Câmara aprova PL Antifacção e cria novo marco nacional contra o crime organizado
A Câmara dos Deputados aprovou, em sessão marcada por articulações intensas e sucessivas alterações de texto, o PL Antifacção, iniciativa que se consolidou como o principal instrumento legislativo já formulado para enfrentar facções criminosas no país. Após semanas de negociação com governadores, líderes partidários e setores técnicos, o projeto avançou com placar robusto: 370 votos a favor, 110 contrários e três abstenções. A votação encerra uma das etapas mais sensíveis da agenda legislativa voltada ao combate ao crime organizado, estabelecendo um arcabouço nacional de inteligência, repressão e reorganização das estruturas de investigação.
A aprovação do PL Antifacção representa uma resposta institucional ao aumento da influência territorial de grupos criminosos que operam com alto grau de violência, capacidade financeira e articulação interestadual. A iniciativa surge em um contexto no qual episódios ligados ao domínio territorial, ataques a serviços públicos, ações de sabotagem e práticas associadas ao chamado “novo cangaço” ampliaram a pressão sobre o Legislativo para aprovar medidas estruturais. A Câmara buscou um texto que preservasse equilíbrio federativo, garantisse autonomia das forças policiais e, ao mesmo tempo, desse unidade às ações contra facções.
Com seis versões antes da redação final, o PL Antifacção foi costurado de forma a conciliar demandas da União, dos estados e dos municípios. O presidente da Casa, Hugo Motta, destacou que o avanço do projeto não deve ser interpretado como vitória partidária, mas como uma reação do país à escalada da violência. O relator, Guilherme Derrite, fez ajustes estratégicos ao texto para reduzir atritos com a base governista e evitar disputas sobre protagonismo institucional.
Arcabouço nacional contra facções: o eixo central da proposta
O texto aprovado estabelece a estrutura de um sistema nacional de enfrentamento às facções criminosas, organizando instrumentos de inteligência, mecanismos de intervenção em empresas usadas em operações ilícitas, novas tipificações penais e regras mais duras para líderes envolvidos em crimes de alta periculosidade. Trata-se da primeira vez que o Congresso estabelece, em um único projeto, diretrizes articuladas para enfrentar organizações que operam de maneira ultraviolenta e com capilaridade interestadual.
O PL Antifacção fortalece a cooperação entre órgãos federais e estaduais, sem retirar da Polícia Federal a competência investigativa que havia sido motivo de preocupação da base do governo. O texto mantém a centralidade da PF e apenas determina comunicação com autoridades estaduais quando houver operações conjuntas, evitando sobreposição de ações e garantindo melhor coordenação territorial.
Entre os pilares da proposta, destacam-se:
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criação de instrumentos específicos de inteligência;
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aprimoramento das tipificações penais relacionadas a domínio territorial e sabotagem;
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políticas de intervenção em empresas utilizadas para lavagem de dinheiro;
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endurecimento da execução penal para líderes de facções;
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regras mais rígidas de regime, sem benefícios indiretos como auxílio-reclusão para dependentes de criminosos;
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criação de mecanismos para bloquear bens físicos, digitais e financeiros.
Ao estabelecer esses parâmetros, o PL Antifacção amplia a capacidade do Estado de neutralizar a estrutura operacional e financeira das organizações criminosas, reduzindo sua força econômica e dificultando a expansão territorial.
Novas tipificações penais: domínio territorial, ataques e sabotagem
O avanço das facções pelo território brasileiro impulsionou a formulação de novos tipos penais específicos. O PL Antifacção define com mais clareza práticas como domínio de áreas urbanas, ataques deliberados a forças de segurança, sequestro de aeronaves e sabotagem a serviços públicos essenciais. Esses crimes passam a integrar um conjunto de condutas que, ao serem tipificadas, permitem punições mais severas e atuação mais rápida dos órgãos de investigação.
A menção ao “novo cangaço”, prática caracterizada por ataques fortemente armados a cidades e instituições financeiras, é inédita em projetos dessa natureza. A incorporação desse fenômeno ao texto revela o grau de preocupação com ações que, nos últimos anos, desafiaram a capacidade de resposta das forças policiais em diferentes regiões do país.
Ao consolidar esse conjunto de tipificações, o PL Antifacção transforma ameaças que, até então, eram tratadas em legislações fragmentadas, em crimes claros e equiparados a atos de intimidação coletiva de alto potencial destrutivo.
Endurecimento das penas e bloqueio patrimonial
Um dos pontos mais sensíveis do projeto é o agravamento das penas. A proposta estabelece mínimo de 20 anos e máximo de até 40 anos, podendo chegar a 66 anos para líderes de organizações criminosas. Esse limite ampliado busca atingir diretamente as chefias das facções, que muitas vezes continuam a comandar atividades ilícitas de dentro dos presídios, inclusive de unidades estaduais.
