B de retenção preventiva e comunicação ao usuário.
Setor público e estatais
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Mapear exposições, padronizar protocolos internos e publicar relatórios de integridade;
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Estabelecer respostas rápidas a menções e citações administrativas.
Exportadores e importadores
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Inserir cláusulas de sanções em contratos, diversificar bancos corresponsais e reforçar documentação;
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Avaliar seguros de crédito e garantias adicionais para rotas sensíveis.
O objetivo é reduzir riscos econômicos sistêmicos sem paralisar atividade produtiva ou punir o bom pagador.
Segurança pública com métricas e prioridades
O rótulo de terrorismo, por si só, não substitui inteligência, integração de dados e foco nas cadeias de lavagem de dinheiro. Para produzir resultado, é preciso:
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Priorizar investigações financeiras de alto impacto;
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Atacar elos logísticos e tributários que alimentam redes ilícitas;
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Combinar repressão qualificada com prevenção social e oferta de oportunidades.
Executada com técnica e proporcionalidade, a política pública reduz riscos econômicos e aumenta a efetividade do Estado.
Calibrar o combate ao crime sem travar a economia
O país precisa enfrentar facções com rigor. Mas a forma como esse rigor é desenhado determina se haverá mais segurança com estabilidade, ou mais incerteza e riscos econômicos. Definições claras, salvaguardas jurídicas, coordenação regulatória e comunicação transparente são as chaves para que a economia continue funcionando enquanto o crime perde espaço. A conta final não pode recair sobre o consumidor, o trabalhador e a empresa que segue a lei.