Além disso, o PL Antifacção cria medidas assecuratórias que facilitam o sequestro de bens, indisponibilidade de ativos e bloqueio de patrimônio vinculado ao crime organizado. Empresas usadas para lavagem de dinheiro poderão ser colocadas sob intervenção, permitindo que atividades lícitas sejam recuperadas e dissociadas do controle das facções.
A ampliação dos instrumentos de bloqueio patrimonial reforça a percepção de que o combate ao crime organizado deve priorizar a asfixia financeira dos grupos criminosos. Ao atingir as fontes de renda, o Estado reduz a capacidade de autofinanciamento das atividades ilícitas.
Execução penal mais rígida e presídios federais como destino para lideranças
Outro eixo da proposta é o fortalecimento da execução penal. O PL Antifacção prevê que líderes de facções serão submetidos a cumprimento de pena em presídios federais de segurança máxima. O objetivo é interromper a cadeia de comando existente em penitenciárias estaduais, onde muitos grupos mantêm controle sobre alas, módulos e até sobre as comunidades do entorno.
O texto também restringe benefícios de progressão de regime e vedação ao auxílio-reclusão quando houver envolvimento direto com organização criminosa. A intenção é diminuir incentivos indiretos e reduzir o impacto das redes familiares que, em alguns casos, são utilizadas para movimentar valores ou transmitir ordens a partir dos presídios.
Essa alteração reforça o caráter estrutural do PL Antifacção: atacar o crime organizado pela raiz, reduzindo sua capacidade de reconstituição e reorganização dentro do sistema prisional.
Novos procedimentos para agilizar investigações e julgamentos
Para acelerar processos e reduzir custos operacionais, o projeto inclui dispositivos como audiências de custódia por videoconferência, perdimento cautelar de bens ainda na fase de inquérito e definição de julgamentos em Varas Criminais Colegiadas para homicídios associados a facções.
A criação dessas varas colegiadas busca evitar situações de intimidação de jurados, comum em regiões dominadas por grupos criminosos. Ao deslocar a competência do Tribunal do Júri para magistrados especializados, o texto introduz um mecanismo de proteção institucional e agiliza a tramitação.
Essa modernização procedimental coloca o PL Antifacção em sintonia com demandas do sistema de justiça e amplia a eficiência no enfrentamento do crime organizado.
Banco Nacional de Organizações Criminosas Ultraviolentas
Um dos dispositivos de maior impacto do projeto é a criação do Banco Nacional de Membros de Organizações Criminosas Ultraviolentas, plataforma interoperável com bancos de dados estaduais. Trata-se de uma ferramenta de inteligência integrada, que permitirá rastrear membros, fluxos e ligações entre diferentes facções que atuam no território nacional.
A interoperabilidade é fundamental para o sucesso do PL Antifacção, já que muitas organizações operam em múltiplos estados, possuem ramificações interestaduais e, em alguns casos, mantêm conexões com grupos estrangeiros.
Fundos de segurança pública receberão os bens apreendidos, e, quando houver participação da PF, a destinação será ao Fundo Nacional de Segurança Pública, fortalecendo o financiamento das ações de combate.
A retirada da proposta antiterrorismo e seu impacto político
Apesar da força do texto, o PL Antifacção não incorporou o item relacionado ao enquadramento de traficantes como terroristas. A decisão ocorreu por determinação da Mesa Diretora, que barrou a apresentação do dispositivo antes da votação final. A inclusão era defendida por setores do Partido Liberal, mas não avançou.
A retirada do item antiterrorismo evitou uma disputa política que poderia comprometer o avanço da pauta principal. O relator havia manifestado preocupação de que esse acréscimo politizasse o texto, prejudicando a construção de consenso.
Mesmo sem o dispositivo, o PL avança como marco legislativo robusto. O debate sobre legislação antiterrorismo, no entanto, permanece vivo e deve ser retomado futuramente, conforme sinalizaram representantes de partidos da oposição.
Consolidação de um marco institucional contra o crime organizado
Com a aprovação, o PL Antifacção se torna o mais abrangente conjunto legislativo já aprovado para enfrentar facções no país. O texto moderniza instrumentos, reforça a cooperação federativa, cria mecanismos de inteligência e estabelece punições duras para líderes envolvidos em atividades de alto risco.
O marco aprovado pela Câmara reorganiza a capacidade do Estado de identificar, neutralizar e desarticular estruturas criminosas que desafiam a autoridade institucional e impactam diretamente a segurança pública em todas as regiões do Brasil.
A expectativa agora se volta para o Senado, onde o projeto deve ser analisado em sequência. A urgência da matéria, combinada com o amplo apoio obtido na Câmara, indica que a proposta seguirá tramitando com prioridade.






